KANT’S CRITIQUE OF JUDGEMENT – A CRÍTICA DA FACULDADE DE JULGAR de KANT (tradução do Inglês de trechos selecionados)

PREFÁCIO DE J.H. BERNARD (tradutor inglês) (1892)

“<Acima de tudo,> dizia Schopenhauer, <meus caros jovens perseguidores da verdade, não deixem que nossos professores lhes digam o que está contido na Crítica da Razão Pura>”

“Possivelmente a razão de seu negligenciamento comparativo repousa em seu estilo repulsivo. Kant nunca cuidou do estilo, e em seus anos finais foi se vendo seduzido mais e mais por essas tecnicalidades e distinções refinadas que afastam tantos da Filosofia Crítica mesmo em suas seções primárias.”

“O pegajoso pecado da supra-tecnicalidade de Kant é especialmente conspícuo nesse tratado.”

“Argumentos são repetidos de novo e de novo até o cansaço; e quando a atenção do leitor já sucumbiu, e ele passa os olhos contrariado até o fim da página, algum ponto importante é introduzido sem ênfase alguma, como se o autor estivesse realmente ansioso para reter o significado apenas para si, não importa o quê. Um livro escrito assim raramente atrai a atenção de um círculo abrangente de leitores. Ainda assim, não só Goethe o enaltecia, como ele recebeu atenção em grande medida na França e na Alemanha logo na primeira edição. Publicado originalmente em Berlim em 1790, uma segunda edição foi lançada em 1793; e uma tradução francesa foi providenciada por Imhoff em 1796. Outras versões francesas são a de Keratry & Weyland em 1823 e a de Barni em 1846. (...) A existência dessas versões francesas, quando contrastada com a ausência até há bem pouco tempo de qualquer esforço sistemático para trazer a Crítica do Juízo para o Inglês, talvez seja explicada pelo vivo interesse presente no Continente em Filosofia da Arte, no começo do século XIX; paralelamente, o estudo científico da questão recebeu pouca atenção na Inglaterra durante o mesmo período.”

“Conhecimento [Knowledge], sentimento, desejo, são estes os três modos definitivos da consciência, dos quais o segundo não foi ainda descrito. E quando os comparamos com a divisão tríplice e ancestral da lógica aristotélica, notamos um paralelismo significativo. O Entendimento [Understanding] é a faculdade par excellence do conhecimento, e a Razão a faculdade do desejo (esse tema é desenvolvido nas duas primeiras Críticas kantianas).”

“É um curioso paralelo literário que Santo Agostinho insinue (Confissões iv. 15) que ele escrevera um livro, De Pulchro et Apto [Do Belo em Agostinho], no qual combinava essas categorias aparentemente distintas.” “Ele cita o Tratado sobre o Sublime e o Belo, de Burke, favoravelmente; livro acessível a ele em tradução alemã; mas toma o cuidado de assinalar que é como psicologia, e não filosofia, que o trabalho de Burke tem valor. Ele provavelmente leu, em acréscimo, a Investigação de Hutcheson, que também ganhou tradução para o alemão; este autor dominava as opiniões de Hume. De outros escritores no Belo, ele só nomeia Batteux e Lessing.”

“Ao que parece, não obstante, ele não chegou a conhecer o livro-texto na matéria, a Poética de Aristóteles, cujos princípios Lessing declarou tão exatos como os de Euclides.”

“A análise do Sublime que segue à do Belo é interessante e profunda; com efeito, Schopenhauer a via como a melhor parte da Crítica do Juízo Estético.”

“Viagens [Voyages dans les Alpes] de De Saussure, o poema Os Alpes [Die Alpen] de Haller e esse trabalho de Kant demarcam o começo de uma nova época na forma de entender o sublime e o terrível na natureza.”

“De fato, quando Kant fala em Pintura ou Música não é muito proveitoso”

“A Arte difere da Ciência pela ausência de conceitos definidos na cabeça do artista. O grande artista raramente pode comunicar seus métodos; não pode nem mesmo formulá-los para si mesmo. Poeta nascitur, non fit [os poetas nascem, não se fazem]; e o mesmo é verdadeiro para todas as formas de belas-artes. O gênio, em síntese, a faculdade de apresentar Idéias estéticas; uma Idéia estética sendo uma intuição da Imaginação, à qual não se adéqua qualquer conceito.”

“A distinção entre a <Técnica> da natureza ou a operação propositiva, e o Mecanismo da natureza é fundamental para a explicação da lei natural. A linguagem da biologia mostra eloqüentemente a impossibilidade de eliminar pelo menos a idéia de propósito de nossas investigações acerca dos fenômenos da vida, crescimento e reprodução.”

“Uma doutrina, como a de Epicuro, em que todo fenômeno natural é tratado como o resultado de um deslizar cego de átomos segundo leis puramente mecânicas, não explica mesmo nada”

“a forma mais razoável de explicar o comportamento dos outros homens ser tão similar ao nosso mesmo é supor que eles têm mentes como as nossas, que eles são dotados de uma faculdade ativa e espontaneamente energizante, que é o assento de sua personalidade. Porém, é instrutivo observar que nem por princípios kantianos nem por quaisquer outros podemos demonstrar essa explicação”

“Ora, é aparente que, como foi demarcado, até mesmo quando inferimos a existência de outra mente finita a partir de determinadas operações, estamos fazendo uma inferência sobre algo que é tão misterioso e incógnito (um x) quanto algo pode ser. A mente não é algo que esteja sob o império das leis e das condições do mundo dos sentidos; ela está <no mundo mas não é do mundo.> Logo, inferir a existência da mente de qualquer indivíduo exceto eu mesmo é um tipo de inferência bem diferente de, por exemplo, assumir a presença de eletromagnetismo num determinado campo.”

“Kant, entretanto, na Crítica do Juízo, está, tristemente, agrilhoado pelas correntes que ele mesmo forjara, e resvala freqüentemente nessas mesmas restrições auto-impostas. Ele expõe, várias vezes, pontos de vista mais elevados que os da Crítica da Razão Pura, da qual pode-se perfeitamente contemplar os fenômenos da vida e da mente, sem contradição.”

“<K. me parece,> diz Goethe, <ter costurado um certo elemento de ironia em seu método. Isso porque, enquanto em alguns momentos ele parecia inclinado a limitar nossas faculdades do entendimento aos limites mais estreitos, noutros ele apontava, como que num aceno disfarçado, para além dos limites que ele mesmo havia configurado.>”

LIVRO P.D.

“A Filosofia é corretamente dividida em 2 partes, bem distintas em seus princípios; a parte teorética ou Filosofia Natural, e a parte prática ou Filosofia Moral (pois este é o nome concedido à legislação prática da Razão em consonância com o conceito de liberdade).”

“a descoberta de que duas ou mais leis da natureza heterogêneas podem ser combinadas sob um princípio compreendendo a ambas, é terreno do mais marcado prazer, mesmo de uma admiração, que não cessa, muito embora nos familiarizemos com seus objetos. Não mais encontramos este prazer, é verdade, na compreensibilidade da natureza e na unidade de suas divisões em gêneros e espécies, mediante as quais são possíveis todos os conceitos empíricos, que [por sua vez] nos permitem conhecer as leis particulares [dos gêneros e espécies]. Mas este prazer decerto esteve aí há um tempo, e é somente porque a experiência mais comum seria impossível sem ele que ele passa a ser gradualmente confundido com a mera cognição e não chama mais a atenção para si.”

“Na outra mão, uma representação da natureza que nos dissesse de antemão que na menor investigação para além da experiência mais comum deparar-nos-íamos com uma heterogeneidade em suas leis, desagradaria de todo. [Essa heterogeneidade] faria a união de suas leis particulares sob leis empíricas universais coisa impossível para nosso Entendimento. Tal possibilidade contradiria o princípio da especificação subjetivo-propositiva da natureza em seus gêneros, e também [contradiria o princípio d]o nosso Juízo Reflexivo com respeito a semelhante princípio.”

“se nos dissessem que um conhecimento mais abrangente e profundo da natureza derivado da observação necessariamente conduz, por fim, a uma variedade de leis, que nenhum Entendimento humano poderia reduzir a um princípio, devíamos aquiescer de uma vez por todas.”

“dizem que a fome é o melhor tempero”

“o modelo mais elevado, o arquétipo do gosto, é uma mera Idéia, que cada um deve produzir dentro de si mesmo”

“O único ser que possui o propósito de sua existência em si mesmo é o homem, que pode determinar seus propósitos pela Razão”

“é só a humanidade em pessoa, como uma inteligência, que é suscetível do Ideal da perfeição.”

“Todo mundo já viu mil homens totalmente crescidos. Agora caso se deseje ajuizar do seu tamanho típico, estimando-o por meio de comparações, a Imaginação (como eu penso) permite que um grande número de imagens (talvez mesmo todas as mil) recaia numa só. Se me é permitido aqui aderir à analogia da apresentação ótica, é no espaço onde a maioria dessas imagens de homens é combinada e dentro dos contornos, onde o lugar é iluminado com as cores mais vívidas, que o tamanho médio é cognoscível.”

“(Podemos chegar à mesma coisa mecanicamente, ao somar todas as mil magnitudes, alturas, larguras, e grossuras, e dividir a soma por mil. Mas a Imaginação o faz via um efeito dinâmico, que advém das várias impressões de tais figuras no órgão do sentido interno.) Se, da mesma forma, procuramos para o homem médio a cabeça média, para essa cabeça o nariz médio, etc., essa imagem está na base da Idéia normal do país onde a comparação é instituída. Logo, necessariamente, sob estas condições empíricas, um negro deve ter uma Idéia normal da beleza da figura humana diferente da de um homem branco, um mandarim uma Idéia diferente de um europeu, etc. E o mesmo se aplica ao modelo de beleza de um cavalo ou cachorro (de tal raça).”

“É a imagem de toda a raça, que flutua entre as mais variadas e díspares intuições dos indivíduos, que a natureza toma como arquétipo em suas produções congêneres, [imagem] que nunca dá a impressão de ser consumada por inteiro em qualquer caso particular.”

