Por que os insetos são atraídos pela luz?

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Venho divulgando minhas próprias ideias há décadas, tendo feito isso modestamente, permitindo que muitas de minhas ideias circulem como conhecimento comum, apócrifo. Ultimamente, tenho sentido a necessidade de reivindicar a autoria de minhas ideias antigas, razão pela qual venho recontando aqui algumas delas; eis mais uma, apresentada nos idos de 1993.

Naquela época já havia uma explicação maravilhosa para a presença de insetos em torno de lâmpadas, dessas que nos fazem delirar, mas, que, no entanto, se aplicava apenas a uma parcela ínfima das miríadas de insetos que se comportam dessa maneira aparentemente absurda. Era a seguinte:

A explicação anterior

Para ir voando de casa até um local distante e voltar, é necessário ter desenvolvido uma maneira de controlar a navegação de voo. Isso pode ser feito lembrando-se de cada local e refazendo o caminho de retorno baseado nessa memória. Um sistema de navegação muito mais econômico que esse, pode ser desenvolvido com base na direção do voo. Computando-se o ângulo entre a direção de voo e o sol, assim como a distância percorrida, pode-se, posteriormente, refazer o caminho de volta para casa. Para o inseto, esse sistema de orientação propicia uma enorme vantagem sobre um sistema análogo ao empregado por nós, por exigir uma capacidade cerebral muitíssimo menor. Em vez de memorizar cada quadro, cada imagem do caminho percorrido, guarda-se apenas o ângulo entre a direção de voo e o sol. Um cérebro mais efetivo, capaz de computar cada imagem, teria um custo de desenvolvimento muito maior, precisaria ganhar volume e peso, e acabaria propiciando a mesma eficiência, razão pela qual o sistema mais simples se impôs.

De modo a conseguir retornar ao ponto de partida, o inseto pode, simplesmente, ir buscar alimento mantendo um ângulo fixo em direção ao sol, e depois voltar para casa girando 180 graus e mantendo o novo ângulo relativo ao sol.

Ao acendemos as luzes, especialmente de noitinha, quando ainda há vestígios do sol, confundimos as criaturas, que passam a traçar suas rotas com base nas lâmpadas, tomando-as pelo sol. Ocorrerá, então, que os que voltavam para casa traçando rotas direcionadas mais de 90 graus para o sol, manterão essa direção relativa a cada lâmpada que encontrarem, afastando-se de cada uma delas, sendo guiados a esmo para longe até se perderem na distância.

Os que voam em direções relativas ao sol menores que 90 graus, ao manter essa direção em relação a uma lâmpada se aproximarão dela traçando um caminho em espiral, de modo que, todos os insetos que se dirigiam em ângulos menores que 90 graus relativamente ao sol, acabam capturados na armadilha que consiste em uma lâmpada, da qual não conseguem escapar. O traçado em espiral desenvolvido pelo inseto em seu percurso até a lâmpada indica ter utilizado o mecanismo de orientação acima descrito.

Essa explicação, baseada no sistema de navegação de voo, é mais antiga e muito mais engenhosa que a minha, tenho que admitir! Acho-a belíssima. Creio que tenha sido desenvolvida, originalmente, para abelhas. Mas ela só vale para os relativamente poucos insetos diurnos que moram em uma casa, à qual sempre retornam.

Por que os insetos noturnos são atraídos pela luz?

A maioria dos insetos que vemos ao redor das lâmpadas, no entanto, são noturnos, dos tipos que esperam o sol se por para, velados pela escuridão, percorrer os céus tentando evitar, com isso, uma exposição excessiva a predadores vorazes.

Mas, não havendo sol, à noite, por que os insetos noturnos fariam isso? A resposta óbvia parece ser que estes se baseiam na lua para traçar suas direções e retornar para suas casas. Um problema com essa solução é que, ao contrário do sol, sempre presente durante o dia, a lua permanece ausente durante a metade do período noturno, ocultando-se, além disso, entre nuvens, durante boa parte desse tempo, tornando-se, por isso, muito menos apropriada que o sol para fundamentar um sistema de navegação.

Mesmo assim, na ausência de guia melhor, talvez os insetos tenham que se contentar com esse, durante a noite, parando para evitar se perder durante deslocamentos “às cegas” efetuados quando a lua esteja ausente. Essa hipótese me desagrada. Mesmo assim, poderia ser plausível. A profusão de insetos encontrados nas lâmpadas, no entanto, tem outra explicação.

