Da fé à angustia e da angústia à completude.

Desde que terminei de ler Temor e Tremor de Kierkegaard o problema da fé passou a ser relevante em meus pensamentos. Nesse livro Soren Kierkegaard analisa a questão da fé destrinchando a passagem bíblica em que Abraão é ordenado a levar seu filho Isaac a um monte e lá matá-lo. Ninguém menos do que Deus lhe pede isso, é a maior prova de fé que Abraão demonstraria em toda sua vida.

Não vou entrar em detalhes sobre o livro, já que isso me levaria a tomar um outro rumo do pensamento, mas, a quem o interesse despontar, Temor e Tremor segue como indicação de ótima leitura do plano filosófico. Então que eu pulo de uma obra do pensamento ocidental de grande valor para um filme pipoca atual.

Terminei de ver A Volta do Todo Poderoso. Não podemos dizer que seja uma obra de arte, nem a décima quinta maravilha do mundo (mais sete se somaram às antigas). Mas, como percebo cada vez mais, “um graveto pode dizer muito mais a quem esteja atento do que toda a biblioteca mundial para um desinteressado”. E assim com olhos mais atentos esse filme deu-me o ponta pé inicial para escrever esse texto.

O filme conta a história de Evan Baxter, um político que acaba de se eleger para o congresso. Tudo vai muito bem até que Deus em pessoa (a volta de Morgan Freeman no seu papel do Onisciente) pede para que Evan construa uma arca. Sim um arca no estilo da de Noé. Logicamente, estamos falando de um filme pipoca, tudo o que você sabe que é de praxe acontece. O que me inspirou para esse texto foi justamente o livro que citei mais acima, ele já estava para ser escrito há algum tempo. O filme foi só o catalisador.

Porque digo que foi o catalisador? Pois levanta justamente a questão, não em primeiro plano, que é a questão debatida no livro. A fé como algo particular e indivisível e de profunda angústia. Para exemplificar vou dar o exemplo. Abraão recebe um comunicado divino de que deve levar seu filho, a coisa que mais ama no mundo e somado a isso a velhice de sua esposa que lhe incapacitava de ter mais um filho, à uma colina e matá-lo. Digamos que é um comunicado deveras angustiante. Já que ele não pode contar a ninguém de seu intuito, certamente iriam o chamar de louco, e certamente é essa a grande questão, “eu sou louco”? Pois ninguém poderia dizer que isso não seria uma ilusão dele. Sua fé, entretanto, suplantou suas questões, daí o fato de que fé é algo para se crer e não duvidar. E internamente, em dúvidas eternas até o último minuto, se digladiou para cumprir sua missão. O livro vem demonstrando que fé é algo íntimo e muito angustiante. Se se tem certeza que algo existe, não se precisa de fé, já que o que existe é um fato. “Eu tenho certeza que Deus existe” dizem algumas pessoas religiosas. Aceito que elas realmente achem isso, mas de maneira alguma sua fé é essencial. Fé é acreditar sem fatos, é crer! E toda vez que se crê em algo, por mais crível que seja, temos sempre essa parcela de dúvida, que é o que qualifica a fé de fé.

Mas vamos dar um salto no assunto, esse texto não se propõe a falar de fé, mas sim do que é uma das características dela, que, essa sim, reflete em cada ser humano que existe. Vimos que o duelo de Abrão era com ele mesmo. Mas, convenhamos, ele só pode duelar internamente porque existe todo o exterior se contrapondo ao que ele acredita. E, nesse fato, vejo o cerne da questão que nos liberta da problemática da fé e nos tráz ao plano da vida cotidiana.

Sei que a grande maioria das pessoas não pára para pensar sobre essas questões e ver um filme como A Volta do Todo Poderoso nunca suscitaria uma indagação sobre a problemática existencial humana, mas o conflito interno do personagem principal é o que dá relevância ao filme.