“[Nota do tradutor inglês] Policleto de Argos tornou-se conhecido por volta de 430 a.C. Sua estátua do Spearbearer [Doríforo] foi consagrada posteriormente como o Cânon; a razão é que nela o artista teria encorpado a representação perfeita do ideal da figura humana.”

“A expressão visível das Idéias morais que governam os homens desde dentro só pode, de fato, ser retirada da experiência; mas para estabelecer sua conexão com tudo que nossa Razão congrega ao moralmente bom na Idéia da mais elevada propositividade, – bondade de coração, pureza, força, paz, etc., – visível como se estivesse corporalmente manifestado (como o efeito daquilo que é interior), requer-se uma união de Idéias da Razão puras com um grande poder imaginativo, também naquele que deseja ajuizá-la, mas principalmente naquele que deseja apresentá-la.”

“sensus communis”

“Cognições e juízos devem, juntos com a convicção que os acompanha, admitir a comunicabilidade universal; pois do contrário não haveria harmonia entre ambos e o Objeto, e eles seriam, coletivamente, mero jogo subjetivo dos poderes representativos, exatamente como o ceticismo interpretaria.”

“se no juízo do gosto a Imaginação deve ser considerada em sua liberdade, ela não é, primeiramente, entendida como reprodutora, enquanto objeto das leis de associação, mas como produtora e espontânea (enquanto autora de formas arbitrárias de intuições possíveis).”

“Toda regularidade rígida (como a que se aproxima ao máximo da regularidade matemática) tem algo de repugnante ao gosto; nosso entretenimento em sua contemplação quase não dura, aliás, pelo contrário, desde que ele não aspira explicitamente à cognição ou a um propósito prático definido, se converte em cansaço.”

“o cantar dos pássaros, que não subscrevemos a nenhuma regra, aparenta mais liberdade, e conseqüentemente mais gosto, que uma composição de um ser humano produzida de acordo com todas as regras da Música; nos cansamos muito rapidamente dessas últimas, no caso de repetição freqüente e extensiva. Aqui, entretanto, nós provavelmente confundimos nossa participação na alegria de uma criaturinha que amamos com a beleza de sua canção; porque se ela fosse repetida ipsis literis pelo homem (como se consegue fazer, efetivamente, com as notas do rouxinol) soaria um tanto despida de gosto para nossos ouvidos.”

“O Belo na natureza está conectado à forma do objeto, que consiste em ter limites. O Sublime, na contra-mão, é achado num objeto sem forma, contanto que nele ou em virtude dele a ilimitabilidade esteja representada, e ainda assim sua totalidade esteja presente ao pensamento.”

“percebemos então que exprimimo-nos incorretamente se chamamos sublime qualquer objeto da natureza, não obstante possamos, com acerto, designar belos muitos objetos da natureza.”

“o imenso oceano, agitado pela tempestade, não pode ser chamado de sublime.”

“Pelo princípio da propositividade o nosso conceito da natureza é estendido, e se o passa a ver não mais como mero mecanismo, mas como arte.”

“a natureza excita as Idéias do sublime em seu caos ou em suas desordem e desolação mais irregulares e selvagens, desde que tamanho e grandeza sejam percebidos.”

“o sublime é aquilo em comparação com o quê tudo o mais é pequeno.”

“Dado que existe em nossa Imaginação um anseio pelo progresso infinito, e em nossa Razão uma exigência pela totalidade absoluta, enxergada como uma Idéia real, essa inadequação para essa Idéia em nossa faculdade para estimar a magnitude das coisas dos sentidos excita em nós o sentimento de uma faculdade suprassensível.”

“Podemos chegar, via conceitos definidos, à grandeza de alguma coisa somente recorrendo a números, dos quais a unidade é a medida (em todos os eventos descritos por séries de números que progridem ao infinito); toda estimação lógica de magnitude que conhecemos é matemática.”

“Sobre a estimativa matemática da magnitude, não há, com efeito, um máximo (uma vez que o poder dos números se estende ao infinito); porém, para sua estimativa estética sempre há um máximo, e dele posso dizer que se ele é ajuizado como a medida absoluta diante da qual não é possível subjetivamente outra maior (para o objeto ajuizado), esse máximo traz consigo a Idéia do sublime e produz aquela emoção que nenhuma estimação de sua magnitude através de números pode produzir”

“[para apreciá-las corretamente] devemos nos guardar de chegar perto demais das Pirâmides assim como devemos nos guardar de nos afastar demais delas” “Não devemos exibir o sublime em produtos de arte (p.ex., prédios, pilares, etc.) em que o propósito humano determina a forma bem como o tamanho.”

“Um objeto é monstruoso se pelo seu tamanho ele destrói o propósito que constitui seu conceito. Mas a mera apresentação de um conceito grande demais para qualquer apresentação é chamada colossal (tangendo ao relativamente monstruoso)”

“na estimativa da magnitude pelo Entendimento (Aritmética) só chegamos a algum lugar caso levemos a compreensão das unidades no máximo até o número 10 (em se falando da escala decimal) ou até o 4 (em se falando da escala quaternária); a produção de magnitude que vai além procede por combinação ou, se o quantum é dado na intuição, por apreensão”

“a capacidade crua de pensar esse infinito sem contradição requer, na mente humana, uma faculdade suprassensível em si. É só através dessa faculdade e sua Idéia de um noumenon, – que não admite intuição, mas que ainda assim serve de substrato à intuição do mundo, como mero fenômeno, – que o infinito do mundo dos sentidos, na estimativa intelectual pura da magnitude, pode ser completamente compreendido sob um conceito, embora na estimativa matemática da magnitude mediante conceitos de números ele jamais possa ser completamente pensado.”

“O transcendente (rumo ao qual a Imaginação é impelida em sua apreensão da intuição) é para a Imaginação como que um abismo em que ela teme se perder; mas para a Idéia racional do suprassensível não se trata do transcendente, mas de um esforço da Imaginação conforme a lei; logo, há aqui tanta atração quanto havia de repulsa pela mera Sensibilidade.”

“A mensuração de um espaço (visto como apreensão) é ao mesmo tempo uma descrição dele, e portanto um movimento objetivo no ato da Imaginação e um progresso. Na outra mão, a compreensão do múltiplo na unidade, – não do pensamento mas da intuição, – e conseqüentemente do sucessivamente apreendido numa só olhada, é um regresso, que aniquila a condição do tempo nesse progresso da Imaginação e torna a coexistência intuível. Por conseguinte (já que a série temporal é uma condição da coerência interna de uma intuição), ela é um movimento subjetivo da Imaginação, mediante o qual faz-se uma violência à coerência interna; quão maior for o quantum do que a Imaginação compreende numa só intuição, mais noticiável ela deve ser. Assim, o esforço para receber, numa única intuição, medidas para magnitudes que requeiram um tempo apreciável de apreensão é um tipo de representação que, considerada subjetivamente, é contrária ao propósito [operação sintética]”

“a natureza pode ser encarada pelo Juízo estético como força, e conseqüentemente como dinamicamente sublime, somente enquanto for considerada um objeto de temor.”

“Aquele que teme não pode formar um juízo sobre o Sublime na natureza; igualmente, quem é seduzido pela inclinação e apetite não pode formar um juízo do Belo.”

“O que é, inclusive para o selvagem, objeto da maior admiração? Um homem que nada teme, não treme diante de nada, não recua perante o perigo, preferindo enfrentá-lo vigorosamente, com a máxima deliberação. Mesmo no estado civilizado mais alto essa veneração peculiar pelo soldado permanece, embora apenas sob a condição de que ele exiba todas as virtudes da paz, gentileza, compaixão, e mesmo uma saudável precaução consigo próprio; porque mesmo através desta reconhece-se a mente de alguém que não se curva aos perigos.”

“A própria guerra possui algo de sublime em si, e dá à disposição das pessoas que a conduzem um aspecto especialmente sublime”

“uma paz prolongada traz à tona um espírito de comércio predominante, e junto consigo o egoísmo vil, a covardia, a efeminação, além de minar a disposição das pessoas.”

“Geralmente, na religião, a prostração, a adoração de cabeça baixa, com voz e modos contritos e ansiosos, são os únicos comportamentos aceitáveis em presença da divindade”

“Assim, a religião se distingue essencialmente da superstição. A última empresta à mente não a reverência pelo Sublime, mas o temor e a apreensão do Ser todo-poderoso a quem o homem amedrontado sente-se sujeito, sem por isso O dotar de grande estima. Disso nada pode resultar além da busca por obsequiar e bajular”

“Quanto ao sentimento de prazer um objeto pode ser classificado como prazeroso, ou belo, ou sublime, ou bom (absolutamente), (jucundum, pulchrum, sublime, honestum).”

“solidões na penumbra profunda que dispõem a meditações melancólicas – tal, na segurança em que sabemos nos encontrar, não é medo de fato, mas só um ensaio de sentir medo com o auxílio da Imaginação”

“Se chamamos a vista do firmamento reluzente de sublime, não devemos situar na base de nosso juízo conceitos de mundos habitados por seres racionais, e olhar os pontos brilhantes, com os quais vemos preenchido o espaço acima de nós, como seus sóis que se movem em círculos propositivamente fixados com referência a eles; devemos, do contrário, olhar tal espaço apenas como o vemos, como um umbral distante que tudo envolve. Só sob essa representação podemos alcançar essa sublimidade que um juízo estético puro delimita a esse objeto.”

“Mas (o que parece estranho) a ausência de afecção (apatheia, phlegma in significatu bono) numa mente que segue vigorosamente seus princípios inalteráveis é sublime”

“Toda afecção do tipo ESTRÊNUO (p.ex. que excita a consciência de nossos poderes a superar todo obstáculo – animi strenui) é esteticamente sublime, e.g. ira, mesmo desespero (i.e. o desespero da indignação, não o da fraqueza de espírito).”

“essa falsa modéstia que fixa a única maneira de agradar ao Ser Supremo em auto-depreciações, em lastimosos queixumes hipócritas e em estados mentais meramente passivos – tudo isso em nada é compatível com qualquer quadro mental passível de ser contado como belo, muito menos como sublime.”

