Ninguém mais vai morrer

Ninguém mais vai morrer, a não ser por acidentes. Esta é uma espécie de profecia feita por Yuval Noah Harari em seu brilhante “Sapiens”. Acredita ele que, resolvidos certos problemas “técnicos” em relação às doenças que hoje vitimam a humanidade, o ser humano chegará realmente a um estágio em que não irá mais morrer, a não ser por acidente. Como ainda há esse risco, nós iremos nos tornar “amortais”, em vez de “imortais”. Ele embasa sua crença no impressionante desenvolvimento médico das últimas décadas, e diz, inclusive, que o objetivo final da revolução científica, iniciada há cerca de 500 anos, é realmente a eternidade da vida.

Bem, tudo pode ser. Afora os problemas de ocupação do espaço que adviriam de um mundo em que não se costuma morrer, o que eu fico pensando é como iríamos reagir diante da morte acidental de um ente querido.

Mesmo em nossos dias, quando todos morrem, a morte acidental é a mais terrível de ser suportada, porque à dor da perda se soma o choque do inesperado e a impressão de que algo poderia ter sido feito para evitar. Muita gente só irá encontrar algum alívio para esse sofrimento na crença de que tornarão a encontrar essas pessoas em um plano espiritual, pois sabem que também elas irão morrer um dia.

Agora vamos pensar que as pessoas não morrem mais de forma natural. Um acidente fatal ganhará proporções extremas de sofrimento. Todo ser humano teria as suas pessoas queridas como eternas e caminharia ao lado delas com o passar das décadas e dos séculos. E então, por uma bobeira qualquer, uma pessoa morre.

Nesse mundo, não haverá mais a crença de uma vida após a morte, já que a eternidade será vivida na Terra mesmo, então, se essa pessoa destinada a viver para sempre ao nosso lado morre, ela morre para valer mesmo, por toda a eternidade e pelos séculos dos séculos.

Embora seja verdade que, hoje em dia, os ateus já precisem lidar com esse mesmo sentimento do “nunca mais”, por certo ele será ainda mais dramático num mundo em que a morte não é natural. Mal se pode imaginar que tipo de culpa acometerá as pessoas que sentirem alguma responsabilidade por tirar a vida eterna de uma pessoa próxima.

Não me espantaria se dessa dor violenta nascesse um novo tipo de religião. Talvez aí um novo Harari profetize o fim da morte acidental. A possibilidade é fascinante, mas isso nos parece tão distante da nossa realidade que mal vislumbramos as consequências.

Quem viver para sempre verá.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 18/02/2018
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