Como podemos viver e sentir temos essa sensação de que nossos pensamentos e o mundo são uma só coisa. Quando vemos o mundo, olhamos para ele e colocamos nossa capa sobre o que vemos. Olhamos para as coisas mais interessantes, prestamos atenção ao que é mais importante, pensamos sobre o que vemos e sentimos. O que se dá em um nível muito profundo de amálgama com o todo. Nosso pensamento parece se dar atrás de nossas cabeças. Podemos sentir pessoas andando mesmo que não façam barulho, vemos mais do que nossa consciência “percebe”, ouvimos muitas coisas que nos fazem “ver” outras. Enfim nossa experiência de vida é um amontoado de tudo o que processamos ao mesmo tempo. Vide o sabor da comida que é altamente enfraquecido se perdemos o nosso olfato. Ou o bater de dois pratos (instrumento musical) que pede toda sua estridência visual se perdemos nossa audição. O que diz muito sobre um filme de terror, se você consegue se assustar sem ouvir o som do filme, é porque o enredo te envolve, se a edição do som faz você se assustar é porque esse recurso vem compensar outro que falta.

Mas não só estamos falando do multi-processo de sensações. Como disse Proust em seu No Caminho de Swan, “...’ver uma pessoa que conhecemos’ é em parte uma ação intelectual. Preenchemos a aparência física do ser que vemos com todas as noções que temos a seu respeito, e, para o aspecto global que nos representamos, tais noções certamente entram com a maior parte. Acabam por arredondar tão perfeitamente as faces, por seguir com tão perfeita aderência a linha do nariz, vêm de tal forma matizar a sonoridade da voz como se esta fosse apenas um envoltório transparente, que, cada vez que vemos esse rosto e ouvimos essa voz, são essas as noções que reencontramos, que escutamos.”. Nosso processo dos sentidos está diretamente ligado a nossa capacidade de vontade. Nosso desejo, nossa vontade e nossa intrínseca noção de valor. Por isso que temos essa tendência clara de ver com bons olhos nosso(a) amante e com maus olhos nossos inimigos. Preenchemos com nossos valores as pessoas que gostamos e cobrimos das mais variadas injúrias aquelas pessoas que não simpatizamos. Quando alguém chega e pergunta “mas o que houve com aquela pessoa que eu amava, era tão boa, agora tudo que ela faz é nojento”. Justamente porque a pessoa não tem culpa alguma do que nós a preenchemos em nossos pensamentos sobre o que vemos.

Digo, ela não tem culpa, mas é o catalisador. Mesmo assim vemos pessoas, invejosas, que não vêem nada de bom em pessoas que praticam a bondade no dia a dia. “Mas ela só está fingindo, ela na verdade não é assim” diz-nos o egoísta. O que prova duas coisas. Primeiro que ele é egoísta, segundo que a pessoa que pratica a boa ação realmente está fingindo.

Não existe um poço de bondade universal em um lugar abstrato que nos apropriamos um pouco a cada vez antes de praticar uma boa ação. Quero dizer que não existe bondade antes do ato bom. Mas justamente porque existe o ato bom é que tomamos noção do que é bondade. Aí que a noção de valor absoluto cai. Se preenchemos as ações com nossa noção dos valores, se adoçamos a realidade crua com nossa interpretação dela, sim!, o ato de bom não vêm da bondade, mas a cria. Seria muito mais inquietante viver em um mundo onde realmente achamos a realidade crua, que não tem valores absolutos. Por isso achamos que os nossos valores são absolutos. E somos tão iludidos por nós mesmos que mudamos de valores ao longo da vida e ainda acharemos os novos como absolutos. Essa ilusão, contudo, é ótima. Algumas pessoas se conscientizam dela, a grande maioria não duvida nem um pouco de seus valores. Isso, entretando, é ruim. Nenhum valor é universal e vale para todos os casos. Cada valor é individualizado, é a nossa noção abstrata aplicada aos casos particulares, que esses sim abundam nas exceções.

Toda nossa idéia de tudo é particular e intransponível. Ela não sai nunca de nós. Podemos perceber muito bem isso com uma passagem uma vez refletida pelo meu irmão. Voltando do trabalho, no ônibus, ele passava, à noite, pela ponte Rio-Niterói quando olhou para a Baía de Guanabara logo abaixo e teve uma epifania. Via o raio de luz que partia de sua origem e refletia na água. Todos já vimos a luz refletida na água, forma um “corredor”, uma passarela de luz em sua superfície. Mas o pensamento dele foi mais além. Ele não só pensou que estava vendo o filete de luz refletido, como extendendo sua reflexão pensou “mas se eu vejo esse filete aqui, o cara que está sentado atrás de mim, vê o filete dele”. Ele compreendeu que a nossa realidade não é a que existe de fato, mas sim única e exclusivamente do nosso ponto de vista. Ainda há aqueles que fariam um pequeno truque para se iludirem dizendo que ver um filete de luz é uma coisa, viver o resto é outra. Pegue o caso do filete de luz e aplique a todas as coisas de sua vida. Nesse ponto você vai perceber que o seu mundo é só seu e isso por mais grandioso que seja no nível do pensamento é o mais difícil de carregar, é a aceitação do fato de que se vive sozinho.

