ENTRE O SAGRADO E O PROFANO

Objetos ou pessoas comuns, iguais a quaisquer outros, mas que foram atribuídos valores e significados diferentes

*Por Antônio F. Bispo

Entre tantos seres vivos que dividem espaço conosco nesse vasto planeta, provavelmente a nossa espécie seja a única que tenha desenvolvido a “maravilhosa” habilidade de sacralizar ou demonizar pessoas, coisas e espaços para depois criarmos guerras, divisões e todo tipo de sentimento auto destrutivo e ludibriante para mantermos tal crença funcionando.

Somos quem sabe a única espécie capaz de construir uma vida com estilo infernal e chamar isso de vida santa e tornar as coisas simples e belas da vida, como se fossem uma armadilha do demônio, prontas a nos tragar. Essa capacidade humana, por séculos tem feito com que nosso planeta se torne um verdadeiro campo de batalhas sem fim.

Será que a capacidade de nos iludirmos, de criarmos mundos paralelos para nos sentirmos amados ou odiados juntamente com a capacidade criarmos estereótipos para todo tipo de pessoas e objetos é alguma forma de “escape” para não enlouquecermos por não sabermos ainda usar toda nossa capacidade cerebral, ou é exatamente essa, as crenças ilusórias que nos impede de chegarmos a um patamar mais avançado nossas cognições?

Você consegue imaginar um mundo onde a necessidade de venerar ou ser venerado não existam? O que sobraria? Como seria o aspecto social, político, econômico e tecnológico desse mundo? Certamente seria muito diferente do cenário atual. Seria um possível paraíso, onde as pessoas quem sabe seriam mais evoluídas já que não teriam como terceirizar suas responsabilidades, fracassos e sucessos.

Estamos tão acostumados com esse formato de mundo onde o sagrado e o profano andam lado a lado que dificilmente conseguiríamos calcular com precisão a extensão da ausência desse fato e seus efeitos sociais como um todo. No máximo enxergamos a nós mesmo nesse aspecto, mas pessoas acostumadas a trabalhar com massas, estatísticas e probabilidades teriam como imaginar algo aproximado, pois seria como se toda água do oceano sumisse num piscar de olhos, e não soubéssemos o que fazer com toda vida marinha existente a se debater no leito seco do oceano.

As pessoas vivem tão impregnadas pelos sentimentos de ódio, rancor, ira, esperança, angustias e frustações que o sentimento religioso tem promovido ao longo dos séculos, que no mundo inteiro, mesmo as pessoas que não acreditam em divindade alguma seriam afetadas pelo efeito da não religião caso fosse possível se livrar de uma só vez dos elementos místicos que essa promove.

Então, uma pergunta simples e avassaladora pode ser feita para entendermos esse nosso comportamento: o que torna um objeto ou pessoa santa e outra profana ou pecadora sendo que na maioria dos casos são feitas do mesmo material e estão inseridas num mesmo ambiente ou contexto social?

A resposta a essa pergunta dada de modo seco com farei agora, pode ser tão surpreendente como um tiro a queima roupa: uma convenção pessoal ou individual! Isso mesmo! A conivência pessoal ou coletiva é quem faz algo ser sagrado ou profano, só isso! Ou seja, se você de modo pessoal ou pela imposição do grupo concorda que algo é sagrado ou profano, assim o será para você e seu grupo e baseado nessa concepção toda sua vida será dirigida, afetando a vida de todos que estão ao seu redor, não apenas pessoas como também animais, plantas e qualquer objeto inanimado. Pela sua crença viverás ou por ela morrerás! Por ela pode tornar o ambiente em que vive num inferno ou num paraíso.

Tudo acontece a partir de uma criação, aceitação ou negação de uma concepção. Assim se formam os deuses. Assim nascem os objetos místicos. Assim as coisas passam a adquirir os valores que nós a elas atribuímos.

Isso não é como um barril de lixo tóxico, cheio de material radioativo, que não temos como negar os seus efeitos colaterais destrutivos e por isso devemos nos livra dele, colocando-o no mais difícil acesso possível. Geralmente esse tipo de material fica inacessível, oculto ao público e só afetará os indivíduos em casos de descuido ou acidente, já o conteúdo religioso criado por alguns segmentos, eles são inseridos à força, como fora a catequização forçada dos povos conquistados pelas potencias europeias do último milênio.

Na maioria dos casos, numa sociedade livre, a sacralidade ou não de objetos, pessoas ou ambiente dependem apenas da concepção e concordância entre o que fala e o que ouve. Só isso! O que é sagrado para uns, pode ser profano para outros e vice versa!