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Muitos insetos buscam parceiros para o acasalamento nos chamados “voos nupciais”. Durante essa atividade, as fêmeas saem voando, preferencialmente ocultas pela escuridão, exalando um odor extremamente atraente para os machos de sua espécie. Estimulados pelo atrativo intenso, os machos dirigem-se em voo em busca da fonte de tal estímulo. A atração acaba resultando na cópula entre os indivíduos, garantindo que aqueles mais aptos em seguir a pista deixada pelas fêmeas, assim como as fêmeas mais atraentes, produzirão a geração seguinte da espécie, que herdará as características de seus progenitores.

Agora, imaginemos a seguinte cena: uma multidão de besouros, por exemplo, diluída na imensidão das alturas, trespassando os céus repletos de predadores sinistros, voando a esmo, sob forte risco, em busca de um parceiro para o acasalamento, quando, em dado momento, um besouro atento percebe ter cruzado seu caminho com o de uma fêmea extremamente atraente, mas que, voando em direção oposta, já se perde à distância. Cabe ao macho, enlouquecido pelo odor encantador, fazer uma curva e tentar encontrar o rastro deixado pela fêmea, que já vai longe. Voando em direção diversa, ele deverá perder o rastro da fêmea sucessivas vezes. Se tiver sorte, acabará encontrando-a antes que outro; com azar, será abocanhado por um predador, antes disso.

É provável ter sido esse o sistema de busca primitivo, substituído posteriormente por outro mais eficiente. Suponha o surgimento de um macho portador de uma informação privilegiada: a direção de deslocamento das fêmeas! De posse dessa informação, o indivíduo ampliará bastante sua probabilidade de encontrar uma parceira para a cópula e gerar sua descendência. Enquanto os outros indivíduos voam a esmo, cruzando eventualmente com fêmeas que passam como bólidos nas direções opostas, esse, conhecedor da direção de voo das fêmeas, ajusta sua direção à delas, conseguindo manter-se no encalço de qualquer uma que passe por ele, sem perdê-la de vista, como os adversários. Um macho assim teria, em consequência, uma probabilidade muito maior que outros de deixar descendentes, que herdariam sua capacidade de encontrar fêmeas.

Teria muita sorte, também, a fêmea que copulasse com tal expert, pois, em consequência, seus descendentes tenderiam a herdar a característica vantajosa, o conhecimento da informação acerca da direção das fêmeas. Por ampliar a capacidade de gerar descendentes, a característica vantajosa herdável se propagaria rapidamente entre a população, de modo que, em poucas gerações, todos os indivíduos descenderiam do mutante original, conhecedor do comportamento das fêmeas.

A cadeia de eventos desencadeada pelo surgimento do macho portador da informação privilegiada parece, assim, bastante promissora, mas padece de algumas falhas. Se as fêmeas voam a esmo, caso o macho ajuste sua direção de voo a uma, perderá as outras, de modo que ele permanecerá, como qualquer outro macho do grupo, ajustado apenas à parcela ínfima de fêmeas que, por acaso, voa na mesma direção que ele.

Objeção ainda mais relevante incidiria sobre a possibilidade de um indivíduo conhecer previamente a direção de outros: que tipo de magia poderia propiciar informação tão significativa?

Ambas as objeções acima me parecem bastante contundentes, irrespondíveis, de modo que todo o circunlóquio anterior me parece insustentável. Ainda que o aparecimento de um macho portador da informação privilegiada viesse a desencadear a sucessão de eventos descrita, não se explica como o macho em questão poderia conhecer, previamente, o comportamento das fêmeas, o que invalida todo o raciocínio.

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Mas, suponha, agora, o surgimento de um macho estranho e obstinado, um tipo exótico que ao se lançar em voo em busca de uma parceira, se visse encantado pela luz da lua. Não costumamos atribuir tendências poéticas aos insetos, mas podemos admitir que um deles prefira voar em direção à lua como se estivesse sob encantamento. Consideremos isso uma compulsão inata que pouco o diferenciará de todos os outros; em meio ao enxame, tal indivíduo parecerá estar voando a esmo, como todos os outros.

No primeiro momento, tal peculiaridade funcionará apenas como uma espécie de mania do indivíduo em questão, um comportamento idiossincrático e inócuo, apenas uma estranheza.

À mercê das probabilidades, como todos os outros, é possível que tal indivíduo deixe uma prole numerosa, muitos deles herdeiros da peculiaridade de seu progenitor, o encantamento pela luz e a tendência originalmente nele expressa de dirigir seu voo para a lua, o grande luzeiro noturno.

