Uma objeção a Tolstoi

Ah, Tolstoi, como concordo com você, quando defende a não-resistência por meio da violência, e como vibro intimamente quando combate o alistamento, o exército, o próprio Estado! E, no entanto, não deixo de pensar que, à sua maneira, você também está resistindo por meio da violência.

Porque, sobretudo em “O reino de Deus está em vós”, o que você mais faz é rebater as críticas que lhe vieram a partir de “Minha religião”, tentando provar em que se equivocavam tanto religiosos como livre pensadores. E você o faz, pode-se dizer, com certa virulência, não que falte com o respeito ou que se exalte, mas é sem dúvida de forma bastante combativa que defende os seus pontos de vista.

Acaso não seria esta também uma forma de violência? Porque, eventualmente, você usa também da ironia e do sarcasmo, e com isso pretende, de certo, desqualificar os argumentos daqueles que lhe resistem. E ainda que a sua argumentação possa ser correta, não poderia ela, de alguma maneira, ferir aqueles a quem se dirige? E, ferindo aqueles a quem se dirige, não poderia a sua argumentação ter como efeito afastá-los definitivamente da verdade?

Eu sei que, de alguma maneira, é preciso que expressemos o que pensamos, até para poder passar adiante o conhecimento da humanidade, mas será que teremos algum efeito ao tentar convencer aqueles que, logo de início, já estão prevenidos contra nós? Por que precisamos reagir, com a violência da nossa lógica, se o mundo não estiver de acordo com nossos pontos de vista?

Sei o quanto você preza as palavras de Jesus no Sermão da Montanha, e eu lhe pergunto se “não resistir ao mal” e “dar a outra face” não podem, também, ser aplicados aos nossos conflitos no campo das ideias. Ou não podemos aceitar que o próximo acredite no que nos parece absurdo? Ah, bem pode ser que o nosso silêncio, em amor, convença mais.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 28/10/2017
Reeditado em 28/10/2017
Código do texto: T6155499
Classificação de conteúdo: seguro