Pasmem! Gritem! Chorem! Aborreçam-se ou formulem uma resposta mais logica e simples do que essa! A grande verdade é que as coisas passam a ser consideradas santas ou profanas quando algumas pessoas concordam com isso e por meio de repetições diárias repassam essa concepçao aos que estão ao seu redor, ou pela autoridade e influencia que tem sob determinado grupo, impõe isso como se fosse uma verdade absoluta e por meio de punições públicas, castigam aqueles que discordam de tal preceito criado. O adestramento social para fins e propósitos específicos nesse caso! Discorde da sacralidade de algo imposto por alguém “superior” e seja punido socialmente por grave pecado! É cada coisa...

Também é possível que uma única pessoa crie convicções pessoais sobre sagrado e profano, que passe a viver esse estilo de vida, e mesmo sem impor nada a ninguém, ou até mesmo desejar que outras pessoas sigam seu estilo de vida. Se tal pessoa começar fazer “sucesso” ou ser o centro das atenções pelas convicções que adotou, logo haverá uma legião de seguidores involuntários reproduzindo seus atos, suas crenças e afirmando aos quatro cantos do mundo que estão vivendo uma verdadeira “benção de vida”!

A conivência social, faz com que a maioria de nós acreditemos que estamos seguindo o caminho certo. O conforto de não sermos afrontados em nossas convicções, de termos ao nosso lado tantas outras pessoas pensando e agindo igual a nós, cria em nós a falsa certeza de que estamos no caminho certo.

Filósofos e pensadores livres, quase sempre são vistos como pessoas más em todas as sociedades, justamente por questionarem aquilo que as pessoas tendem a conceituar como verdade ou mentira. Na maioria dos casos, eles nem defende nem apoia as causas, apenas questionam o modo pelas quais as coisas funcionam e isso é o bastante para causar desconforto interno, e esse desconforto será projetado para fora com atos de hostilidades e agressões por parte de quem teve seus conceitos de verdade questionada.

Na maioria dos casos as verdades promovidas pelas religiões são tão sólidas quantos castelos de areias, bastando uma breve brisa de conhecimento para fazer desabar toda estrutura, expondo a “vergonha” dos nobres e vassalos que consideravam estar protegidos em suas estruturas de conceitos vazios. Coisas mortas e embaladas á vácuo, costumam estragar quando entram em contato com o oxigênio do ambiente por terem sua proteção violada. Diferente de organismos vivos, em evolução, que dependem justamente do oxigênio para se desenvolverem.

Observem que praticamente toda crença religiosa é como uma estrutura embalada á vácuo, hermeticamente fechada, para “salvar” as pessoas de outras linhas de raciocínio. Dois mil anos de estruturas “sólidas” da igreja podem ser desfeitas na vida de qualquer pessoa que façam uso de tais palavras: por que? Para que? Para quem? Quando? Como? Onde? A fé não depende de responder a essas perguntas para existir. A lógica sim!

Algumas estruturas sociais se tornam cada vez mais sólidas mediante o “metralhar” de indagações surgidas a partir de qualquer ângulo. As estruturas baseados apenas na fé e na necessidade de auto consolo se desmoronam e faz com que as pessoas percam o rumo, o motivo de sua existência. Não é à toa que um dos crimes mais graves considerados socialmente, seja aquele que procure abalar ou menosprezar a fé de outros. Alguém que mata em nome da fé sofrerá menos punição do que aquele que tenta esclarecer os motivos pelos quais o crime ocorrera em nome da fé.

Se isso é proposital ou não, é o que muitas mentes mais evoluídas tentam explicar. Desnudar alguém de sua fé é literalmente abandoná-la num deserto do Saara ou num frio siberiano sem comida, sem água, sem agasalho, sem abrigo, sem ninguém! A crença numa divindade e num paraíso fictício são os patrimônio adquirido pela maioria dos indivíduos.

Desse modo, valendo-se da “permissão” para sacralizar coisas, se alguém começar a comer capim dizendo que isso foi uma ordenança dessa ou daquela divindade, e de repente essa pessoa ganha destaques nas mídias sociais, tenha certeza de que poucos dias depois haverá a “igreja do capim”, “o livro sagrado do capim”, o “manual do capim para a felicidade”, “ o feno sagrado” e tantos outros amuletos sendo produzido e comercializado em larga escala em todo tipo de local, e uma infinidade de outros produtos relacionados ao tema passarão a fazer parte do calendário festivo e sócio cultural dessa comunidade. Essa comunidade inteira irá girar em torno desse conceito do capim sagrado. Que lástima! Assim surgiu ou se mantém a maioria dos ritos litúrgicos conhecidos.

Tomem como base as cidades de turismo religioso, em que alguém disse ter visto uma aparição ou recebido algum tipo de milagre. Num estalar de dedos tudo vira sacro: a água, as pedras da rua, o ar, as casas o ambiente, os dejetos colhidos naquele espaço...menos as pessoas! Essas não! Essas “miseráveis” e moribundas terão suas vidas afetadas pela nobre missão de atender diariamente pessoas que tem na auto ilusão uma maneira de fugir de suas responsabilidades ou encarar a vida como de fato ela é!