“Muitos homens acreditam-se edificados após um sermão, quando na verdade não há edificação alguma (nenhum sistema de boas máximas); ou aperfeiçoados por uma tragédia, quando na realidade estão apenas agradecidos com o fim de seu ennui.”

“Indignação na forma de fúria é uma afecção, porém sob a forma de ódio (vingança) é uma paixão. A última não pode jamais ser chamada de sublime; porque enquanto na afecção a liberdade da mente é prejudicada, na paixão ela é abolida. Para um desenvolvimento completo, ver Metaphysical Elements of Ethics [Metafísica dos Costumes], §XVI”

“Quiçá não há passagem mais sublime na Lei Judaica que o comando, Tu não deves forjar para ti imagens de ídolos, seja à semelhança de qualquer coisa que exista no céu ou sobre a terra ou debaixo da terra, etc. Esse comando sozinho pode explicar o entusiasmo que os judeus sentiam pela sua religião em seu período moral, quando se comparavam a outros povos; ou explicar o orgulho que o Maometismo inspira.”

“onde os sentidos não vêem mais nada diante de si, e a inegável e indelével Idéia de moralidade permanece, seria preferível moderar o ímpeto de uma Imaginação sem-limites, a fim de refrear seu entusiasmo, a, de medo da impotência dessas Idéias, caçar fomento para elas em imagens e rituais infantis.”

“o fanatismo, que é uma ilusão de que podemos nos condicionar a ver algo além de todos os limites da sensibilidade”

“o entusiasmo é comparável à loucura, o fanatismo é comparável à monomania”

“No entusiasmo, visto como uma afecção, a Imaginação não tem rédeas; no fanatismo, visto como uma paixão inveterada e arraigada, não tem regras.”

“a separação de toda a sociedade é olhada como sublime, se repousa em Idéias que ultrapassem todo o interesse sensível. Ser auto-suficiente, e conseqüentemente não necessitar da sociedade, sem ao mesmo tempo ser insociável, i.e. sem estar fugindo dela, é algo que tange o sublime; como é qualquer dispensa de necessidades. Porém, fugir dos homens por misantropia, porque pensamos mal deles, ou por antropofobia (timidez), porque tememo-los tais quais inimigos, é em parte odioso, em parte desprezível. Há com efeito uma misantropia (impropriamente assim chamada), para a qual a tendência aparece com a idade em muitos homens corretos; homens filantrópicos o bastante enquanto dotados de boa-fé, mas que através da longa e triste experiência perderam a satisfação para com os outros homens. Evidência disso é fornecida pela propensão à solidão, o desejo fantástico por uma habitação campestre remota, ou (no caso dos jovens) pelo sonho bucólico de passar a vida inteira com uma pequena família nalguma ilha desconhecida do resto do mundo; um sonho do qual muitos contadores de estórias ou escritores de Robinsonadas sabem se utilizar bem. A falsidade, a ingratidão, a injustiça, a criancice dos propósitos considerados por nós mesmos como importantes e grandiosos, na busca pelas quais os homens se infligem mutuamente todos os males imagináveis, são tão contraditórias à Idéia do que o homem seria se pudesse escolher, e conflituam de tal forma com nosso intenso desejo de ver a raça em melhor estado, que, a fim de que evitemos odiar a espécie (pois é o que resta ao não podermos de forma alguma amá-la), a renunciação de todos os prazeres sociais parece até um sacrifício pequeno a se fazer.”

“até a depressão (não a tristeza do desânimo) pode ser considerada uma afecção robusta, se está ancorada em Idéias morais. Mas se se escora na simpatia e, como tal, é amigável, ela pertence meramente às afecções lânguidas.”

“Epicuro defendia que toda gratificação ou pesar poderiam ser, em última instância, corporais, fossem advindos de representações da Imaginação ou do Entendimento; a vida sem a sensação de órgãos físicos seria meramente uma consciência da existência, sem qualquer sentimento de bem-estar ou seu contrário”

“Um cheiro que um homem aprecia dá dores de cabeça a um outro.”

“Um jovem poeta não se permite ser dissuadido em sua convicção de que seu poema é belo, de acordo com o julgamento do público ou de seus amigos; e se ele dá ouvido a eles, ele o faz não porque agora ele pense diferente, mas porque, embora (com referência a si mesmo) todo o público tenha falso gosto, em sua ânsia por aplauso ele vê razões para se acomodar ao erro comum (ainda que contra seu juízo). É só mais tarde, quando seu Juízo já foi afiado pela experiência, que ele voluntariamente abdica de seus primeiros ajuizamentos (...) O gosto no máximo exige autonomia. Fazer dos juízos alheios os parâmetros sólidos de seu próprio juízo seria heteronomia.

Que nós, e acertadamente, recomendemos as obras dos antigos como modelos e chamemos seus autores <clássicos>, constituindo assim dentre os escritores uma casta de privilegiados que fornecem as leis e constituem exemplos <vivos>, isso parece indicar fontes a posteriori do gosto, e contradizer a autonomia do gosto em toda matéria. Mas ainda estamos autorizados a dizer que os velhos matemáticos, – que são considerados até o dia de hoje como modelos satisfatórios impassíveis de ser descartados dadas a profundidade e a elegância supremas de seus métodos sintéticos, – provam que nossa Razão é somente imitativa, e que não temos a faculdade de produzir, a partir dela em combinação com a intuição, provas rígidas mediante a construção de conceitos”

“Não há portanto nenhum fundamento empírico que poderia forçar um juízo do gosto para quem quer que seja.”

“É fácil ver que juízos do gosto são sintéticos, porque eles vão além do conceito e mesmo além da intuição do Objeto, e acrescem a essa intuição como predicado algo que não é uma cognição, ex. um sentimento de prazer (ou dor).”

“como são possíveis os juízos sintéticos a priori?”

“É um juízo empírico dizer que percebo e ajuízo um objeto com prazer. Mas é um juízo a priori dizer que eu o considero belo”

“o maior preconceito de todos é representar a natureza como insujeitável às regras que o Entendimento situa em sua base por meio de sua própria lei essencial, i.e. é a superstição. A libertação da superstição é chamada iluminação”

“sem dúvida, no começo, só aquelas coisas que atraíam os sentidos, e.g. as cores para tingir a pele (roucou [urucum] entre os caribenhos e cinnabar [cinabre] entre os iroqueses), flores, conchas de mexilhão, lindas penas, etc., – porém, com o tempo, as mais belas formas também (e.g. nas suas canoas, nas roupas, etc.), que não trazem consigo nenhuma gratificação, ou satisfação de usufruto – eram importantes na sociedade, e eram combinadas com grande interesse. Até que, por fim, a civilização, tendo atingido seu ápice, praticamente faz disso o principal em termos de inclinações refinadas; e as sensações são entendidas como valorosas enquanto universalmente comunicáveis.”

“Se um homem que tem gosto o suficiente para ajuizar sobre os produtos das Belas-Artes com máximos refinamento e acurácia deixa de bom grado os aposentos onde estão sendo expostas belezas que excitam a vaidade ou qualquer frivolidade social, e se dirige, ao invés, para o belo na Natureza a fim de encontrar, como se deve, contentamento para seu espírito numa linha de raciocínio que ele jamais poderá levar a seu término, encararemos sua escolha com veneração, e atribuir-lhe-emos uma bela alma, o que aliás nenhum connoisseur ou diletante em Arte poderá reivindicar baseado em seu interesse por objetos artísticos.”

“Desta feita, se a beleza na Natureza interessa a um homem imediatamente, temos razões para atribuir-lhe, no mínimo, os pressupostos para uma boa disposição moral.”

“A canção dos pássaros transporta satisfação e contentamento com a existência.”

“na poesia deve haver exatidão e riqueza de linguagem, e ainda prosódia e métrica.”

“Não há Ciência do Belo, só uma Crítica; e não há algo como uma Ciência bela, só bela Arte.”

“[Nota do tradutor inglês – ref. p. 39 de Wallace’s Kant] Kant costumava dizer que a conversação na mesa de jantar deveria sempre atravessar esses 3 estágios – narrativa, discussão, e pilhéria; e, um tanto formal, como em tudo o mais, diz-se que ele sempre coordenava de maneira análoga e à risca os seus jantares.”

“...(...e, em grandes festins, a administração da música é algo magnífico. Refere-se que o objetivo deve ser dispor à alegria o espírito dos convivas, visto o som como mero <barulho agradável>, sem a menor atenção para a composição; e que favoreça a conversação de cada qual com seu vizinho.) A essa classe pertencem todos os divertimentos que não trazem consigo qualquer interesse além do de fazer o tempo passar imperceptivelmente.”

“O gênio é a disposição mental inata (ingenium) mediante a qual a Natureza dá a regra da Arte.” “(1) (...) originalidade deve ser sua primeira propriedade. (2) Mas desde que ela também pode produzir nonsense original, seus produtos devem ainda ser modelos, i.e. exemplares (...) (É provável que a palavra gênio seja derivada de genius, aquele peculiar anjo-da-guarda dado a um homem ao nascer, de cuja sugestão essas Idéias originais procedem.)”

“Já que o aprendizado não é mais do que imitação, significa que a maior habilidade e educabilidade (capacidade) enquanto educabilidade, não podem ser de nenhum proveito para o gênio. Ainda que um homem pense ou invente por si mesmo, e não tire apenas do que outros lhe ensinaram, mesmo que ele descubra muitas coisas em arte e em ciência, esse não é o terreno adequado para se chamar um tal (talvez grande) cérebro de gênio”

“Podemos aprender prontamente tudo o que Newton estabeleceu em seu trabalho imortal sobre os Princípios da Filosofia Natural, por maior que fosse a mentalidade necessária para descobrir tudo isso; o que não podemos aprender é a escrever poesia espirituosa, não importa quão manifestos se apresentem os preceitos da arte e quão excelsos e supremos sejam seus modelos.”

“Um Homero ou um Wieland [1733-1813] não podem mostrar como suas Idéias, tão ricas em imaginação e, sem detrimento nenhum disso, igualmente repletas de pensamento e lógica, aparecem concatenadas em seu pensamento, simplesmente porque eles mesmos não sabem e portanto não podem ensinar.”

