Tempo não Meteorológico

O tempo é uma coisa que não se recupera. Tarkovsky diz: “É o tempo reversível ? Segue ele em linha reta ? Outro dia li ou ouvi algo angustiante. O presente dura, se é que dura, milésimos de segundo, ou até menos. Sim, ou menos, como medir isso? Depois disso, a realidade está na memória. O momento anterior, quando me levantei da cadeira para ir à cozinha, já faz parte da história. Amanhã, provavelmente, já não me lembrarei mais disso. Perdeu-se o momento para a história. O futuro pode ser antecipado. Quando abro a porta de casa sei o que vou ver. Mas viver no futuro também não é possível. Tudo isso é fascinante e angustiante. Como diziam na Rádio Relógio Federal: um minuto é um milagre que jamais se repete. Única Rádio filosoficamente correta. Mas se os momentos se perdem para sempre; o que fazemos de concreto não. Só olhar as Pirâmides. Em resumo, sem memória não há realidade. Como propôs Santo Agostinho, o passado e o futuro só existem em nós, na nossa memória e nas nossas expectativas. Ou quiçá, o passado exista nos livros de História, que representam a memória da humanidade. Segundo Heidegger, “. Nossa vida é um entre os extremos, o nada antes e o nada depois não nos pertencem. Somos temporalidade, por isso o tempo se revela como horizonte de compreensão do ser. O ser não é permanente presença como supunha a tradição metafísica ocidental, senão advir ou acontecer.”. Sobre esse aspecto, recordo o poeta francês do século XVI, Pierre Ronsard, para quem, como dizemos, o tempo passa, mas não exatamente o tempo, somos nós que passamos.

Na internet, encontrei a afirmação, entre muitas outras, de que o tempo está ligado à evolução. É um conceito que me atrai muito. Por que? Porque a melhor percepção que tenho do tempo é a mudança de estado das coisas. Para Aristote, o tempo é necessariamente ligado à mudança. O dia que começa e termina, ou o homem que envelhece; as alterações por que passa a matéria, que se decompõe; uma estrela se forma, depois se extingue, completando um ciclo. O tempo se materializa nos organismos vivos desde o nascimento até a morte, e essa evolução pode ser acompanhada, da infância à velhice. O tempo também é visto na erosão, corroendo até a pedra dura. Mas evidentemente tudo é reciclável... Mas também tudo sem retorno; não há retorno, só arrependimento. Portanto, não é possível ver o tempo, mas é possível perceber seus efeitos. Clarice Linspector elaborou: “... tempo só existe em nós referindo-se a uma coisa se transformar em outra. A essa transformação chamamos tempo.”

Sempre, infinito, nunca, jamais, palavras que lidam irresponsavelmente com a noção de tempo. Irresponsável porque nunca demonstrado cientificamente. Mas Aristote, com sua autoridade, considera o tempo necessariamente contínuo e infinito.

Memória é o passado gravado, ou uma maneira de congelar eventos. Fotografia, filmes também registram o tempo. Segundo Tarkovsky, o tempo é irreversível, ou seja, não se pode trazer de volta ao passado. Mas o passado seria mais tangível que o presente: “o presente escorre e escorrega como areia entre os dedos. Só adquirindo peso material nas recordações”. Dizem que tempo e espaço estão fundamentalmente inter-relacionados - nenhum dos dois pode separadamente existir sem o outro. Espaço-tempo. Uma noção quadridimensional. Como funciona isso. O espaço, se medido em termos de tempo, pede o conceito de velocidade. Assim, espaço e tempo e velocidade estariam fundamentalmente relacionados. Como? Se eu percorrer a praia de Copacabana a pé pode levar mais de uma hora. De bicicleta, com maior velocidade, bem uns 20 minutos. De automóvel, a uns 60 km/h, uns 5 minutos. Mas o fato é que a velocidade faz o espaço encolher! Da mesma forma, o tempo para cruzar o mesmo espaço também encolhe. De acordo com Hegel “ ... o tempo, como o espaço, é uma forma pura de percepção ou intuição sensual. É a condição de toda percepção ativa imediata, assim como aquela que é percebida, ou seja, de toda experiência, e tudo o que é experimentado. A natureza , feita de espaço e tempo, é um processo. Quando enfatizamos seu aspecto espacial, estamos cientes de sua natureza objetiva; quando enfatizamos seu aspecto temporal, nos tornamos conscientes de sua natureza subjetiva. Conforme percebemos, a natureza é um processo contínuo e sem fim de se tornar. As coisas chegam e partem no tempo. Tais coisas não são apenas no tempo, mas são também temporais - o tempo é um modo de existir ”. Pergunta-se: a ideia do tempo é uma construção teórica do homem ou uma objetividade da Física? Existe um tempo universal, que comanda o dia e a noite e as estações do ano. Esse tempo é objetivo e independe da percepção do homem. O tempo universal, segundo a relatividade, não existiria, e nós vivemos num casulo de tempo, que é só nosso., que é o tempo medido pelo relógio.

A percepção do tempo, ou duração de um evento, pode ser muito bem subjetiva, efeitos da passagem do tempo não (você ainda envelhece, qualquer que seja sua percepção da duração do tempo). Segundo Sto Agostinho nós vivemos com uma temporalidade que é toda nossa, que é totalmente independente da temporalidade do mundo físico. Diria até que a percepção do espaço pode também ser subjetiva, assim como a percepção do tempo. A idéia do tempo como uma subjetividade é comum, encontrada em Epicuro, em que o prazer dá a medida do tempo e uma ação desagradável faz o tempo parecer mais longo, enquanto numa situação prazerosa o tempo passa rapidamente.

Em resumo, segundo nos explica o físico francês Etienne Klein, todo instante é inédito er o tempo irreversível. Ademais, as mudanças que ocorrem como resultado dos fenômenos naturais são também irreversíveis. Ainda segundo Kleins, essas duas irreversibilidades não tem nada a ver uma com a outra: são independentes. Explica ainda que tempo é lidar com o princípio da casualidade, uma vez que toda causa produz um efeito e que o efeito não pode retroagir à sua causa. Ou seja, o passado não pode ser modificado.

Assim, o tempo é visto com uma flecha que só caminha em direção do futuro. Segundo Einstein, não é impossível viajar para o futuro terrestre, desde a pessoa atinja uma velocidade perto da da luz, de forma que, ao voltar de uma viagem de alguns meses, na Terra alguns anos terão decorrido. Quer dizer, ao viajar à velocidade da luz o indivíduo abandona o casulo do tempo terrestre. Voltar ao passado, parece, que não há como.

Ugly
Enviado por Ugly em 12/04/2018
Reeditado em 18/09/2022
Código do texto: T6306515
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.