As pessoas são apenas pessoas né? Que importância tem elas? Elas serão apenas serviçais, prontas a atender todo tipo de luxuria dos que vendem e dos que compram aquilo que foi mistificado. As pessoas desses locais nem tem importância! Vamos dar importância a uma parede que jorra agua milagrosa, a um muro sagrado, a uma janela com vidro embaçado, a uma capela com data de construção e histórico ficcional, a uma ruela onde supostamente alguém derramou gotas de sangue para salvar a humanidade, vamos visitar tumulo de gente morta, e alimentar ilusões, contar mentiras sobre nós mesmos, nos fazermos de vítimas, vamos fazer de conta que viramos santos por visitar um lugar sagrado, vamos lá! Os vivos, os carentes e os realmente necessitados que se lixem! Vamos seguir pelo caminho da indiferença e hipocrisia, pois é assim que agradamos a quase todos os deuses já criados pela humanidade, não é? Vamos na ONU ou na UNESCO, exigir que cada vez mais locais de peregrinações sejam considerados intocáveis enquanto os que habitam tais regiões pagam com suas vidas pela nossa imbecilidade de dar mais valor as coisas do que as pessoas!

Desse modo, conhecendo essa fraqueza humana, os líderes religiosos tratam seus seguidores como se fossem verdadeiros burros, sacralizando qualquer tipo de objeto e vendendo por valores absurdos além de fazer com que pareçam ridículos e desobedientes qualquer um que não se dobre a essa ideia. Qualquer um que discorde de uma pessoa portando uma bíblia, que use uma batina ou paletó ou que se declare “ungido do senhor” será duramente perseguido, criticado ou poderá sofre os mais diversos tipos de boicotes. No dia em que algum desses “ungidos” disser que fezes humana será remédio para cura de qualquer doença, obedeça ou será duramente punido.

Do nada, para o nada e em favor do nada! Apenas no “eu acredito”, “deus me revelou”, “eu creio assim” ou ainda “as tradições da igreja acredita desse modo e me ensinaram a ser quem sou”! Nessa profundidade de pensamento, lógica e duras pesquisas, muitos desses valorosos homens conduzem a própria vida e a sua se você o deixar. Nesses casos, deus é tão justo e tão honesto, que se revela as escondidas apenas a alguns poucos escolhidos para que os tais passem a reger a sua vida de modo conflituoso, já que para cada pessoa que ele se revela, ele dá comando controversos e auto destrutivos.

Se formos realmente honestos, iremos admitir que os maiores heróis que a humanidade já produziu em qualquer sociedade religiosa foram os “hereges”, os “rebeldes”, os “usados pelo demônio para se levantar contra a santa igreja” e os que foram considerados como “filhos da perdição”. Se não fosse pessoas assim, o mundo seria um lugar muito pior para se viver. É quase impossível calcular os efeitos destrutivos causados por uma sociedade totalmente alienada pela religião. Quem sabe já teríamos nos destruído totalmente. Quem sabe seriamos reduzidos a um estado de vida vegetativa, quem sabe o caos total...

Inúmeras pessoas foram perseguidas, torturadas ou mortas por se recusarem a serem tratados como trouxas, por ainda fazerem uso de suas faculdades mentais. Outras também tiveram o mesmo fim justamente pela conveniência em ceder ao clero um poder que esse nunca teve, para depois serem vítimas de um monstro que eles mesmo ajudaram a construir. Se toda força vem do povo, para o povo e em favor do povo, então é do povo que vem o poder do clero e não o contrário! O poder das religiões estar nos liderados e não nos líderes. O jogo vira quando apenas 5% da população entender isso.

Na maioria dos casos, os hereges eram apenas pessoas à frente do seu tempo ou com um grau de racionalidade maior, que foram punidos em sua época para serem reconhecidos em outras ou ainda serem vistas como pessoas más até os dias atuais por aqueles que insistem em acreditar que é a mão de deus quem dirige toda história, principalmente as ações dos seus queridos “ungidos”.

Responda para si mesmo: quem foi que disse que esse ou aquele livro é sagrado? Quem foi que disse que essa ou aquela coisa é santa? Quem foi que disse que essa ou aquela pessoa é uma pessoa sem deus ou com deus? Se responderes que foi deus quem disse tudo isso, faremos outra pergunta: você viu pessoalmente ele dizendo isso? Você estava lá quando tudo isso foi dito? Você realmente sabe da verdade dos fatos que acredita ou apenas passou a acreditar nesse ponto de vista por ser mais confortável e pela repetição sucessiva na cultura qual nascestes?

No próximo texto daremos continuidade a essas e outras indagações.

Texto escrito em 1/4/18

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

CONTINUA...

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 01/04/2018
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