“A arte pára num determinado ponto; um limite é estabelecido para ela além do qual não pode ir, que aliás presumivelmente foi atingido muito tempo atrás e não pode mais ser estendido. Nunca é demais lembrar que talento artístico não pode ser comunicado; é compartilhado a cada artista imediatamente pela mão da natureza; e então morre com ele, até a natureza beneficiar alguém da mesma maneira”

“As Idéias do artista excitam como as Idéias em seus pupilos se a natureza os tiver dotado com uma proporção correlata de poderes mentais. Daí que modelos de belas-artes sejam o único meio de transmitir essas Idéias à posteridade. Isso não pode ser feito via meras descrições, menos ainda no caso das artes da fala, e nesta última modelos clássicos só podem ser fornecidos em línguas antigas e mortas, preservadas hoje somente enquanto <linguagens cultivadas>.”

“mentalidades estreitas acreditam que não podem se mostrar melhor como gênios inteiramente desenvolvidos do que quando se libertam das restrições de todas as regras; acreditam, com efeito, que alguém poderia proporcionar um espetáculo mais grandioso nas costas de um cavalo selvagem do que nas costas de um animal treinado.”

“é bem ridículo a um homem falar e decidir como um gênio em coisas que requerem a mais cuidadosa investigação por parte da Razão. Não se sabe, aliás, de quem rir mais, se do impostor que espalha essa fumaça em torno de si a ponto de não podermos fazer dele um claro Juízo e conseqüentemente usar de nossa Imaginação mais adequadamente, ou do público que ingenuamente imagina que sua inabilidade para aperceber-se claramente e compreender a obra diante de si emana de novas verdades concorrendo de forma tão abundante que detalhes (definições propriamente calculadas e a examinação acurada de proposições fundamentais) não pareçam mais que insignificâncias.”

“se dizemos <essa é uma mulher bonita>, não pensamos nada além disso: a natureza representa em sua figura os propósitos visados na forma de uma silhueta feminina.”

“As Fúrias, doenças, as devastações da guerra, etc., podem, mesmo contempladas como calamidades, ser descritas como muito belas, e mesmo representadas numa imagem. Só há um tipo de feiúra que não pode ser representada de acordo com a natureza, sem destruir toda satisfação estética e em conseqüência a beleza artificial; i.e. aquela que excita o desgosto.”

“A arte da escultura, dado que em seus produtos a arte é praticamente intercambiável com a natureza, exclui de suas criações a representação imediata de objetos feios; e.g. ela representa a morte por um gênio bonito, o espírito bélico por Marte, e permite que todas essas coisas sejam representadas somente por uma alegoria ou atributo que contenha um efeito agradável”

“desejamos que apontamentos formais, um tratado moral, mesmo um sermão, tenham também essa forma da bela-arte, sem que a isso o autor tenha almejado: mas nem por isso chamamos essas coisas de obras das belas-artes. (…) e em alguns trabalhos pretendentes do título de arte achamos o gênio sem o gosto, enquanto em outros achamos o gosto sem o gênio.”

“Um poema pode ser muito ordenado e elegante, mas sem espírito. Uma história pode ser exata e bem-arranjada, sem espírito. (…) até de uma mulher dizemos que ela é bonita, que tem uma conversa agradável, é cortês, mas sem espírito. O que, então, queremos dizer com espírito?”

“por uma Idéia estética entendo aquela representação da Imaginação que ocasiona bastante pensamento, sem, entretanto, qualquer pensamento definido, i.e. qualquer conceito”

“Devemos chamar tais representações da Imaginação Idéias, em parte porque ao menos se esforçam atrás de algo que reside além das fronteiras da experiência, e procuram, portanto, se aproximar de uma apresentação de conceitos da Razão (Idéias intelectuais), dando assim à última uma aparência de realidade objetiva”

“ir além dos limites da experiência (…) é, propriamente falando, na arte do poeta, que a faculdade das Idéias estéticas possa manifestar-se em toda sua dimensão. Mas essa faculdade, considerada em si mesma, é propriamente apenas um talento (da Imaginação).”

“um movimento, ocasionado por uma representação, que ruma a mais pensamento do que pode ser captado pela representação ou traduzido.”

“A águia de Júpiter com o relâmpago nas garras é um atributo do poderoso rei dos céus, bem como o pavão o é da magnânima rainha. Eles não representam, como atributos lógicos, o que reside em nossos conceitos da sublimidade e majestade da criação, mas algo diferente, que dá ocasião para a Imaginação se espalhar sobre um número de representações afiliadas, que despertam mais pensamento do que pode ser exprimido num conceito determinado por palavras.”

“Eu sou tudo que é, e tudo que foi e tudo que será, e nenhum mortal descobriu meu véu.” famosa inscrição no Templo de Ísis (Mãe-Natureza)

“O que chamamos espírito: expressar o elemento inefável no estado mental implicado por uma determinada representação e fazer dele universalmente comunicável – não importa se a expressão seja falada ou pintada ou esculpida – isso requer uma faculdade de agarrar a Imaginação em seu rápido e transitório jogo e de unificá-la num conceito (que é por isso mesmo original e revela uma nova regra que não teria podido ser inferida por quaisquer princípios ou exemplos precedentes)”

“Uma certa audácia na expressão – e em geral um abandono e tanto das regras comuns – é-lhe bem-vinda, mas não deve ser imitada (…) [caso contrário] a carreira inimitável do seu espírito sofreria de uma precaução superansiosa. O Maneirismo é outro tipo de macaqueamento, viz. da mera peculiaridade (originalidade) em geral; pela qual um homem se separa tanto quanto possível de imitadores, sem no entanto possuir o talento para ser ao mesmo tempo exemplar”

“Abundância e originalidade de Idéias são menos necessárias à beleza que o acordo entre a Imaginação em sua liberdade e a conformidade à lei do Entendimento. Porque toda a abundância do mundo só produz, mergulhada na liberdade sem-lei, o puro nonsense.”

“O gosto, como o Juízo no geral, é a disciplina (ou treinamento) do Gênio; ele prende suas asas firmemente, e o torna cultivado e polido; mas, ao mesmo tempo, dá-lhe um norte sobre aonde e quão longe poderá chegar, se é que pretende permanecer propositivo. E ao passo que o gosto traz clareza e ordem à multitude dos seus pensamentos, faz também das Idéias mais suscetíveis de ser permanente e universalmente ratificadas, passíveis de ser seguidas por outros, e cabíveis em uma cultura que visa ao progresso constante.”

“Para as belas-artes, portanto, Imaginação, Entendimento, Espírito e Gosto são requisitos. [Nota (do próprio K.):] As três primeiras faculdades são reunidas em primeira instância pela quarta. Hume nos dá a entender, em sua História da Inglaterra, que embora os ingleses não sejam inferiores em suas produções a nenhum povo da Terra muito patentemente pelo que demonstram em imaginação, entendimento e espírito, enquanto considerados em separado, são, sim, inferiores aos vizinhos franceses no que se refere à união harmônica dessas propriedades. [Nota do tradutor inglês] Nas suas Observações sobre o Belo e o Sublime, §iv, Kant diz que os ingleses têm o mais agudo sentido do sublime, já os franceses do belo.”

“Existem, assim, apenas três tipos de belas-artes; as da fala, as artes formativas, e a arte do jogo das sensações (como impressões sensíveis externas).”

“(1) As artes da FALA são a retórica e a poesia. A Retórica é a arte de conduzir um assunto sério do Entendimento como se ele fosse mera brincadeira da Imaginação; a poesia, a arte de conduzir um livre jogo da Imaginação como se se tratara de um negócio sério do Entendimento.”

“o orador, em geral, dá menos, o poeta mais, do que promete.

(2) As artes FORMATIVAS, ou aquelas mediante as quais expressão é achada para as Idéias na intuição sensível (não por representações da mera Imaginação despertadas por palavras), são ou artes da verdade sensível ou da ilusão sensível. A primeira é chamada Plástica, a última Pintura. Ambas expressam Idéias por figuras no espaço; a primeira faz figuras cognoscíveis por dois sentidos, a vista e o toque (embora pelo último não tão amplamente quando refere o belo); a última só por um, o primeiro dos dois.”

“À Plástica, o primeiro tipo de bela-arte formativa, pertencem a Escultura e a Arquitetura.”

“[Nota] Que a jardinagem de paisagem possa ser considerada como uma espécie de arte da pintura, em que pese apresente suas formas corporalmente, soa estranho. Mas como essa arte toma suas formas da própria natureza (árvores, arbustos, gramíneas, e flores da floresta e do campo – pelo menos à primeira instância), ela não pode ser Plástica; além do mais, como ela não possui conceito do objeto e seu propósito (como na Arquitetura) condicionando seus arranjos, mas só envolve o livre jogo da Imaginação na contemplação, ela concorda com a pintura meramente estética já que esta última não possui temática definida (harmoniza o céu, a terra, e a água, entretendo-nos com auxílio da luz e da sombra somente). – Em geral o leitor deve encarar essa classificação como uma mera tentativa de combinar as belas-artes sob um mesmo princípio, viz. aquele da expressão das Idéias estéticas (de acordo com a analogia da fala), e não como uma análise definitiva.”

“evocamos casos (embora raros) de homens que com a melhor vista do mundo não conseguem distinguir as cores, e que com a audição mais afinada não conseguem distinguir tons”

“A retórica pode ser combinada com uma representação pictórica de seus sujeitos e objetos em uma peça de teatro; a poesia pode ser combinada com a música numa canção, e essa, mais uma vez, com uma representação pictórica (teatral) no que vem a ser uma ópera; o jogo de sensações na música pode ser combinado com o jogo de figuras na dança, e por aí vai. Mesmo a representação do sublime, enquanto pertença à bela-arte, pode combinar com a beleza numa tragédia em verso, num poema didático, num oratorio; e nessas combinações a bela-arte é ainda mais artística.”

“O elemento essencial não é o problema da sensação (charme ou emoção), que só tem a ver com o prazer; isso não deixa nada para a Idéia, e torna o espírito tosco, o objeto gradualmente repulsivo, e a mente, no que respeita a sua consciência de uma disposição que conflitua com o propósito no julgamento da Razão, descontente consigo mesma e perversa.”

