DAS CATÁSTROFES – NA DIREÇÃO DE UMA ESTÉTICA DO CAOS E ESGOTAMENTO DE UM SISTEMA

DAS CATÁSTROFES – NA DIREÇÃO DE UMA ESTÉTICA DO CAOS E ESGOTAMENTO DE UM SISTEMA.

A questão que aponta para a interação do homem com o meio ambiente pode ser vista a meu ver a partir de algumas situações nodais.

Uma delas diz respeito à crescente destruição sistemática, sem dúvida uma característica definitivamente humana, que nutre esta tendência para o mal.

A inocência moderna se vale de uma perspectiva histórica na qual entende que os seres humanos tiveram que desenvolver recursos para se adaptarem ao local no qual viviam.

O problema é que tal adaptação se dava na base da violência e apropriação de recursos que tiveram que ser dizimados e transformados em bens para os referidos.

Para tal desenvolveram materiais para caçar e se aquecer destruindo espaços variados e matando animais por mera questão de sobrevivência.

Tal extermínio lento e gradual do que estava ao redor apenas corrobora o instinto primordialmente predatório da espécie.

Não há neste sentido naturalidade alguma neste fenômeno. Exaurimos o solo e devastamos a flora e fauna desde que o mundo é mundo.

Não se trata de purificar o sentido mesmo da noção de humanidade na medida em que sempre fomos definitivamente vis, escorados sob a égide de uma espécie superior cujos efeitos calamitosos de tal existência são minimizados por tratados filosóficos e sociológicos e antropológicos que não dispensam tanta atenção a esta faceta cruel do que chamamos de humanidade.

Temos que destruir para construir e preservar significa eliminar para fazer nascer algo no lugar. Esta é a tônica quer queiramos ou não.

Criamos discursos eufemísticos sugerindo que tal processo é inevitável, haja vista o fato de que temos que nos perpetuar e isto significa se valer do que está à nossa volta. O sistema precisa ser alimentado, mas não podemos perder de vista a constatação de que isto implica eliminação e incorporação de novos elementos para que constância do fluxo seja garantida.

Mesmo a noção de sustentabilidade implica seleção de determinados elementos que deverão ser adicionados e substituídos por outros quando da reconfiguração do sistema.

Escravizamos animais e homens e o que se entende por natureza desde as mais remotas eras.

Sentimos necessidade de matar para comer carne, a gordura apetitosa, a textura que sempre encantou nosso paladar. Um solo fértil bem nos serviria por algum tempo no espírito nômade pronto para esgotar o mesmo até quando não mais satisfizesse a necessidade do grupo. A força motriz foi e sempre será este instinto de preservação, esta vontade incontrolável de estar aqui.

Ora, destruição, aniquilação e esgotamento, entre outros aspectos, sempre permearam a vida dos seres humanos, raça superior dotada de inteligência e fundamentalmente tomada pela noção de poder, de sobrepujar o outro em proveito próprio.

Portanto, este é momentaneamente meu ponto de vista e acrescento aqui, devo dizer que a interação do homem com a natureza ou com o meio ambiente é uma relação que não é e nunca será baseada em harmonia e coisas do tipo, mas sim em poder, em submissão da mesma aos anseios deste animal racional ao qual ela deverá se curvar.

Esclareço que as filosofias da natureza, especialmente as orientais, não devem ser incluídas nesta situação, pois pelo menos nestas observamos um relação eminentemente mental e saudável entre homem e meio. Não há destruição aqui, mas a percepção de que o movimento do que está ao redor pode entrar em consonância com os movimentos da mente através de técnicas de meditação e respiração.

Os discursos eficientes elaboram várias explicações para tal destruição sistemática, porém quando ocorrem catástrofes em todo globo, observa-se uma manifestação de uma natureza devassada, destituída de sua essência. Eis o recado mandado pela mesma periodicamente.

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche apreciava as tempestades imprevistas. Encantava-o a força das águas que calava as ruas recuperando o que elas têm de melhor, a sua infinidade mal percebida durante o dia com a circulação de habitantes-formigas.

Para um observador arguto a chuva, a tempestade e os raios e trovões mostram a infinidade das ruas e avenidas, desvelam o não visto por olhares anestesiados, apontam para outra noção espacial projetada na alma que assim é capaz de criar a imagem de algo para além da mera coisificação sugerida por este catalisador de sensações.

