Gays e exércitos

Um veterano da Guerra do Vietnã que era homossexual deixou escrito em sua lápide: “Quando fui militar, eles me deram uma medalha por matar dois homens, e uma dispensa por amar um”.

A frase, provocativa, é deliciosa em sua lógica. Não é curioso que haja uma campanha religiosa tão ostensiva contra os gays, mas não haja o menor clamor contra os exércitos? Será que um beijo entre dois homens precisa chocar mais os religiosos do que o contínuo preparo e aperfeiçoamento nas artes de matar? Haveria um motivo fundamental para os homossexuais receberem nossa recriminação e os soldados nossos aplausos?

Se a gente procurar direito, em Deuteronômio, na carta de Paulo aos Romanos, no episódio de Sodoma e Gomorra, iremos realmente encontrar alguns argumentos para defender que a homossexualidade não está de acordo com as leis de Deus. São poucos versículos, mas existem. No entanto, se alguém quiser procurar argumentos contra a violência irá encontrar na boca do próprio Jesus e no espírito que permeia todos os Evangelhos.

Nenhum cristão pode ser acusado de não conhecer esses versículos, mas isso não significa que eles se sintam especialmente chocados ou indignados quando o mundo escolhe caminhos violentos para resolver os seus problemas.

O próprio argumento da “defesa”, que pode ser usado para reivindicar a existência dos exércitos, não resiste às palavras de Jesus. Diz ele, afinal, para que amemos os nossos inimigos e, de forma ainda mais expressa, que não resistamos ao mal. Um exército que existe para “defender” ainda é um exército destinado a “resistir ao mal”. Sem falar que é muito curioso que todos os países tenham exércitos para se defender: quem então há de atacar?

Provavelmente muita gente irá se defender dessa contradição relativizando a fala de Jesus, dizendo que ele não se referia às relações entre países. Dirão muitas palavras que, em resumo, significam o seguinte: o cristianismo é impraticável fora da esfera individual.

E por isso estamos autorizados a resistir, a nos defendermos, a ajuntar grupos de homens e prepará-los para cometer todo tipo de barbaridade, que ao final ainda chamaremos de “atos heroicos”, pelos quais lhes daremos algumas medalhas.

Claro, eles não vão admitir que estão dizendo isso, mas é exatamente isso o que suas palavras dizem. E depois, em defesa da nossa fé nesse mesmo sujeito que defendeu a não-violência, a qual rejeitamos sem nenhum remorso, combateremos os gays e iremos lhe apontar em que pontos e de que maneiras eles desagradam ao Senhor?

Não, o ser humano é realmente muito engraçado. Ainda bem que a frase desse veterano gay permanecerá lá por muito tempo.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 03/11/2017
Código do texto: T6160778
Classificação de conteúdo: seguro