“distrações, das que estamos mais necessitados conforme mais delas usufruímos a fim de dispersar o descontentamento da mente consigo; isso nos torna cada vez mais inúteis e cada vez mais descontentes. As belezas naturais são geralmente de grande auxílio desse ponto de vista, se nos habituamos desde cedo a observá-las e admirá-las.”

“De todas as artes a poesia (que deve sua origem quase inteiramente ao gênio e que será a menos guiada por preceitos ou exemplos) mantém o primeiro posto.”

“A poesia fortalece a mente ao fazê-la sentir a própria faculdade – livre, espontânea e independente de determinações naturais – de considerar e julgar a natureza como um fenômeno em acordo com aspectos que ela não representa por meio da experiência nem pelos Sentidos nem o Entendimento, e por conseguinte, [a poesia também faz a mente sentir, paradoxalmente, a faculdade, antitética à primeira,] de usar [a própria poesia] em proveito do, e numa espécie de esquema objetivando ao, suprassensível.”

“A retórica, desde que significa justamente a arte da persuasão, i.e. enganar por meio de uma bela apresentação (ars oratoria), e não mera elegância de palavras (eloqüência e estilo), é uma Dialética, que toma emprestado da poesia apenas o suficiente para conquistar as mentes para o lado do orador antes de que formem por si sós um julgamento, e [apenas o suficiente] para privá-los de sua liberdade”

“Na poesia tudo procede com honestidade e candor.”

“[Nota] A arte retórica só alcançou seu ápice, tanto em Atenas como em Roma, quando o Estado galopava rumo à ruína e o verdadeiro sentimento patriótico já havia sumido. O homem que, de posse de clarividência e intuição das coisas, tem em seu poder uma riqueza cristalina da fala, e que, com uma frutífera Imaginação capaz de representar suas Idéias, une uma simpatia vivaz ao que é verdadeiramente bom, é o vir bonus discendi peritus, o orador sem arte mas muito marcante, como Cícero declama; apesar de que ele nem sempre se mantém fiel a esse ideal.”

“No charme e no movimento mental produzido pela Música, a Matemática certamente não desempenha o menor dos papéis”

“impressões transitórias (...) se elas são relembradas involuntariamente pela Imaginação, são mais cansativas que prazerosas. Ademais, a Música é acompanhada por certa necessidade de urbanidade, provinda do fato de que, muito devido ao caráter de seus instrumentos, ela estende suas influências para além do que é desejado (na vizinhança), e chega a ser intrusiva, violentando a liberdade de outros que não lhe são afeitos. As Artes que prazem aos olhos não são assim; neste caso, necessitaríamos apenas virar os olhos, se nossa intenção é evitar sermos impressionados. O caso da música é quase como o do prazer derivado de um cheiro que se espalha inconfundivelmente. O homem que tira seu cachecol perfumado de dentro do bolso atrai a atenção de todos ao seu redor, mesmo contra sua vontade, e ele os força todos, se é que se pretende respirar, a apreciar aquele aroma; este hábito, portanto, já caiu fora de moda. [Nota] Aqueles que preceituam o canto de canções espirituais em orações familiares não consideram que infligem um grande sofrimento ao público por meio dessas barulhentas (e, portanto, em geral farisaicas) devoções; assim eles forçam os vizinhos ou a cantar junto com eles ou a abandonar suas meditações. [Nota do tradutor inglês] Kant sofria pessoalmente desse tipo de problemas, o que deve explicar a acrimônia dessa nota. Durante um período, ele foi incomodado pelos exercícios devocionais dos prisioneiros do presídio adjacente a sua casa. Em uma carta ao burgomestre [espécie de prefeito] <ele sugeriu a vantagem de se fechar as janelas do local durante essas cantorias de hinos, e adicionou que os guardas da prisão provavelmente estariam inclinados a aceitar cânticos menos sonoros e perturbadores-da-vizinhança como evidência do espírito penitente de seus prisioneiros> (p. 42 da biografia de Kant por Wallace).”

“Em tudo que excita a ponto de provocar uma vívida risada convulsiva, deve haver algo de absurdo (no qual o Entendimento, em conseqüência, não pode achar satisfação). A gargalhada é uma afecção advinda da súbita transformação de uma expectativa forçada em nada.”

“Suponha que se narre a seguinte estória: Um indiano, à mesa dum inglês no Surat, quando viu uma garrafa de cerveja sendo aberta e toda a cerveja virando espuma e transbordando, testificou seu grande espanto com muitas exclamações. Quando o inglês lhe perguntou, <O que tem nisso pra espantá-lo tanto?> ele respondeu, <Não estou nada espantado que ela saia desse jeito, só fico me perguntando como vocês a colocaram aí dentro.>”

“O herdeiro de um parente rico queria organizar um funeral imponente, mas lamentou não ter podido executá-lo; <É que quanto mais dinheiro eu dava as minhas carpideiras [mulheres pagas para chorar em enterros de desconhecidos, prática usual na Europa], mais felizes elas pareciam!>[*]. Quando ouvimos essa estória rimos alto, e a razão é que uma expectativa é subitamente transformada em coisa alguma.

[*] [Nota do Tradutor Inglês] A piada foi tirada da peça de Steele, The Funeral of Grief à la mode, pois há coincidência, palavra por palavra. Esta peça foi publicada em 1702.”

“[Esse efeito de comicidade decorre de que] nós tratamos nosso próprio erro no caso de um objeto alhures indiferente para nós, ou, na verdade, [no caso de] uma Idéia cujo fio seguimos, como tratamos uma bola que rebatemos de lá para cá por um tempo, embora nossa única intenção séria [desde o início] fosse agarrá-la e segurá-la firme.”

“o chiste deve conter algo que seja capaz de enganar por um curto espaço de tempo. Então, quando a ilusão é dissipada, a mente se volta para refazer o percurso, e através de uma rápida alternação entre tensão e relaxação ela ricocheteia e é posta em estado de oscilação.”

“Em conexão com isso os pulmões expelem o ar em rápidos e sucessivos intervalos, movimento esse benéfico à saúde; o que por si só, e não o que o precede na mente, é a causa da satisfação num pensamento que no fundo não representa nada. – Voltaire disse que os céus nos enviaram duas coisas para contrabalançar as muitas misérias da vida, a esperança e o sono. Ele poderia ter adicionado a risada, se os meios de excitá-la no homem apenas não fossem tão facilmente acessíveis [quanto aos homens imoderados], e [se] a esperteza requerida ou a originalidade de humor não fossem tão raras”

“a ingenuidade, que é a irrupção da sinceridade originalmente natural à humanidade em oposição à arte da dissimulação, que se tornou uma segunda natureza. Rimos da simplicidade que não entende como mascarar; e ainda assim nos cativa a simplicidade da natureza que frustra essa arte.” “o velhaco em nós é descoberto”

“Uma arte que tivesse que ser ingênua seria uma contradição; mas a representação da ingenuidade num personagem fictício é bem possível, e é uma bela, conquanto rara, arte. Naïveté não pode ser confundida com a simplicidade da franqueza, pois aquela só não estraga artificialmente a natureza porque não entende a arte da interação social.”

“Quem está involuntariamente sujeito a essas mutações é chamado de homem de humores [ou temperamental] (launisch); mas quem pode assumi-las voluntária e propositalmente (numa representação pública, por meio de um vívido contraste que logo exorta ao riso) – este alguém e seu jeito de se expressar são chamados cômicos (launigt). Esses modos, no entanto, pertencem mais às artes do divertimento que à bela-arte.”

“O primeiro lugar-comum do gosto está contido na proposição, que toda pessoa desprovida de gosto propõe para se eximir da culpa: cada um tem o seu próprio gosto. Isso é tanto quanto dizer que o campo de determinação desse julgamento é meramente subjetivo (gratificação ou desagrado), e que o julgamento não tem direito ao necessário assentimento dos outros.”

“não há discussão em termos de gosto. Isso é o mesmo que dizer que o campo determinante de um julgamento do gosto pode de fato ser objetivo, mas que não pode ser reduzido a conceitos definidos, e que por conseguinte, sobre o juízo em si nada pode ser decidido mediante provas, em que pese muito poder ser corretamente contestado[, o que seria absurdo]. Porque contestar (discordar) e disputar (controvérsia) são sem dúvida o mesmo neste contexto, uma vez que por meio da mútua oposição de julgamentos o que ambos intentam é produzir um consenso” “Vemos claramente que entre esses dois lugares-comuns há uma proposição faltando, embora ela nunca tenha passado a provérbio, familiar a todo mundo, viz. pode haver uma discordância sobre o gosto (embora não possa haver uma controvérsia). (...) onde quer que discordar é permissível, deve haver uma esperança de mútua reconciliação.”

“Daí emerge com respeito ao princípio do gosto a seguinte Antinomia:

(1) Tese. O julgamento do gosto não está fundado em conceitos; doutra forma, admitiria a controvérsia (seria determinável por provas).

(2) Antítese. O julgamento do gosto está fundado em conceitos; pois, doutra maneira, sem embargo sua diversidade, não poderíamos discordar sobre ele (não poderíamos exigir para nosso julgamento o necessário assentimento dos outros).

A solução da antinomia do Gosto

(...)

O julgamento do gosto deve se referir a algum conceito; doutro modo não poderia fazer absolutamente nenhuma exigência no sentido de ser necessariamente válido para todo e cada um. Mas ele não é passível de ser provado por um conceito; porque um conceito deve ser ou determinável ou indeterminado e indeterminável em si mesmo. Os conceitos do Entendimento são da primeira espécie; são determináveis mediante predicados da intuição sensível que podem corresponder a eles. Mas o conceito racional transcendental do suprassensível, que descansa na base de toda intuição sensível, é do último tipo, e portanto não pode ser teoreticamente mais bem determinado.

(...)

Vemos então que a remoção da antinomia do Juízo estético toma uma forma similar à perseguida pela Crítica na solução das antinomias da Razão teorética pura. Destarte, e em compasso com a Crítica da Razão prática, as antinomias nos forçam contra nossa vontade a observar além do sensível e a procurar no suprassensível o ponto de união para todas as nossas faculdades a priori”

“O estado fluido é, ao que indicam as aparências, mais velho que o estado sólido, e tanto os corpos das plantas quanto os dos animais são compostos de matéria nutritiva fluida, uma vez que os sólidos se formam no estado de repouso.”