Cada pessoa, além do multi-processo das sensações e do revestimento que aplica ao que vivencia também é um ponto único de uma perspectiva única do espaço-tempo.

O mais interessante é notar como que vemos as coisas como se elas tivessem todo o sentido para nós, tudo o que pensamos em cima da realidade é a “nossa” realidade, de fato. Mas não passa disso. Daí vem a angústia de ser e somente ser. Olhamos para a pessoa que está do nosso lado. Captamos o seu olhar, a forma dela se expressar corporeamente, seu humor é estampado em sua face, percebemos se ela está ou não nervosa quando tremilica sua mão, ou bate o pé rapidamente, e muitas outras características de mesmo nível. Mas achamos que a conhecemos. Espanta-me muito alguém que repentinamente toma uma atitude completamente fora do padrão que arranca frases de pessoas próximas, “mas eu a conhecia tão bem, nunca pensei que ela pudesse fazer isso, para você ver como as pessoas são incompreensíveis”. Quem acha que pode compreender uma outra, ou é um grande otimista ou um terrível enganado. Percebemos a outra pessoa através do que vemos e ouvimos. Mas nunca sabemos o que se passa em seu mundo. Como ele é, como que ela vê a realidade, quais os valores que revestem de fato todas as coisas. Enfim, não sabemos a missa metade sobre ninguém. E ainda podemos ir além, dizer que ações e palavras não, necessariamente, dizem o que se passa internamente com a pessoa. Vide os incontáveis casos de suicídio em que a pessoa que se mata não verbaliza nem demonstra fisicamente suas intenções até que um dia fatídico resolve completar seu plano. Ninguém poderia saber, e ninguém sabe de fato o que se passa internamente sobre alguém. Acho que essa angústia toda de ser assim e sentir assim é refletida hoje em dia no nosso tipo de sociedade, a sociedade da superfície. A superficialidade é exaltada em todos os níveis, pois quanto mais superficial a coisa for, mais fácil é de apreendê-la. Deixamos de ser pessoas tridimensionais para nos apoiarmos na ilusória confiança que a superficialidade nos traz.

Essa angústia primária é a única coisa que dá validade a todos os movimentos, que cada ser humano na face da Terra ao longo de toda história, que puderam ser interpretados como arte.

É através da arte, especialmente as plásticas, adicionando a literatura, que podemos ter esse contato com a realidade de outra pessoa. Toda a sua realidade interna conflui para a criação de um pedaço de realidade externalizada, que mostra exatamente como que ele é em seu interior. E ao contrário da diversão escapista e dos prazeres momentâneos, esse tipo de arte é cumulativo. Ele vai cimentando a amplitude humana. É o que vai ser dito muito bem por Kant em seu conceito de pensamento alargado. Que seria isso? Conhecer a realidade mais vasta possível. Conhecer diferentes pontos de vista trás a consciência de que nossa visão não é a certa, de que nossa cultura não passa de uma dentre muitas, de que nosso valor não é mais nada do que unicamente nosso valor.

“É Kant, na linha de Rousseau, quem lança pela primeira vez a idéia crucial de ‘pensamento alargado’ como sentido da vida humana. O pensamento alargado, para ele, é o contrário do espírito limitado, é o pensamento que consegue se libertar da situação particular de origem para se elevar até a compreensão do outro.

Para lhe dar um exemplo simples, quando você aprende uma língua estrangeira, é preciso que ao mesmo tempo você se afaste de si e de sua condição particular de partida, o francês por exemplo (o autor é francês), para entrar em uma esfera mais larga, mais universal, onde vive uma outra cultura e, se não uma outra humanidade, ao menos uma outra comunidade humana diferente daquela que você pertence e da qual, de algum modo, você começa a se desprender, sem contudo, renegar.” (Aprender a viver – Luc Ferry), (o grifo entre parênteses é meu).

Mas nesse caminho, quando se constrói uma realidade em cima do pensamento alargado, a realidade fica mais tortuosa e ao mesmo tempo mais prazerosa. Percebe-se que cada pessoa tem seu sentido para o universo em que vive. E se cada pessoa tem o sentido próprio do próprio universo, significa que o Universo em si não tem sentido algum, pois se tivesse todos nós teríamos dificuldades em construir um sentido próprio.

