O corpo é um incômodo

Tem aquela croniqueta do Eduardo Galeano: “A igreja diz: o corpo é uma culpa. A ciência diz: o corpo é uma máquina. A publicidade diz: o corpo é um negócio. E o corpo diz: eu sou uma festa”.

Pois para mim o corpo é um incômodo.

Eu viveria perfeitamente bem em um mundo de ideias, isto é, sem o corpo, sem a matéria. O meu corpo é aquela coisa que traz uma porção de obrigações, que precisa ser cuidado a cada instante, roubando o precioso tempo em que eu poderia estar pensando.

Preciso tomar banho, preciso escovar os dentes e passar fio dental, preciso cortar as unhas e o cabelo.

Preciso procurar roupas que me sirvam, preciso lavar as roupas que vou usar, preciso lavar as mãos, preciso lavar qualquer coisa com que eu lidar.

Tenho que seguir certas regras de alimentação, ou meu corpo reclamará.

Tenho que passar filtro solar quando sair de casa, ou meu corpo reclamará.

Quero chegar rapidamente em lugares, mas o meu corpo me obriga a seguir o seu próprio ritmo.

Tenho que dormir um determinado número de horas, e dormir com qualidade, senão meu corpo reclamará.

É preciso ir ao banheiro a todo instante, exigências do meu corpo.

Ah, e a barba, a maldita barba que não para de crescer, sem nenhum motivo aparente que não seja o de me aporrinhar na frente do espelho para tirá-la.

Ainda é preciso limpar o nariz e tirar a cera dos ouvidos.

Enfim, o corpo, o meu corpo, é uma chateação só. Não tenho interesse em ficar bonito, em chamar a atenção dos outros. Não tenho nenhum interesse em fazer uma tatuagem. Meu corpo é incômodo.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 12/04/2018
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