“somos nós que recebemos a natureza com benevolência, não a natureza que se nos é benevolente.”

“Se os conceitos são empíricos, as intuições são chamadas de exemplos. Se eles são conceitos puros do Entendimento, as intuições são chamadas schemata.”

“As palavras campo (suporte, base)[*], depender (ser suportado por algo)[*], fluir de (algo) (em vez de seguir ou derivar)[*], substância (como Locke a expressa, o suporte ou a base de acidentes)[*], e incontáveis outras, não são esquemáticas mas hipotiposes [descrições] simbólicas e expressões para conceitos, não via uma intuição direta, mas somente por analogia com ela, i.e. pela transferência da reflexão sobre um objeto da intuição para um conceito consideravelmente diferente ao qual uma intuição nunca pode corresponder diretamente.

[*] [Como as palavras aqui grifadas e entre parênteses são, respectivamente, derivadas de uma tradução direta do Alemão para o Inglês e de uma tradução indireta do Alemão para o Português, passando pelo Inglês, decidi expor os sinônimos teutônicos, a fim de evitar qualquer desvio semântico acentuado da matéria:

campo – Hintergrund, Basis, Grundlage, Fundament

depender – sich tragen, sich stützen, sich heben, auf verlassen, auf hofen, von abhängen

fluir de algo – fliessen, strömen, folgen, hinterher gehen, nachkommen, von etwas kommen, resultieren, abstammen

substância – Substanz, Wesen]”

“É um verdadeiro prazer ver o zelo com que os geômetras antigos investigavam as propriedades das linhas dessa classe, sem se permitir sair do tema devido a questionamentos de mentes estreitas, como para quê serviria esse conhecimento. Significa que eles descobriam as propriedades da parábola sem conhecer a lei da gravitação, que lhes teria sugerido sua aplicação à trajetória dos corpos pesados (porquanto a trajetória de um corpo pesado pode ser percebida como paralela à curva de uma parábola). De novo, eles determinavam as propriedades de uma elipse sem suspeitar do peso possuído pelos corpos celestes, e sem a compreensão da lei da força aplicada a distâncias diferentes do ponto de atração, que ajudam a descrever, juntos, a mesma curva sem restrições de movimentação. Enquanto que eles inconscientemente trabalhavam pela ciência do amanhã, compraziam-se com a propositividade no ser (essencial) das coisas que eles já eram capazes de apresentar completamente a priori em sua necessidade.” “Não à toa, Platão banira de sua escola os homens ignorantes em geometria, posto que ele pensava poder derivar da intuição pura, que radica no espírito humano, aquilo que Anaxágoras concebeu apenas através de objetos empíricos e suas combinações propositivas.”

“As múltiplas regras cuja unidade (derivada de um princípio) excita admiração, são todas sintéticas e não dependem do conceito do Objeto, e.g. de um círculo; mas requerem esse Objeto para serem dadas em intuição.”

“a unificação da forma da intuição sensível (espaço) – com a faculdade dos conceitos (o Entendimento) – é inexplicável para nós”

“o propósito da (existência da) natureza deve ser ele mesmo procurado além da natureza.”

“nós não vemos por que seja necessário que o homem exista”

“tudo no Mundo é de alguma forma bom para alguma coisa; nada é vão nele.”

“Durante o sono a Imaginação se mostra mais ativa quando o estômago está sobrecarregado, caso em que essa excitação é mais necessária.”

“Nos aventuramos a julgar as coisas como pertencendo a um sistema de propósitos, que nem por isso (seja em si mesmas ou em suas relações propositivas) necessitam que busquemos para elas qualquer princípio de sua possibilidade além do mecanismo das causas que atuam cegamente.”

“Mas por que é que a Teleologia não forma parte, usualmente, da ciência natural teorética, embora seja considerada como uma propedêutica ou transição para a Teologia? Isso se dá a fim de restringir o estudo da natureza, mecanicamente considerado, àquilo que possamos submeter à observação ou [a fim de que possamos] experimentar que somos capazes de produzi-la [a Teleologia] por nossa conta assim como a natureza o faz, ou pelo menos por leis similares.”

“O sistema de causalidade que é atribuído a Epicuro ou Demócrito é, tomado literalmente, tão claramente absurdo que nem deveria nos deter. Em oposição a ele se encontra o sistema de fatalidade, do qual Spinoza é considerado o autor, não obstante ser [um sistema] muito mais antigo de acordo com todas as aparências. (…) o Fatalismo da propositividade é ao mesmo tempo um Idealismo.

O Realismo da propositividade da natureza é ou físico ou hiperfísico. O primeiro baseia os propósitos na natureza, pela analogia de uma faculdade agindo com volição, sobre a vida da matéria (a própria ou a vida de um princípio inato nela, uma alma-mundo) e é chamado Hilozoísmo. O último (…) é o Teísmo.”

“A Teleologia encontra a consumação de suas investigações apenas na Teologia.”

“Se quiséssemos estabelecer dogmaticamente, em termos teleológicos, a proposição acima estaríamos confrontados com dificuldades das quais não poderíamos nos desembaraçar.”

“Se expressássemos essa proposição dogmaticamente como objetivamente válida, esta seria: <Há um Deus.> Mas para nós homens só é permissível a fórmula limitada: <Não podemos pensar e fazer compreensível a propositividade que forçosamente se situa no profundo de nossa cognição da possibilidade interna de várias coisas naturais senão representando-a – e o mundo em geral – como um produto de uma causa inteligente (, um Deus).>

Se essa proposição, baseada inevitavelmente em uma máxima necessária do nosso Juízo, é completamente satisfatória de todo ponto de vista humano tanto para o uso especulativo quanto para o uso prático da nossa Razão, então eu gostaria de saber o que perderíamos ao não poder prová-la como válida também para seres mais elevados, de um ponto de vista objetivo (o que infelizmente paira além de nossas faculdades). É de fato absolutamente certo que não somos capazes de cognoscer, quanto mais explicar, seres organizados e sua possibilidade interna, de acordo com meros princípios mecânicos da natureza; e nós podemos afirmar categoricamente que é igualmente certo que seria absurdo para os homens efetuar qualquer tentativa ou ter qualquer esperança de que um novo Newton despertará no futuro, que lograsse tornar compreensível dentre nós a produção de uma lâmina de grama segundo leis naturais que não seguem de uma volição.”

“Não podemos, sendo assim, julgar objetivamente, nem positiva nem negativamente, coisas concernindo a proposição: <Subsistiria como base do que poderíamos chamar, com razão, de ‘propósitos naturais’ um Ser capaz de agir segundo motivos, sendo Ele a causa do mundo (e conseqüentemente seu autor)?>”

“onde não chega o Entendimento, a Razão é transcendente, e se mostra em Idéias primordialmente estabelecidas”

“podemos sempre ter uma coisa em nossos pensamentos não obstante não seja (realmente) nada, ou podemos representar uma coisa como dada não obstante não tenhamos dela conceito.”

“O conceito de um Ser absolutamente necessário é sem dúvida uma Idéia indispensável da Razão, mas ainda assim ela é um conceito problemático inatingível pelo Entendimento humano.”

“O ato moralmente absolutamente necessário é tido como fisicamente absolutamente contingente, já que aquilo que deve necessariamente acontecer freqüentemente não acontece.”

“O particular, enquanto tal, contém algo contingente com respeito ao universal, enquanto a Razão, por outro lado, requer unidade e conformidade à lei na combinação de leis particulares da natureza. Essa conformidade do contingente à lei é denominada propositividade (…) O conceito de propositividade da natureza em seus produtos é necessário ao Juízo humano com relação à natureza, mas não tem a ver com a determinação de Objetos. É, portanto, um princípio subjetivo da Razão para o Juízo, que como regulador (não constitutivo) é tão necessariamente válido para nosso Juízo humano como o seria um princípio objetivo.”

“o conceito de uma causalidade da natureza como a de um ser agindo de acordo com propósitos parece tornar a Idéia de um propósito natural em um princípio constitutivo, cuja Idéia tem algo diferente de todas as outras Idéias.”

“a Idéia de um possível Entendimento diferente do humano deve ser fundamental aqui. (Assim como na Crítica da Razão Pura nós devemos ter em nossos pensamentos outra possível (espécie de) intuição, se for para a nossa ser tida como uma espécie particular para a qual objetos são válidos somente como fenômenos.) (…) Não negamos que um Entendimento, diferente do (i.e. mais elevado que o) humano, pode achar o campo da possibilidade de tais produtos da natureza no mecanismo da natureza, i.e. em uma combinação casual para a qual um Entendimento não é explicitamente assumido como causa.

Mas devemos agora nos ater à relação do nosso Entendimento para com o Juízo; viz. nós buscamos uma determinada contingência na constituição do nosso Entendimento, a qual podemos adscrever como uma peculiaridade distinguindo [o nosso Entendimento] de outros Entendimentos possíveis.”

“podemos pensar um Entendimento intuitivo (negativamente, meramente como não discursivo), que não procede do universal ao particular, e assim ao indivíduo (mediante conceitos).”

“De fato nosso Entendimento tem a propriedade de proceder do analítico-universal (conceitos) [em direção] ao particular (a intuição empírica dada). (…) Podemos entretanto conceber um Entendimento que, sendo, não como o nosso, [que é] discursivo, mas intuitivo, procede do sintético-universal ao particular”

“Segundo a constituição de nosso Entendimento um todo real da natureza é tido apenas como o efeito dos poderes propositivos concorrentes das partes. Suponha então que nós não desejemos representar a possibilidade do todo como dependente daquela das partes (seguindo a forma do nosso Entendimento discursivo), mas sim de acordo com o padrão do Entendimento intuitivo (original) com o fito de representar a possibilidade das partes (segundo suas constituição e combinação) como dependente daquela do todo.”