Suponhamos um contingente de insetos descendente desse tipo peculiar original voando sempre em direção à lua. Ora, tais tipos agem como se tivessem uma informação privilegiada sobre o comportamento de seus parentes. Note que, de fato, eles não sabem nada, não possuem nenhuma informação adicional que os outros não conheçam, mas a “mania” compartilhada por eles, o encantamento, a compulsão por voar em direção à luz compele-os, todos, a voar na mesma direção, como se soubessem que seus parceiros fariam o mesmo! Acresce a isso que a lua aparece apenas em dados momentos, fazendo com que o grupo peculiar de indivíduos encantados se lance aos céus sincronizadamente, aumentando ainda mais sua probabilidade de encontrar um parceiro ;)

Espécies que não voltam para casa tendem a botar um grande número de ovos, ao léu, ao contrário das que cuidam de seus ovos e filhotes, em suas casas, o que as deixam sujeitas a enormes flutuações estatísticas. Caso alguma flutuação estatística, ou a sincronização induzida pela lua, permita um aumento na densidade de indivíduos que compartilham a direção privilegiada, passará a existir uma vantagem crescente em compartilhá-la. Lembremos do indivíduo absurdo, portador da informação privilegiada aventado no início dessa história, e percebamos que todos esses “adoradores da lua”, agem como se conhecessem o comportamento dos parceiros potenciais, favorecendo, com isso, sua probabilidade de deixar descendentes. Após algumas gerações, pode-se esperar que todos os indivíduos da espécie compartilhem a mesma característica, já não mais peculiar ou estranha, de voar em direção à lua, jogando-se aos céus, preferencialmente, quando ela, por lá, se apresenta.

Quanto aos outros indivíduos, os tipos atávicos alheios à lua, teriam sido extintos, por voar a esmo, ignorantes da direção privilegiada de todos os outros, sujeitando-se aos predadores por um tempo muito maior em busca do parceiro, que provavelmente já terá copulado com um adversário.

Quando acendemos uma lâmpada, confundimos as criaturas, encantando-as com a luz intensa, compelindo-as a trocar a lua pela luz visível mais intensa que encontram à sua frente. E é por isso que a profusão de insetos voadores se concentra em torno das lâmpadas!

A questão tem enorme importância ecológica, dado existirem vários milhões de espécies de insetos, muitas delas sujeitas a essa ameaça altamente perigosa para eles, mais ainda por dificultar-lhes a reprodução.

Metodologia científica

Quando propus essa explicação, em 1993, eu estava muito mais interessado em questões metodológicas que nas biológicas, tendo proposto essa como uma ilustração exemplar da metodologia popperiana.

Por essa época, Popper era visto como um filósofo conservador e ultrapassado, embora alguns cientistas já lhe dessem atenção. (Considero a primeira parte de seu livro “A lógica da investigação científica” fundamental). De lá pra cá, creio que sua metodologia tenha ganhado muito mais popularidade entre os cientistas, de modo que suas exigências metodológicas já costumam ser levadas em conta, junto com aquelas que ele criticava, em especial, o mito da observação como fonte de conhecimento, metodologia cujo resultado assemelha-se ao que Rutherford comparava a coleções de selos. Uma “piada” idealizada por Popper consistia na prática da observação, que ele propunha a seus alunos, em sala de aula. A proposta ironizava metodologias popularizadas em séculos anteriores, e consistia em observar. Dizia ele aos alunos: observem! Recapitulemos o humor popperiano: observem!

De qualquer modo, a exigência popperiana de testes empíricos com o intuito de demonstrar a falsidade da teoria é, hoje, compartilhada por muitos.

Minha explicação exemplar para a obstinação dos insetos sugere 2 testes.

1) Indivíduos de espécies que navegam guiadas pelo sol escolhem um ângulo de direção qualquer relativo ao sol, durante a ida, e invertem a rota durante a volta, mantendo em cada viagem, ângulos fixos relativos ao astro. Quando “capturados” pela armadilha que a lâmpada elétrica consiste para eles, aproximam-se dela sob o mesmo ângulo que mantinham em relação ao sol, traçando, em consequência, uma espiral até a lâmpada. Esse traçado destoante do enxame é relativamente raro, mas bem característico, mas pode ser visto em torno de postes, ao ar livre (dentro de casa, as paredes impedem o traçado em espiral).

As espécies que se orientam para a lua com o “propósito” de facilitar a cópula, ao contrário, dirigem-se diretamente para a lâmpada, chocando-se com ela, em consequência. Ambas as trajetórias podem ser vistas em torno dos postes de iluminação. O tipo espiral é mais raro, mas visível. Ângulos de voo pouco menores que 90 graus produzirão um movimento quase circular, embora espiralado.

