Depois da EQM

Morrer é muito bom, dizem aqueles que quase morreram. De fato, é raríssimo o relato de uma EQM que não pinte um incrível cenário de paz e bem-aventurança nos instantes que antecedem a morte definitiva. É uma sensação tão maravilhosa que as pessoas mal conseguem colocar em palavras o que viveram enquanto morriam.

Claro, estamos admitindo que esse cenário seja verdadeiro, que as EQM sejam algo mais do que simples travessuras de um cérebro moribundo. As pessoas que relatam EQM, naturalmente, não chegaram a morrer de fato, de maneira que não é possível saber o que acontece “depois” de todo esse impacto inicial.

O que pode haver depois de um sentimento de amor pleno e irrestrito, de uma noção de pertencimento ao todo e ao Universo, tal como elas costumam experimentar? Acaso essas sensações se estendem indefinidamente? Nesse caso poderíamos falar efetivamente em um paraíso. Haveremos de nos fundir com o misterioso “ser de luz” que emana irresistível amor? São possibilidades.

É interessante que, embora se aproveite dos relatos de EQM para alardear as próprias crenças, não é exatamente esse tipo de cenário que acreditam os espíritas – haveria, isso sim, uma contínua evolução do lado de lá, que incluiria novas e sucessivas encarnações, até um dia, quem sabe, chegar ao ponto de se fundir em Deus.

Admitindo que tanto as EQM como a crença espírita sejam verdadeiras, parece que, em algum momento, toda a sensação indescritível de paz experimentada antes da morte terminará. Afinal, se todos precisam trabalhar para a sua evolução, não podem passar o resto da eternidade em momentos de euforia. Mais cedo ou mais tarde o sujeito serenaria e começaria a refletir sobre si mesmo. Ele recordaria, imagina-se, de tudo aquilo que viveu, o que inclui todos as suas dores e sofrimentos.

Será possível que ele chegaria a se esquecer de todos os instantes de inefável harmonia que havia experimentado no momento da morte? Não seria ainda mais doloroso ter passado por essa experiência tão positiva e, depois, se ver obrigado a enfrentar novamente a dura realidade dos seus problemas terrenos?

O fato é que os espíritos superiores ouvidos por Kardec não parecem tê-lo avisado sobre a maravilhosa sensação que é morrer, pelo que se depreende dos relatos de EQM. E por que não avisaram, se esta mesma sensação é a responsável por trazer o convencimento e aniquilar totalmente o medo da morte daqueles que a experimentaram?

Não me parece, em verdade, que a crença espírita possa ter o monopólio da interpretação espiritual das EQM.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 25/10/2017
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