“Não é aqui requisito em absoluto provar que tal intellectus archetypus é possível, mas somente conceber sua Idéia, em contraste com nosso Entendimento discursivo que tem a necessidade de imagens (intellectus ectypus)”

“Nenhuma Razão humana, em absoluto (de fato nenhuma Razão finita como a nossa em qualidade, não importa o quanto ela possa ultrapassá-la em grau), pode ambicionar entender a produção de qualquer mísera lâmina de grama mediante causas meramente mecânicas.”

“o princípio comum às derivações mecânica e teleológica é o suprassensível, que devemos pôr na base da natureza, tida como fenômeno.”

“onde propósitos são pensados como campos da possibilidade de determinadas coisas, devemos assumir ainda meios, cuja lei de funcionamento não requer para si mesmos nada que pressuponha um propósito, – uma lei mecânica – [l]e[i] [que] pode ser ainda assim uma causa subordinada de efeitos intencionais.”

“Qual é o lugar próprio à Teleologia? Pertence à ciência natural (propriamente dita) ou à Teologia? Uma das duas deve ser; pois nenhuma ciência pertence à transição de uma à outra, uma vez que essa transição demarca apenas a articulação ou organização do sistema, e não um lugar nele.”

“A Teleologia, como ciência, não pertence a nenhuma Doutrina, apenas ao Criticismo”

“sua Metodologia tem influência ao menos negativa sobre o procedimento em Ciência Natural teorética, e também sobre a relação que esta pode ter em Metafísica com a Teologia como a sua propedêutica.”

“É portanto racional, até meritório, perseguir o mecanismo natural, atinente à explanação dos produtos naturais, tanto quanto se pode fazer com probabilidade; e se nós abdicamos desse esforço não é por ser impossível em si mesmo deparar-se nesse percurso com a propositividade da natureza, mas porque é impossível para nós enquanto homens.”

“Essa analogia das formas, que com todas as suas diferenças parecem ter sido produzidas segundo um tipo original em comum, reforça nossas suspeitas de um relacionamento vigente entre elas em sua produção via um parente coincidente, através da aproximação gradual de um genus animal com outro – daqueles em que o princípio dos propósitos parece estar mais bem-autenticado, i.e. do homem, até o pólipo, e mais uma vez desse até as algas e líquens, e finalmente até os estágios mais inferiores da natureza noticiáveis por nós, viz. até a matéria crua.”

“O arqueologista da natureza pode supor o seio da mãe-terra, quando ela se transmitiu de seu estado caótico (como um grande animal) para dar a luz no começo a criaturas de forma menos propositiva, que por sua vez deram a luz a outras que se formaram com maior adaptação a seus lugares de nascimento e em suas relações entre si; até que esse útero, se tornando torpe e ossificado, limitou seus partos a espécies definidas não mais modificáveis[*], e a pluralidade permaneceu como era ao fim da operação desse poder formativo frutífero. – Apenas que ele deve, ainda, no fim, prescrever a essa mãe universal uma organização propositiva com referência a todas essas criaturas; doutra forma, não seria possível pensar a possibilidade da forma propositiva dos produtos dos reinos animal e vegetal. [Nota] (…) de acordo com a experiência, toda geração que conhecemos é generatio homonyma. Isso não é meramente ser [generatio] univoca em contraste com a geração que advém de material desorganizado [aqui Kant ainda faz concessões aos <crentes> da teoria da geração espontânea da vida], mas na organização o produzido é análogo ao produtor; e generatio heteronyma, [pelo menos] tanto quanto nosso conhecimento empírico da natureza permite dizer, não existe.

[*] [Uma explicação assaz plausível para a ausência de novas variações de espécies observáveis no tempo da cultura, ou o “congelamento evolucionário aparente.]”

“Mesmo no que concerne à variação a que determinados indivíduos de gêneros organizados estão acidentalmente sujeitos, se nós concluímos que o caráter de tal forma modificado é hereditário e subsumido no poder gerador, não podemos ajuizar pertinentemente a variação como sendo mais do que um desenvolvimento ocasional de capacidades propositivas originalmente presentes na espécie com o desígnio da preservação da raça.”

“Que a matéria crua tem de ter originariamente se formado segundo leis mecânicas, que a vida tenha desabrochado da natureza do que é inanimado, que a matéria tenha podido se dispor sob a forma de uma propositividade auto-sustentável – isso Herr Hofr. Blumenbach[*] declara, com acerto, ser contraditório à Razão.

[*] [Johann Friedrich B., naturalista alemão (1752-1840). Acreditava na existência de 5 raças antropológicas. Seu <On the natural variety of mankind> influenciou os craniologistas posteriores. Um dos primeiros a proliferar na diferenciação entre chimpanzés e orangotangos (até então, cientistas não sabiam diferenciar corretamente os primatas – gorilas foram descobertos apenas mais tarde pelos europeus). Outros trabalhos de renome: Handbook of comparative anatomy; Handbook of natural history; On the Formative Drive and the Operation of Generation.]”

“O conceito de felicidade não é um que o homem derive por abstração de seus instintos e que deduza assim de sua natureza animal; é uma mera Idéia de um estado, que ele almeja tornar adequado à Idéia sob condições meramente empíricas (o que é impossível).”

“Não é a sua natureza repousar e se contentar com a possessão e o usufruto de qualquer coisa que seja. Por outro lado, também, algo falta aí. A natureza não o [homem] selecionou como seu favorito e o cumulou de bens acima de todos os animais. Nas suas operações destrutivas, aliás, – pragas, fome, enchentes, nevascas, ataques de outros animais pequenos ou grandes, etc., – nisso tudo, ela o perdoou tão pouco como a qualquer outro animal. Pior ainda, a inconsistência de suas próprias disposições naturais o dirige a tormentos auto-infligidos, e ainda reduz seus congêneres à miséria, pela opressão do senhor, o barbarismo da guerra, e assim por diante; ele, em si, tanto quanto só dele depende, trabalha pela destruição de sua própria raça; a ponto de que, mesmo com a natureza externa mais beneficente, seus propósitos, se fossem dirigidos à felicidade de nossa espécie, não seriam atingidos num sistema terreno, porque nossa natureza não é suscetível disso.”

“A produção da aptidão de um ser racional para propósitos arbitrários em geral (conseqüentemente em sua liberdade) é cultura. Sendo assim, somente a cultura pode ser o propósito definitivo que temos o direito de subscrever à natureza com respeito à raça humana”

“um todo cosmopolitano, i.e. um sistema de todos os Estados que estão em perigo de agir injuriosamente uns para com os outros. Falhando esse propósito, e com os obstáculos que a ambição, a luxúria da dominação, a avarícia, especialmente naqueles que possuem a autoridade em suas mãos, opõem à possibilidade mesma de um esquema parelho, decorre inevitavelmente a guerra (pela qual às vezes Estados se subdividem e se apequenam e multiplicam, às vezes um Estado anexa menores e luta para formar um todo maior). Embora a guerra seja uma empresa indesejada pelos homens (instigados por suas paixões indomadas), ela vem a ser (talvez) uma empresa profundamente oculta porém desejada, de suprema sabedoria, tendo em vista que prepara, se é que não estabelece, a conformidade às leis” Dizem que toda essa (conhecida) visão de Direito Internacional de Kant é vista mais detidamente no ensaio Zum ewigen Frieden [À Paz Perpétua] (1795).”

“[Nota do tradutor inglês] Cf. Teoria Filosófica da Religião [a tradução mais famosa para Português consta como <A Religião nos Limites da Simples Razão>], Parte i., Sobre o princípio mau na Natureza Humana, III., onde Kant observa que, em que pese a guerra <não ser tão incuravelmente má como a morte de uma monarquia universal … ainda assim, como um antigo observou, ela mais envilece do que mata.>)”

“Não podemos lutar contra a preponderância do mal, que nos contamina graças ao refinamento do gosto levado à idealização, e até graças à luxúria da ciência que alimenta vaidades, mediante o número insaciável de inclinações que pode despertar.”

“por que as coisas do mundo (seres organizados) possuem essa ou aquela forma? por que elas são colocadas pela natureza nessa ou naquela relação umas com as outras? Mas assim que um Entendimento que deve ser tido como a causa da possibilidade de tais formas como encontramos de fato nas coisas é pensado, deve ser questionado em termos objetivos: Quem poderia ter determinado esse Entendimento produtivo a uma operação dessa categoria? Esse ser é, pois, o propósito final em referência ao qual tais coisas lá estão.”

“No mundo, apenas uma categoria de seres tem causalidade teleológica, i.e. (…) o homem, mas o homem considerado como noumenon; o único ser natural em que podemos reconhecer, por parte de sua constituição peculiar, uma faculdade suprassensível (a liberdade) e também a lei da causalidade, juntas com seu Objeto, que essa faculdade se pode propor como o mais elevado propósito (o maior bem no mundo).

Porém, do homem como ser moral não mais se pode perguntar: por que (quem in finem) ele existe?”

“Porque os dados, e portanto os princípios, para determinar esse conceito de uma Causa Inteligente do Mundo (como mais elevado artista) são meramente empíricos, não nos é permitido inferir qualquer de suas propriedades além daquelas que a experiência revela em seus efeitos.”

“Se reduzirmos o conceito de uma Deidade ao de um ser inteligente pensado por nós, o qual pode ser um ou mais, o qual possui muitas e grandiosas propriedades, porém não todas as propriedades que são um requisito para a fundação de uma natureza em harmonia com o mais grandioso propósito possível; (…) onde tenhamos margem para assumir bastante perfeição (e o que é bastante para nós?); (…) então[, nessas condições de insuficiência da perfectibilidade para que se equiparasse a um Deus kantiano,] a Teleologia física pode exigir convincentemente a distinção de ser a base da Teologia.”