A inexistência de espécies com o tipo de orientação direta para a luz refutaria a hipótese.

(O enxame se dirige diretamente para a luz, não em espiral, como as abelhas, por exemplo, o que refuta a generalidade da explicação da orientação. Atente para essa distinção, eventualmente você vai acabar encontrando um inseto voando em espiral em torno da luz, percebendo claramente a distinção entre os 2 modos).

2) Outro tipo de teste decorre do pressuposto acolhido de que os indivíduos atraídos pela luz estariam buscando parceiros sexuais. Nesse caso, devem se encontrar em período fértil, fato cuja constatação exige, a rigor, conhecimentos de um especialista na fisiologia dos insetos.

Certos conhecimentos mais básicos, no entanto, sugerem ser esse o caso. Formigas e cupins, alguns dos mais frequentes entre os insetos que enxameiam as lâmpadas possuem asas apenas durante os curtos períodos em que suas formas sexuadas partem para a cópula, e apenas essas são atraídos pela luz.

Os indivíduos de muitas espécies de insetos morrem após a estação de acasalamento, e a postura de ovos, deixando apenas larvas durante o período frio do ano. As larvas nunca são atraídas pela luz, apenas os adultos o são. Nessas espécies, a eclosão da forma adulta, corresponde, exatamente, ao período de acasalamento. São elas, principalmente, as que se somam aos cupins e formigas nas aglomerações ao redor das lâmpadas.

Ambos os testes permitem, em princípio, revelar a falsidade da hipótese, conforme exigência popperiana, bastando que as espécies não se dirijam diretamente para as lâmpadas, ou que não o façam durante os períodos férteis.

Compus desse modo, uma realização exemplar de metodologia popperiana, explicando, concomitantemente, uma peculiaridade bastante conspícua e enigmática que utilizei posteriormente como exemplo para ilustrar minha própria metodologia: o jogo da ciência; na qual proponho que a atividade científica seja encarada de forma lúdica, como um jogo de solução de enigmas.

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Posteriormente

Nos anos seguintes, passei a centrar meu foco em questões biológicas.

Em 1997 defendi uma tese, de fato, um conjunto delas, contendo outras ideias que tenho apresentado aqui no site, e que como essa, andavam apócrifas, sem que se soubesse serem ideias minhas.

A tese central versava sobre a questão: “Como surgem as espécies?” negando a resposta usual, defendida pela maioria, até hoje, de especiação decorrente de isolamento geográfico e propondo meu próprio modelo de especiação que, já em 97, identificava o surgimento de uma nova espécie ao de um novo sistema de isolamento reprodutivo, conforme apresentei aqui:

https://jornalggn.com.br/fora-pauta/como-surge-uma-nova-especie-biologica-por-gustavo-gollo

Para mostrar a funcionalidade do mecanismo proposto, simulei o modelo obtendo, em 97, a primeira espécie gerada em computador!

A explicação para o equilíbrio pontuado, inexistente, até então, decorreu naturalmente da concepção de especiação proposta.

Também defendi, na ocasião, a existência de um genótipo estendido capaz de monitorar a construção de um indivíduo, desde o ovo até sua forma adulta. Usei, na época, a palavra “autômato” para descrever esse processo, hoje teria usado “algoritmo”, expressão atualmente em voga, para me referir ao mesmo.

Recapitulando, hoje, esse conjunto de resultados bombásticos em uma única tese parece quase incrível! A explicação para tudo isso, no entanto, é bastante natural: além de uma “maturidade metodológica” maior que a de outros, eu já possuía, na época, uma concepção da Teoria da Evolução estruturada em torno do conceito de replicador, de modo análogo ao apresentado aqui:

https://jornalggn.com.br/fora-pauta/teoria-da-evolucao-por-gustavo-gollo

E agora, tardiamente, reivindico a autoria dessas minhas antigas ideias que, modestamente, por tanto tempo divulguei sem me preocupar em asseverar a autoria.

Esse texto continua em:

Por que os insetos são atraídos pela luz? Continuação

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Umas reminiscências

Quando criança eu era absolutamente fascinado por todas as formas de vida, passando horas entretido a observar insetos, crustáceos, moluscos e plantas no jardim, tão encantado por esses quanto pelos pássaros e animais maiores que eventualmente encontrava.

Meu fascínio pelas criaturas vivas só foi atenuado muito posteriormente, durante as despropositadas e tediosas aulas de biologia do ensino médio, nas quais os professores insistiam em tratar de questões sem nexo, narradas por um palavreado que me parecia idiota, em geral atinentes a descrições pormenorizadas de detalhes disparatados, sabia-se lá de quê.

