Corrida de Ratos

O tom alaranjado da aurora transformou-se num azul profundo sem nuvens na abóboda celeste. Um frio agudo se intensifica pelo vento ininterrupto que vinha da serra para o mar, o “minuano” assoviava, afiado e cortante como uma lâmina de aço. A madrugada foi assustadora para os moradores do litoral (principalmente para os que vivenciaram o Furacão Catarina em 2004), abismados acompanhavam os boletins meteorológicos que alertavam para a formação do mais intenso furacão do Atlântico Sul e estava assolando a costa leste da Argentina e do Uruguai com rajadas de aproximadamente 200 km/h. Mesmo com a dispersão do furacão para o oceano, as pessoas observavam o céu em todas as direções e pairavam, incrédulas para o zênite, atentas ao menor sinal de mudança climática. Calafrios há qualquer alteração nas massas de ar ou nas precipitações pluviométricas. Vento e chuva não é uma combinação agradável para os povos litorâneos. Para algumas culturas os fortes ventos assolam e castigam, mas também purificam e renovam as energias por onde passam. Após o vendaval da anunciação o aroma do café hipnotiza e seduz, ao mesmo tempo que dá uma sensação de alívio diante das perturbações mundanas. Além do trauma ocasionado pelas tempestades a população torrense é atormentada pelas consequências das cenas apocalíticas e devastadoras de “tornados poderosos”. Eles passam como uma avalanche e tem data marcada para fazer a destruição num vendaval de promessas em campanhas acirradas. As eleições são uma divertida e caótica caixinha de surpresas. Discursos vazios, coligações duvidosas, plataformas de governo maniqueístas e alienação em massa. A corrida dos ratos inicia sua epopeia na insaciável sede pelo poder. De aperto de mão em mão e sorrisos invadem as periferias e pulverizam a imagem de bom samaritano e “salvador dos necessitados” prontas para serem cristalizadas em vídeos de campanha. O eleitorado vende seu voto e procuram anedotas para menosprezar os candidatos adversários como se fosse um jogo de futebol. As propostas atingem superficialmente as “aparências” das problemáticas e desafios emergentes, ao passo que o “radicalismo” (radical = aquele que procura a raiz) das questões urgentes, “a essência”, não entra na pauta. A corrompida estrutura política e eleitoral brasileira não é combatida e sequer é mencionada pelos bastiões da justiça. O que podemos esperar dos “privilegiados” políticos se a cartilha rezada e travestida de interesse público somente beneficia os interesses privados. Pouco se critica a ótica neoliberal e as estruturas fundamentais da sociedade do ‘bem estar social’ do acúmulo e desperdícios de riquezas. Abandona o exercício de abstração intelectual e forma-se um destacamento de marionetes alienadas, sucumbindo e reproduzindo as adversidades nas esferas sutis e simbólicas aos atos mais escancarados e brutos. A democracia representativa revela suas falhas circunstanciais e perenes perpetuando a voraz corrida dos ratos :

Rat Race – Corrida de Ratos (Bob Marley)

[...] Human-race in a rat race, rat race

You got the horse race

You got the dog race

You got the human-race

But this is a rat race, rat race[…]

[...] Corrida Humana em uma corrida de ratos, corrida de ratos

Você tem a corrida dos cavalos

Você tem a corrida dos cães

Você tem a corrida dos homens

Mas esta é uma corrida de ratos, corrida de ratos [...]

Publicado em Jornal A Folha e Jornal Litoral Norte RS.

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 15/09/2016
Código do texto: T5762259
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.