“propriamente falando, uma Idéia de um Ser Supremo que repousa sobre um uso consideravelmente diferente da Razão (o uso prático), repousa em nós fundamentalmente a priori”

“Não se pode culpar os antigos em demasia, se eles pensavam seus deuses diferindo de tal forma um do outro tanto em suas faculdades quanto em seus desígnios e volições, e ainda assim, pensavam todos eles, não excetuando nem o Supremo Um, como seres sempre limitados, segundo o modelo humano. Porque se eles consideravam o arranjo e o curso das coisas na natureza, eles certamente encontravam margem o suficiente para assumir algo mais do que o mecani[ci]smo como sua causa, e para conjeturar, por trás do maquinário dos desígnios deste mundo, propósitos de determinadas causas mais elevadas, que eles não imaginavam mais do que superhumanos. Mas porque eles se defrontaram, no caminho, com o bem e o mal, o propositivo e o absurdo, misturados (ao menos aonde alcança nosso insight), e não podiam permitir-se assumir aqueles propósitos sábios e benevolentes que por eles não foram provados[*], nem no mais recôndito, graças à Idéia arbitrária de um Autor original supremamente perfeito, seu juízo sobre a Causa Suprema do Mundo dificilmente poderia ser diferente do que foi, não enquanto eles prosseguissem consistentemente seguindo as máximas do uso da Razão meramente teorético.

[*] [Piadisticamente, poderia aqui dizer: se nem Cristo agradou todo mundo, se era impossível agradar gregos e troianos, quem seriam Homero, os pré-socráticos, ou mesmo os sofistas, Sócrates e o seu noumenon, Platão, Aristóteles, os estóicos e os epicuristas, para “nos provar” alguma coisa? Sendo, aliás, mais exigente, quem eram estes grandes homens para provar alguma coisa ao seu próprio povo?]”

“Qual é a utilidade, alguém pode muito bem resmungar, de colocar na base de todos esses arranjos um grande Entendimento incomensurável para nós, e supô-lo governando o mundo de acordo com uma volição, se a natureza não revela e não pode revelar-nos nada a respeito do propósito final?”

“como e com que direito eu ousaria estender a meu bel prazer meu muito limitado conceito desse Entendimento original (que eu posso fundar no meu limitado conhecimento do mundo) do Poder desse Ser original de consumar suas Idéias, [o conceito] de sua Vontade para fazê-lo, e integrá-lo [todo esse raciocínio em cadeia] na Idéia de um Ser Onisciente, Infinito? Se é que isso deve ser feito teoreticamente, isso supõe a onisciência em mim, de modo que eu pudesse visualizar os propósitos da natureza em todas as suas associações, e, em acréscimo, [de modo que eu detivesse] o poder de conceber todos os planos possíveis, em comparação com os quais o plano presente seria ajuizado em termos (suficientes) como o melhor.”

“A Físico-Teologia é uma Teleologia física malcompreendida, aproveitável somente como uma preparação (propedêutica) para a Teologia”

“Sem a raça humana a criação inteira seria um lixo (…) o homem não está ali meramente para que haja alguém para contemplar o mundo. Porque se a contemplação do mundo apenas possibilitasse uma representação das coisas sem qualquer propósito final, nenhum valor seria por isso acrescentado ao seu ser[-do-mundo] (pelo mero fato de que o mundo se tornara conhecido [para si]); devemos pressupor para ele um propósito final, em referência ao qual sua contemplação, por si própria, teria um sentido. Novamente, não é em referência ao sentimento de prazer, ou à soma dos prazeres, que nós pensamos como dado um propósito final da criação; i.e. não estimamos esse valor absoluto segundo o bem-estar ou a felicidade (quer corporal quer mental) (…) O fato de que o homem, se ele existe, assume-o [o atingimento da felicidade] como seu propósito final não nos brinda com um conceito que explique por que em geral ele deveria existir, nem qualquer conceito que justifique nosso direito de buscar uma vida prazenteira e feliz. (…) Permanece portanto apenas a faculdade do desejo; não é isso, todavia, que faz do homem dependente da natureza (mediante impulsos sensíveis), nem [é isso] que justifica seu ser com base no cômputo dos prazeres. Somente mediante o valor que o homem pode atribuir a si próprio, e que consiste no que ele faz, em como e segundo que princípios ele age, e isso tudo não enquanto mero elo na corrente da natureza [meio para fins alheios e desconhecidos], mas enquanto ser dotado de liberdade em sua faculdade de desejar – i.e. a vontade de fazer o bem – é que o homem pode ser considerado portador de um sentido absoluto.”

“só como ser moral o homem pode ser o propósito final da criação”

“se a criação não é para ser sem um propósito final sequer, ele, que como homem a ela pertence, deve, num mundo regido pela lei moral, desde que ele é um homem mau, sacrificar seu propósito subjetivo (a felicidade). Essa é a única condição sob a qual sua existência pode concordar com o propósito último.”

“Assim, a Teleologia moral suplanta as deficiências da Teleologia física, e estabelece por primeira vez uma Teologia; porque a última, se não tomasse emprestado da primeira, não seria consistente, e seria no máximo uma Demonologia, incapaz de qualquer conceito definido.”

“Suponha o caso de um homem no momento em que sua mente está disposta a uma sensação moral. Se, circundado pelas belezas da natureza, ele se encontra num estado sereno de contentamento com seu ser, ele sente uma carência, nomeadamente, a de agradecer a um ser ou outro pelo seu presente estado.”

“É vão caçar motivos para esses sentimentos, porque eles estão imediatamente conectados com o mais puro sentido moral”

“embora o medo produza deuses (demônios) em primeiro lugar, é a Razão mediante seus princípios morais que pode produzir primeiramente o conceito de Deus”

“(e todo mundo concorda) se o mundo consistisse apenas de seres inanimados, ou mesmo em parte viventes mas irracionais, sua existência não faria sentido porque não haveria ser algum que fizesse idéia do que sentido é.”

“O subjetivo, o bem físico mais elevado possível no mundo, destinado a se consumar enquanto propósito final inerente a nós, é a felicidade”

“A Razão toma por propósito final o progresso da felicidade em harmonia com a moralidade.”

“Suponha então que parte devido à fraqueza de todos os argumentos especulativos tão laureados, e parte devido às várias irregularidades na natureza e no mundo dos sentidos que surgem diante de si, um homem seja persuadido da proposição, Deus não existe; ele seria no entanto desprezível a seus próprios olhos se por causa disso ele imaginasse as leis de conduta vazias, inválidas ou facultativas, e desejasse simplesmente transgredi-las com veemência. Tal homem, ainda que pudesse ser posteriormente convencido daquilo de que duvidou lá atrás, seria eternamente desprezível por ter essa disposição de caráter, mesmo que cumpra suas obrigações no que diz respeito aos efeitos (externos) tão diligentemente quanto se possa querer, afinal (ele estaria agindo) derivado do medo ou esperando recompensas, sem sentimento ou reverência”

“Podemos supor então o caso de um homem justo (e.g. Spinoza), que tem para si convictamente que Deus não existe, e inclusive (visto que com respeito ao Objeto da moralidade uma conseqüência similar resulta) nenhuma vida após a morte; como ele irá avaliar sua própria destinação propositiva inerente, mediante a lei moral, que ele reverencia na prática? Ele não deseja nenhuma vantagem para si por segui-la, nem nesse nem em outro mundo; ele quer, do contrário, estabelecer desinteressadamente o bem que essa lei sagrada almeja com toda sua força. Mas seu esforço é limitado; e da natureza, embora ele possa esperar aqui e ali harmonias contingentes, ele nunca poderá esperar uma harmonia regular concordando segundo regras constantes (tais como suas máximas internas são e devem ser), contendo o propósito que o faça se sentir obrigado a cumpri-las.”

“Seguirá assim até que um grande túmulo engula todos eles juntos (honestos ou não, não faz diferença), e os jogue de volta – aqueles que foram capazes de acreditar no propósito final da criação – no abismo do caos sem sentido da matéria de onde eles foram criados.–”

“DEMONOLOGIA (uma maneira antropológica de representar o Ser mais elevado). (…) Teurgia (uma crença fanática de que podemos sentir e interagir com outros seres suprassensíveis)”

“A Psicologia, por sua vez, é uma mera antropologia dos sentidos internos, i.e. o conhecimento de nosso ser pensante na vida; e, como cognição teorética, permanece meramente empírica. Na outra mão, a Psicologia racional, tanto quanto permanecer concentrada em questões como nossa existência eterna, não é uma ciência teorética, mas repousa sobre uma única conclusão de Teleologia moral”

“Assumir (a existência de) habitantes racionais de outros planetas é coisa da opinião; uma vez que, se pudéssemos nos aproximar deles, o que em si é possível, nós deveríamos decidir com a ajuda da experiência se eles existiram ou não; mas como nunca chegaremos próximos o suficiente, isso permanecerá na região da opinião. Agora, sustentar a opinião de que no universo material haja espíritos racionais sem corpos (viz. se desconsiderarmos, como indignos de crédito, determinados fenômenos que foram publicados como verdadeiros[*]) deve ser chamado de ficção poética.

[*] [Nota do tradutor inglês] As especulações de Swedenborg parecem ter exercido uma inegável e estranha influência sobre Kant em todos os momentos de sua vida intelectual. Ele diz, a respeito de dois casos reportados de clarividência de Swedenborg, que ele não saberia como refutá-los (Rosenkranz vii. 5); mas, em sua Antropologia §§ 35, 37, ele ataca o swedenborgianismo [https://pt.wikipedia.org/wiki/Swedenborgianismo] como tolice. Num ensaio precoce, Sonhos de um Visionário explicados por Sonhos da Metafísica, ele professa seu ceticismo quanto ao valor de informações que a <pesquisa física> poderia conter sobre o mundo espiritual, embora tome cuidado para não ser dogmático no assunto <fantasmas>. Na Crítica da Razão Pura (ao discutir os Postulados do Pensamento Empírico) ele dá, como um exemplo de conceito inconsistente com os cânones da possibilidade, <um poder de estar em comunhão de pensamento com outros homens, ainda [que estes sejam] os mais distantes [fora até do plano material]>.”

“Deus, liberdade, e imortalidade, são os problemas para cujas soluções todos os equipamentos da Metafísica se dirigem, como seu propósito único e supremo.”

“uma Teosofia (pois disso devemos chamar a cognição teorética da natureza divina e sua existência, que bastariam de uma vez por todas para explicar a constituição do mundo e para determinar as leis morais). Da mesma forma que a Psicologia nos permitiu atingir a cognição da imortalidade da alma ela faria da Pneumatologia possível, e que seria igualmente bem-vinda à Razão especulativa.”