Não sei se meu pensamento nessa hora ficou um pouco complexo ou confuso. Mas analogicamente é como o animal homem. Todo e qualquer animal tem sua essência e a segue geneticamente do nascimento até a morte. Um leão nunca vai construir uma casa de joão-de-barro e uma girafa nunca vai meter o bedelho em um formigueiro como um tamanduá. Mas nós, seres humanos, para sermos o que nos tornamos precisamos antes de uma ante-essência. Nós somos seres sem essência definida, e por isso mesmo, somos seres humanos. Podemos através da práxis diária nos adaptarmos aos mais diferentes modos de vida e praticar as mais amplas tarefas. Então o Universo é tão sem sentido quando o homem é a-essêncial. Cada ser humano constrói sua essência ao longo da vida, assim como erige seu sentido para o Universo.

Quanto mais um ser humano é fechado e acredita plenamente que seus valores são os mais importantes e significativos, tanto mais vejo como um ser limitado. O pensamento alargado está no plano mental como a direção que o ser humano pode tomar para o maior entendimento de todos os outros seres que existem. Tomar contato com as realidades alheias, sem dizer que as compreende, sem dizer que as entende. Mas sim compartilhando seu modo de ver e viver com outras pessoas para que elas sejam capazes de viver também do nosso jeito, nem que seja interiorizando conceitos não conhecidos ou experimentando emoções nunca antes sentidas.

O pensamento alargado não serve para, como seres humanos, sermos melhores, afinal somos humanos e invariavelmente cometemos erros. Mas existe muito mais para apreciar mais as possíveis realidades e conseguir com maior facilidade conviver com outras pessoas. Não se trata de errar menos, mas compreender mais que a realidade é múltipla em suas direções. É aceitar mais o erro dos outros, é ser mais capaz do amor.

Por isso que quando digo que cada pessoa vive sozinha, vive em si mesma, é quando o drama toma começo. O drama só tem sentido, como movimento da alma humana, seja ela retratada seja lá em que meio de expressão, se temos consciência dessa incompreensibilidade humana própria do individuo. Toda alegria e, muito mais, todo sofrimento é único. Por isso que atacam tanto essa pasteurização das artes gráficas. Pois, conscientemente, se se concorda com esse pensamento alargado qualquer tentativa de estereotipar, de aplainar, de superficializar o ser humano e suas atitudes é algo extremamente vulgar no plano de vista mental. Toda vez que um mocinho é mocinho e um bandido é bandido é negar a essencial realidade de que todo ser humano não tem essência, mas a cria. E atualmente sabemos que é muito mais criada dentro dele que ele cria por si só. Por isso que valorizamos muito a educação em nossa sociedade. Por acharmos nossos valores bons e dignos, nos reunimos em famílias e criamos nossos filhos para que partilhem e dêem prosseguimento aos nossos valores. E justamente por isso temos atualmente uma das maiores crises da instituição família da história da humanidade. Que é o reflexo da complexa crise dos valores por que passamos.

Se todo valor é subjetivo, se toda a realidade é particular, o que impede de cada pessoa ter seu valor e viver de acordo com o que acredita? Aparentemente nenhum. Se isso não interferisse enormemente na vida das outras pessoas. E quando eu falo de vida, é a própria vida como valor. Hoje em dia o valor da vida é cada vez mais superficializado. Não digo que mata-se mais hoje que antigamente ou não se dê a mínima para os que morrem hoje. Mas sempre na historia mata-se por um motivo, e geralmente muito bom. Para construir um mundo melhor, para erradicar toda a raça maléfica da face da Terra, para construir a liberdade humana, enfim, os motivos eram grandiosos e podiam levar cada ser humano próprio a abdicar de ser o indivíduo para participar de um todo mais elevado. Já hoje em dia não vemos isso, não têm-se um projeto grandiloquente para a raça humana. Por isso o valor da vida perdeu o sentido. Hoje em dia mata-se tanto quanto antigamente, mas hoje o sentido e o valor disso é individual. E se um ser humano não passa a outro o valor pela vida, ele vai definhando. Não existe valor universal que possamos nos valer para justificar o fato de viver.

