O Maneca quer Paz

Nas longínquas comunidades encravadas na Roça da Estância situada à sombra da Serra Geral estão enraizadas as origens familiares do Seu Manoel. Quando pequeno seguiu o destino da família e mudou-se para a cidade de Torres em busca de melhores condições de vida e oportunidades de empregos na temporada de verão, pois o trabalho na roça estava penoso e o engenho já não produzia tanto como antigamente. Seus pais trocaram o oficio com a terra pelo trabalho de garçom nos restaurantes e camareira nos hotéis da glamorosa cidade turística. Manoel cresceu no bairro a beira do rio Mampituba conhecido como Salinas e entre a gurizada recebeu a alcunha de Maneca, apelido que levou por toda vida. Testemunhou o movimento do veraneio e o pacato ritmo do inverno, enquanto oscilava entre os trabalhos temporários do verão e as empreitadas na construção civil nos meses mais frios. Assim sua vida foi pautada, transformando-se como as estações do ano. Entre os meses mais quentes a invasão de pessoas, carros e barulho tomava conta de tudo. Seu ar introspectivo cultivado na zona rural repelia a falta de educação dos forasteiros ao mesmo tempo que agradecia os recursos advindos do aluguel de casas para os turistas. O incômodo que compensava pelos rendimentos que complementavam seu orçamento familiar e pagava o IPTU. A avalanche de visitantes deixam pegadas avassaladoras no território torrense com seus modos de apreciar suas férias: montanhas de lixos de todo tipo, músicas em alto volume como trios elétricos e aglomero nas vias públicas pelo enxame de veículos automotivos, milhares de carros e motos se embolando com pedestres, cachorros, carroceiros e ciclistas aos berros disparando despautérios e xingamentos. Não reconhece sua cidade e seus contornos impulsionado pela verticalização desenfreada e a destruição de suas referências históricas, um patrimônio histórico relegado ao esquecimento e a omissão onde a sua destruição torna-se um derradeiro caminho na composição da efêmera cidade de um povo sem memória. A dualidade de interesses e os conflitos sociais engendrados pelo turismo de massas é evidente aos olhos de Maneca, uma guerra simbólica entre nativos e estrangeiros do Balneário Picoral à Sociedade dos Amigos da Praia de Torres. Na sua opinião, os filhos da terra não gostam do verão, apenas aturam essa época porque as cabeças que chegam garantem o dinheiro no bolso. Aprendeu a gostar de bons banhos de mar, mergulhando sob as ondas e pegando “jacarés” até a beirinha e lamenta o descaso com as praias e a poluição do oceano, rios e lagoas. As pessoas se empurram em busca de um lugar ao sol e o verdadeiro descanso começa em março depois do carnaval. Em suas caminhadas gosta de passar pela Prainha, Praia da Cal e vai dá um pulinho no Parque da Guarita, seu cantinho predileto por ser um mirante natural para os tesouros naturais que se revelam no exuberante Parque Estadual da Itapeva, reserva da biosfera da Mata Atlântica e Patrimônio da Humanidade. Maneca recorda a construção do Parque da Guarita iniciativa do ecologista José Lutzenberger na década de 1970 e vangloria a implantação do projeto paisagístico que impediu a destruição dos monumentos geológicos quando não permitiu o trânsito de veículos até as areias e apoia incondicionalmente o fechamento da Praia de Fora e o regramento do acesso de carros para preservar um paraíso ameaçado. Que o histórico do Parque da Guarita sirva de exemplo para as decisões no Parque da Itapeva, pois aquilo que foi proibido numa época e desagradou muita gente decidiu o destino e a preservação daquele local onde as pessoas agradecem de coração por tal iniciativa. No futuro agradecerão pelo fechamento da faixa de praia e medidas sustentáveis possibilitarão a inserção e conduta consciente das pessoas no entorno de uma unidade de conservação com rica e diversificada fauna e flora. Como um amante da natureza, Maneca perde sua paciência com os turistas mal educados que acham que os moradores só estão aqui para servi-los e ultrapassam os limites da boa convivência quando extrapolam as normas do respeito e do bom senso. A cada verão, reacende em seu coração o desejo de retornar para o interior para ficar próximo de seus parentes e longe das atribulações, buscando uma vida tranquila onde possa semear a Paz!

Publicado no Jornal A Folha/ Torres e Jornal Litoral Norte RS.

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 29/12/2016
Reeditado em 29/12/2016
Código do texto: T5866830
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