Pedro Caio tropeçou

No meio da escuridão de uma casa abandonada entre os escombros e amontoados de concreto e madeira, Pedro Caio estava sentado em um canto úmido sobre um tijolo deitado agarrado nas próprias pernas. Num movimento frenético, balançava o corpo pra frente e para trás sozinho no breu da madrugada. A fome e o frio foram fustigados pelo momento de euforia. Suas roupas estavam rasgadas e sujas mantinha coberto o raquítico e esquelético corpo de Pedro Caio. Seu olhar estava vidrado e fixo em um ponto vazio e em suas mãos estava o isqueiro e uma lata amassada. Os calafrios, a tosse ininterrupta e algumas tragadas nas pedrinhas brancas faziam pequenos estalos de “crack-crack” quando queimavam. Era um hábito compulsivo e cotidiano que escravizava Pedro Caio. Vivia pedindo esmolas para financiar seu vicio e quando não conseguia cometia pequenos furtos. Em lapsos de memória, lembrava das três vezes que procurou tratamento com a ajuda da família. Quando achava que estava se recuperando, recaia e seus parentes ficaram descrentes e o “largaram de mão”. Pelo comportamento pernicioso as ruas foram o seu destino. Ao relento vivia para a próxima tragada no seu cachimbo de lata. Os conhecidos e amigos não acreditavam no estado que Pedro Caio chegou, maltrapilho e esgotado, sucumbindo ao uso doentio dessa epidemia social. Chegou ao ponto de roubar da própria mãe e todos seus bens materiais foram penhorados para os traficantes e o submundo do crime era o que restava no seu limitado universo. Perdido, zanzava entre as ruas da cidade revirando o lixo e pedindo trocados. Não tinha ninguém que poderia compreendê-lo, pois todas as pessoas o julgavam, uns com piedade e outros diziam que ele merecia estar onde estava, mas ninguém conhecia sua história de vida. Pedro Caio era filho único, nasceu numa família tradicional, seus pais não eram divorciados e moravam numa bairro de classe média. Na escola estava entre os alunos mais brilhantes e participava das atividades comunitárias e esportivas. Na juventude, como um “rebelde sem causa” foi se aventurar no mundo das substâncias ilícitas, gostava de cheirar benzina e beber bebidas alcoólicas com a sua galera. Tinha o hábito de fumar cigarros e “baseados”, mas não gostava do efeito relaxante. Sua vida deu uma guinada quando cheirou cocaína, ficou extremamente excitado e acabou se viciando. Caiu num precipício, perdeu sua moral e vitalidade. Começa sua luta contra as drogas com momentos de lucidez e recaídas até encontrar o “crack”. Foram acentuados seus dramas pessoais e sua família foi dilacerada. Dor e sofrimento semeados na vida de uma pessoa que tinha todas as condições para progredir e ser feliz. Armadilhas da consciência e companhias e influências de pessoas que diziam ser seus “amigos” o levaram para o fundo do poço. Só existe esperança se realmente Pedro Caio quiser, mas não tem boa vontade para isso. Resignado, espera à morte aliviar sua alma enquanto escuta o “crack-crack” estalando no cachimbo. Um futuro promissor vitimado pelas escolhas precipitadas a procura do prazer imediato, alimentando a ilusão efêmera e fugidia da dependência química. Sem respostas evidentes para o lamentável destino, apenas percebo que Pedro Caio tropeçou e caiu na “pedra”.

Publicado no Jornal Litoral Norte RS e Jornal A Folha/Torres.

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 08/09/2016
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