Depoimento de um ex-ex-alcoólatra

Depoimento de um ex-ex-alcoólatra

É difícil assumir que temos um problema. Ainda mais quando esse problema parece nos ajudar constantemente e já faz parte da nossa vida todos os dias, como se fosse um amigo próximo ou um membro da família. O alcoolismo é uma doença pior do que imaginamos. E eu demorei a perceber que o alcoólatra não é apenas o esteriótipo do pinguço caído no passeio no meio da rua ou do pai que bate na esposa e nas filhas e só volta depois de dois dias para a casa que assistimos no Casos de Família. O alcoolismo é um vírus cruel, que está no ar, ao seu lado te contaminando pouco a pouco e que você infelizmente só percebe tarde demais.

“Quem não bebe não tem história”. Não discordo dessa frase. Porém analisem o teor dessas histórias: em todas elas o protagonista se fode. É muito bom contar em uma rodinha que você pegou uma mulher feia porque estava tonto, ou que dançou crew velocidade cinco no palco do Wesley Safadão cover durante o carnaval passado, mas essas coisas deixam uma cicatriz na alma depois de um tempo. E asseguro isso pois meu histórico de merdas oriundas do álcool é imenso. Já fiz todas as atrocidades clichês de tonto, mas as que se destacam é cair de cima do muro da exposição tentando entrar de graça; dormir na braquiara por não saber como voltar para o sítio e ser acordado por um trator; ter meu tênis arremessado na cabeça do baterista do Pedra Letícia; pegar carona com estranhos e aceitar um convite para um “Mexido”, achando que iam me dar comida quando na verdade iam me dar uma comida; dentre outros causos. Enquanto esses fatos divertiam meus amigos, para mim sempre foram um tormento que me assombra todas as horas, em especial quando minha cabeça toca no travesseiro.

Já parei de beber definitivamente para sempre mil vezes. Ninguém me leva a sério quando digo que vou parar (na verdade eu mesmo duvido dessa minha afirmação). Mas agora cheguei a um ponto em que eu preciso parar. Acho que é quando eu me sinto mal bebendo mais continuo é que posso me considerar um alcoólatra. Às vezes passo a semana inteira pensando que no aniversário de ciclano na sexta eu não vou beber. Até passo no supermercado e levo um refrigerante ou um suco, pois vou trabalhar também no dia seguinte. Mas é chegar na festa, aparecer uma garrafa de cachaça, dou um leve trago e quando vejo já estou misturando tudo e acordo em maus lençóis.

Sem contar que o álcool passa a ser o ar que você respira. Quando alguém fala “nossa, vai ter um show sábado, bora?”. Eu automaticamente já penso “o que eu vou beber nesse show? Será que vou de vodka? Quem sabe um rumzinho para esquentar?”. Isso prova o quanto sou controlado por esse vício. Esqueço que além do álcool, terá a diversão do evento, as pessoas que irei conversar, as atrações musicais, dentre outros atrativos. E na maioria das vezes, volto para casa sem saber ao certo com quem conversei, o que conversei, com apenas alguns flashes do show na cabeça e isso é muito ruim, pois mais uma vez estraguei minha noite por causa desse vício maldito.

“Ah, mas é só saber controlar”. Sim. Essa é a solução. Mas para alguém que perdeu o controle há muito tempo, não tem como sair para tomar duas cervejas apenas. E é difícil sair e as pessoas que você mais ama são as que ficam caçoando e tentando te forçar a beber. Sei que é ruim beber sozinho, mas não me importo se alguém está na roda e não está bebendo. Na verdade até invejo essa pessoa. Botando em uma balança, quem bebe gasta muito, come muito, o que gera mais gastos, sofre no dia seguinte de ressaca e gasta um bom tempo se recuperando, além de poder vir a desenvolver problemas físicos mais graves no futuro.

Foi muito difícil tomar essa decisão de parar mais uma vez, e espero que daqui dois meses quando ler esse texto novamente esteja firme nessa decisão. Não é fácil mudar um hábito, sei que a jornada vai ser muito difícil, mas para mim precisa ser algo radical. É oito ou oitenta. Não posso mais me ater a só duas latinhas ou vou beber somente em determinados eventos. Preciso cuidar de mim, zelar pela minha reputação, descobrir uma maneira nova de me amar mais e me destruir menos e acredito que o resultado vai ser positivo no final. Admitir e reconhecer o erro é o primeiro passo para uma mudança, e eu quero mudar. Estou cansado de ter recaídas. Espero muito poder encontrar ajuda e apoio nessa jornada e quando ela aparecer vou abraça-la infinitamente.

Lalinho
Enviado por Lalinho em 25/04/2018
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