PASTORES QUE PRECISAM DE PASTORES: SOBRE O LIVRO "A DOR INVISÍVEL DOS PRESBÍTEROS"

“Sempre amei cuidar de pessoas, dar conselhos, dar aulas de música, mas, quando assumi, percebi que não era só isso. Toda a responsabilidade estava sobre mim. Havia uma dívida de IPTU de seis mil reais... A igreja não era legalizada, o prédio não era próprio. A cobrança das pessoas para que eu resolvesse tudo: as crises nas famílias que eu era chamado para atender, políticos que nos viviam procurando para formar alianças, traições, ingratidão, minha esposa me cobrando, minha filha ficou doente... Meu Deus: entrei em crise! Às vezes ia chorando para a igreja. Os escândalos de pastores famosos que fazem com que as pessoas achem que somos iguais a eles. Não conseguia dormir; queria ficar sozinho o tempo todo. Fiquei dois anos desempregado, não tinha disposição para sair de casa... foi horrível. Cheguei a pedir a morte” (Informação verbal). (p. 34).
(Tiago, 47 anos, pastor da Assembleia de Deus).

“[...] deparamo-nos com pessoas transitando entre a fé e seus caprichos pessoais. Acreditam em Deus, seguem Jesus, quando estão em necessidades imediatas; e na mesma proporção, afastam-se dele quando parece estar tudo bem, ou quando não são contemplados em seus interesses. Dessa maneira, isso causa uma sobrecarga de frustração no líder, que se vê na maioria das vezes fracassado por não haver podido fazer mais, como aquela pessoa queria” (Informação verbal). (p. 40).
(João, 64 anos, há 18 como pastor evangélico).

“A realidade é difícil, porque ninguém nos contou que 'não poderíamos ser amigos' de nossas ovelhas, teríamos que ser mentores, manter a distância da segurança e respeito e, com isto, a nossa carência muitas vezes nos levou a decepções profundas” (Informação verbal). (p. 41).
(Pastora Débora, 45 anos, há nove anos pastora).

Os relatos acima foram coletados pela psicóloga Luciana Campos. Além dos atendimentos realizados em seu consultório, Luciana trabalha no Seminário São José de Niterói, e por longos anos atende padres, pastores, seminaristas, leigos religiosos, e diversos líderes veiculados a religião cristã, que demonstram adoecimento físico e mental pelas atividades exercidas provenientes de suas vocações religiosas.

Nos anos de 2016 e 2017, a mídia noticiou o caso de seis líderes religiosos vinculados à religião cristã (três padres e três pastores) que cometeram suicídio, algo que levou centros de formação pastoral espalhados por todo Brasil e promoverem grupos de estudos e palestras relacionadas ao assunto.

De uma importância fundamental o livro: “A dor invisível dos presbíteros” traz aos leitores brasileiros informações imprescindíveis, oportunas a todos aqueles que de alguma forma estão envolvidos com a vida religiosa. O estudo é dividido em três pastes com alguns materiais em anexo, que ajuda ao líder religioso compreender importantes aspectos de sua saúde física e mental muitas vezes tão negligenciadas durante suas atividades diárias.

De início, a autora traça um breve mapeamento quanto a determinadas variáveis psicológicas presentes em todos os vocacionados a vida religiosa cristã, neste caso padres e pastores especificamente. Luciana constata que, todas as dez pessoas analisadas relacionam de alguma forma a vida religiosa com noções muito presentes tanto na vida militar, assim como nas atividades profissionais que desenvolvem o cuidado com o outro (psicólogos, assistentes sociais, cuidadores, etc). Estas noções são basicamente a de “disciplina” e “alteridade”.

É importante observar que “disciplina” e “alteridade”, embora sejam virtudes a serem observadas, sobretudo em nosso presente século, podem se converter muitas vezes em mecanismos autodestrutivos. Submeter sua vida (corpo e alma) a intensos exercícios de abnegação, assim como a falta de atenção com tudo aquilo que é propriamente humano, que por pior que seja, faz parte da vida de todos os indivíduos, leva a consequências muitas vezes irreparáveis.

Todos os seres humanos, vocacionados a vida religiosa ou não, são pessoas detentoras de desejos, falibilidade, medos, alegrias pessoais, e tantas outras coisas “profanas” aos olhos de muitos líderes religiosos. A autora não se mostra contrária as devidas obrigações morais necessárias para a vida de um líder eclesial, no entanto nos alerta quanto ao fato que é comumente observado, onde a vida eclesiástica é vivenciada em detrimento da vida humana.

Em seu segundo capítulo, Luciana trabalha as questões envolvendo a Síndrome de Burnout, um adoecimento psíquico e emocional proveniente de condições de trabalho físicas e psicologicamente desgastantes. Por mais que a vida pastoral se alimente de realidades doadoras de sentido, esta não está imune a síndrome que tem levados muitos pastores e padres a romper com o pastorado.

Muitas são as causas referente a este adoecimento por parte dos vocacionados a vida religiosa. A que me chamou atenção foi a discrepância vivida entre a idealização da vocação e a realidade institucional apresentada. Aquilo que era almejado para liderança religiosa, durante a formação dos candidatos, se apresenta em descompasso com a realidade das igrejas, muitas das vezes submersas em hierarquias e burocracias totalmente esvaziadas dos valores aprendidos durante o seminário.

É importante salientar também que, toda a crise vivida pelos líderes religiosos implica no clérigo de duas formas: internamente – referente a sua subjetividade afetada, e externamente – pois, como líder ele acaba tendo consequências comunitárias quanto as suas decisões e dificuldades. Pedro, ex-pastor evangélico relata:

“Eu queria colocar uma bermuda e ir á padaria, mas tinha receio de encontras pessoas. Tinha medo do que iam pensar. Segunda é dia de todo mundo começar a trabalhar e eu estaria ali, de bermuda. Iam dizer que eu não trabalho. Ali o pastor, sem fazer nada, e de bermuda! Iriam dizer” (Informação verbal). (p.45).

“Somente o necessário (Mogli, o menino lobo) é muito bom, e o extraordinário (que é demais) também pode vir, mas não quero deixar de apreciar as flores das calçadas” (p.52). A frase de Pedro abre o último capítulo da obra que dá algumas orientações quanto à prevenção e o acompanhamento de líderes afetados, ou prestes a adquirir a Síndrome de Burnout.

O cuidado e a prevenção são semelhantes aos realizados com qualquer pessoa que tenham sintomas de depressão: alimentação saudável, exercícios físicos, a busca de um profissional especializado (psicólogos, terapeutas ocupacionais, e até mesmo outros líderes religiosos). A autora destaca a necessidade de padres e pastores serem mais assertivos, não abrindo mão a todo o momento de suas necessidades e dificuldades em nome de uma autodisciplina ou cuidado com o outro. Desenvolver amizades sólidas e atividades de doação de sentido também externas a igreja: reunião de amigos, prática de esportes, lazer (que é diferente de descanso) também é muito importante.

Nossos líderes religiosos não são onipotentes. E conforme afirma Luciana: “Somando excessiva autocrítica, pouca assertividade, dificuldade de delegar tarefas, tendência ao autossacrifício exagerado e pitadas de perfeccionismo, e temos uma receita infalível para o adoecimento”.

Que Deus abençoe nossos líderes!