Apesar de tudo isso, ainda apostaria que eu era, dentre os alunos da turma, o mais interessado. O mundo é estranho.

Mas ao ler “O gene egoísta” de Richard Dawkins percebi nele, nitidamente, a tentativa de estruturação da biologia, e de conexão entre os detalhes disparatados enfatizados pelos professores. Dizia Theodozius Dobzhanky, um eminente evolucionista que “em biologia, nada tem sentido se não for à luz da evolução”. É a árvore evolutiva que conecta todos os seres, e tudo o que se relaciona com a vida. Li “O gene egoísta” devido a meu interesse em epistemologia, e foi durante sua leitura que desenvolvi a explicação, para a idiossincrasia apresentada pelos insetos de se aglomerar em lâmpadas.

O jogo da ciência

O singelo exemplo do voo dos insetos demonstra que é possível, para qualquer um, mesmo com conhecimentos ínfimos, participar da brincadeira. Antes da leitura de O gene egoísta, eu tinha lido apenas outro livro de biologia, um de Ernst Mayr. Mas foi o estilo de Dawkins que sugeriu a explicação sobre os insetos.

O exemplo ilustra o primeiro nível do jogo, no qual as perguntas são formuladas pressupondo que a linguagem já existente seja suficiente para equacionar as questões que venham à mente. “Por que os insetos são atraídos pela luz?” está formulada em um linguajar compreensível por crianças bem jovens. Boa ciência não pressupõe pedantismo.

Pode-se, no entanto, é certo, em um nível posterior, propor desafios muitíssimo mais exóticos. As partículas elementares, por exemplo, os minúsculos “tijolos” com que os físicos compõem o mundo material, são criaturinhas estranhíssimas, muito mais mirabolantes que qualquer bruxa imaginada por Hans Andersen, ou ser originado por H. P. Lovecraft. Surpreendentemente, isso ainda soa de modo estranho, mas tenha certeza de que, modo geral, as fantasmagorias engendradas pelos físicos contemporâneos superam amplamente as mais extravagantes criações dos ficcionistas.

Aldous Huxley, neto de Thomas, o buldogue de Darwin alertou-nos, certa vez, através de um seu personagem, para a necessidade de darmos o rótulo “ficção” a certo gênero de literatura, ou correríamos o risco de confundi-lo com a realidade. Sob esse ponto de vista teria sido desnecessário falar em ficção química, ou ficção física, já que tais ficções não seriam suficientemente realistas a ponto de confundir as pessoas. Penso que tal fato decorra da imaginação absolutamente irrefreada dos ficcionistas físicos, capazes de criar os mundos mais extravagantes imagináveis (e até não-imagináveis, paradoxalmente!).

Mas, tornemos a nosso chão. Eis aqui uma síntese de minha própria tentativa de estruturação da biologia:

https://jornalggn.com.br/fora-pauta/teoria-da-evolucao-por-gustavo-gollo

Creio que a palavra “replicador” tenha sido cunhada por Dawkins para rotular ideia sugerida por John von Neumman, décadas antes. A criação de novos conceitos tem um papel importantíssimo, naturalmente, na criação dos mundos científicos.

Mas, para compreender a ciência e melhor participar desse jogo, atentem para os mundos inventados pelos físicos, povoados por campos, forças, partículas estranhas e demais entidades pintadas em um exotismo quase sobre-humano. Depois, imaginem uma porção de antimatéria percorrendo um espaço plástico, maleável, regido por um tempo igualmente fluido, e delirem! Delirem como verdadeiros cientistas ao inventar seus mundos: delirem!

Em seguida, como que para disfarçar, observem. Observem, observem e tentem imaginar a recriação de tais mundos a partir das observações. Rindo. Mas não levem tal proposta demasiadamente a sério, e apenas permaneçam perplexos a saborear um pouco do humor popperiano.

P.S. Descubro agora, consultando o google, que essa explicação permanece virtualmente desconhecida, o que me sugere induzir o leitor, hoje à noite, participar da descoberta, tentando encontrar nos postes repletos de insetos, um deles em voo espiral destoante dos demais. Apenas esse estará tentando orientar sua volta para casa; todos os demais, dirigindo-se diretamente para a luz, estarão buscando com isso permanecer sob a mesma orientação privilegiada pelo grupo que lhes favorece a cópula. Usufrua o momento da descoberta, e atente para a transformação que ela induz.