Como falei, não é porque a vida é valiosa que a valorizamos, mas porque cada um valoriza sua própria vida é que ela é valiosa. Mas isso para por aí, nessa angústia da individualidade, aliando-se ao fato de sermos animais humanos, temos tanto egoísmo dentro de nós quanto ódio. Somos educados a não valorizar isso como algo bom. Mas se a transmissão de valores cessa, cede-se a esses impulsos. Vivemos uma crise de valores, que se propaga a todos os ramos da sociedade.

Isso torna a nossa angústia muito pior. Um medo constante da falta de valor que temos, que percebemos.

Essa individualidade incompreensível pelo outro é o fator base de toda nossa luta para nos unirmos em família, sociedades, pares, para desejarmos o amor incondicional que seria aquele que nos dá a ilusão que somos compreendidos e entendidos. Tudo o que desejamos é que nossa realidade não seja mais só nossa. Que ela não se reduza, somente, ao amplo e diversificado âmbito de nossa imaginação, mas seja compartilhada. As ideologias, as comunidades, os grupos de apoio, e demais aglomerações de seres com algum propósito é justamente isso. Seres tentando compartilhar o incompartilhável. Já havia em outro texto meu colocado essa questão, mas se faz imperioso repeti-la.

O mundo não tem jeito definitivo, não se pode brigar para mudar o mundo, não se pode colocar-se dentro das pessoas, reorganizar suas realidades. Não se luta pela melhora do mundo, mas sim de que seus atos possam atingir outros e com isso fazê-los menos egoístas. Se cada pessoa, se cada única pessoa deixasse de tentar mudar o mundo e agisse de maneira a mudar-se a si mesma somente, o mundo estaria muito mais amigável que caótico. O mundo humano é o conjunto total de todos os seres humanos que existem e ninguém vai conseguir mudar o próximo sem antes mudar-se a si mesmo. E na maioria das vezes mudar-se a si mesmo basta. Vemos incontáveis pessoas que mudaram, se transformaram e serviram de exemplo para muitas outras, de tabela. A vontade que temos de mudar as pessoas é indizível, mas tão profunda quando inútil no plano da ação.

A angústia, então se entendido tudo o que se disse, é essencial para a engrenagem humana. É através dela que nos vemos como parceiros e surge a vontade de ajudar-se mutuamente. Afinal todos sofremos dessa individualidade não compartilhada. Todos temos o próprio universo dentro de nós, totalmente incompreensível para o outro, mas moderadamente aceitável. Evoluir como ser humano não é errar o menos possível, mas compreender com mais amplitude que vamos errar, sempre erramos, somos diferentes, completamente afastados e miraculosamente próximos. A angústia nos tráz a felicidade do amor e da partilha. Onde um relacionamento são duas solidões inclinadas uma para a outra, que delas somente o fato de uma estar ao lado da outra bastaria para que a completude seja sentida. Quem nunca se sentiu completo e feliz por passar um momento que fosse ao lado do melhor amigo? Mesmo que não se faça nada. Mesmo que não se precise dizer nada. Estar ao lado do outro é tudo o que basta para que não nos saibamos sozinhos. No fundo não interessa o que se passa no mundo interno de cada um, a não ser para nós mesmos em relação ao nosso interno, mas sim, interessa o fato da vontade, da ação, do carinho e do amor. É isso que garante que possamos ainda ter a vida que temos. Amar não é apreciar qualidades, mas suportar defeitos. O sublime está na arte. O sentimento de preenchimento está na arte, primeiramente, na compreensão que temos, nossas epifanias, nossa integração com o todo quanto por um breve momento somos capazes de compreender um outro universo, quando olhamos um quadro ou ouvimos uma música ou, ainda, terminamos um livro, e por um breve momento você tem a calma de saber que aquela outra realidade existe de fato e você consegue compreender minimamente aquilo e fica feliz com isso. O começo é na arte, depois se expande para o dia a dia. Quando você vê uma simples ação, quando você percebe um piscar de olho, quando um suspiro é compreendido como o agito que cria a ondulação no mar, que por baixo daquela crista espumante há todo uma profunda fossa abissal. E que tudo o precisamos não é sermos compreendidos, mas sentirmo-nos apoiados. É a mão no ombro que dá tranqüilidade. Se formos capazes de apenas conseguir pensar nisso, já considero de bom tamanho nosso esforço. Mas isso é apenas o meu universo, o meu mundo e meu pensamento.

leandroDiniz
Enviado por leandroDiniz em 05/08/2007
Reeditado em 28/01/2008
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