Olhar para aquele vazio, para os postes de luz, para as casas com luzes acesas e portas e janelas fechadas, percebendo que a tempestade obriga os habitantes a se proteger e, até em alguns casos, a refletir sobre si mesmos, independentemente de onde estejam.

Caberia aqui a recorrência aos quadros de Van Gogh, expressionistas por excelência, e que carregam esta força avassaladora da natureza que ali pulsa como que se estivesse a se abrir para o mesmo que percebe a intensidade destes movimentos cósmicos.

Os terremotos, os tufões, os furacões e os maremotos representam manifestações de desordem do sistema, uma mensagem da natureza que tem sido extremamente parcimoniosa com nossa espécie definitivamente menor.

Mesmo o discurso da sustentabilidade que sugere um aproveitamento de recursos deve levar em conta o fato de que, como aconteceu com outras civilizações, nossa hora chegará. Telhados verdes, os chamados Green Roofs, sistemas hidráulicos naturais, reciclagem e placas solares, representam avanços no sentido de prolongar nossa vida neste planeta. O custo envolvido neste processo ainda mantém este discurso bastante distante da maioria da população mundial. Deve-se questionar a quem interessa tal coisa, quem lucra com isso e a quem tal se destina atualmente. Deve-se pensar em globalização igualitária minimizando custos e garantindo aos cidadãos condições de vida decentes.

A nossa essência é, quer queiramos ou não, esta que aponta para o domínio de tudo que está ao nosso redor. Somos demasiadamente humanos neste sentido e matamos diariamente e deglutimos o resultado desta carnificina com roupagem de civilização, nos níveis mentais, culturais e sociais.

Somos o resultado de processos de industrialização, de um maquinário alucinógeno que nos embota e nos obriga a violentar nossa alma e corpo.

Diz o livro segundo do Gênesis que o homem pode comer com liberdade de toda a árvore do jardim, mas que não deve jamais comer da árvore do conhecimento, pois se fizer tal coisa perecerá.

Partindo desta sábia afirmação, constato de que o uso feito de todo conhecimento nas diversas áreas de saber e tecnologia nos levou ao estado crítico de hoje em dia.

A natureza nos observa e nos pune categoricamente vez por outra e quer me parecer que ainda não aprendemos a ser humildes e respeitar seus movimentos.

As premissas sobre as quais se apóia esta sintaxe absurda e rasteira, baseada no lucro e na produtividade, trazem danos irreversíveis para nossas existências ordinárias.

Louvo aqui as tentativas de um retorno a projetos artesanais que caminhem na direção oposta à lógica do capital, mas que infelizmente são engolidas pelo mesmo com o correr do tempo.

As feiras de trocas de mercadoria feitas artesanalmente com moeda local ao ar livre, respeitando o ciclo da vida e com baixo ou nenhum tipo de poluição, surgem como propostas interessantes.

As reuniões caseiras, nas quais as pessoas possam interagir pessoalmente umas com as outras sem uso de artifícios eletrônicos que agridem o meio ambiente, surgem também como propostas interessantes.

O ato de cozinhar sua própria comida, de realizar as refeições em companhia de familiares e amigos constitui ruptura singular em relação a esta lógica homicida que não suporta a desaceleração.

O meio ambiente plastificado de hoje em dia é mesmo este de ruídos e barulhos que são ouvidos mesmo quando nossos aparelhos, sejam eles quais forem, estão desligados. De se dormir ao som da televisão, de insônias e ansiedades em função da pressão sistemática anunciada pela ditadura digital. De não conseguir ler um livro, seja ele físico ou e-book, por mais de dez minutos sem sentir vontade de procurar algo na geladeira ou de dormir.

Enquanto mentes que pensam, enquanto intelectuais, entendo que temos que intervir neste processo para que as gerações futuras não se transformem em autômatos sem poder de escolha e decisão.

Milhões de anos nos separam da explosão solar que vai acontecer e aniquilar com este planeta. As mensagens da natureza denotam os princípios no qual sua força se baseia. Talvez tudo termine bem antes desta aproximação perigosíssima do sol. Temos aqui forças descomunais que incidem sobre todo e qualquer objeto, atestando a prevalência das mesmas sobre este sujeito terreno, menor e humanamente arrogante.

Somos literalmente testemunhas da criação de nossa verve apocalíptica.

Ao despertarem todas as manhãs lembrem-se sempre do fato de que a natureza nos observa impassível, silenciosa, lancinante.