Por que os bons sofrem?

Muitos já devem ter tido a sensação de que é muito mais fácil prosperar fazendo o mal do que o bem, e que aqueles que agem com boas intenções sofrem, enquanto os de má intenção ou caráter parecem não sentir o peso de suas ações. A questão que fica é: Por que o mundo parece tão injusto? Para entender melhor por que isso ocorre, acredito que seja necessário refletir sobre alguns conceitos, como Vontade, Poder, Bem e Mal. Por isso, farei uma breve explanação do meu ponto de vista, considerando os aspectos acima citados.

Em primeiro lugar, a coisa que nos move e nos motiva guiando-nos para os mais longínquos, belos e verdes prados primaveris de uma Terra límpida e fascinante é a Vontade. Aquilo que eu chamo de vontade é o impulso da vida o qual carrega, em si, um senso de direção, rumo à complexidade. Nós somos seres complexos, portadores dessa vontade - que também poderia chamar de potência. Tais vontades possuem intensidades, as quais podem ser fortes ou fracas. Porquanto, o segredo do estado atual de coisas está precisamente na relação entre elas, caracterizadas por um conflito derivado de seu desequilíbrio natural.

De acordo com a intensidade da vontade ou potência de um indivíduo (forte ou fraca), ele tende a agir de modo desvirtuado, cometendo algo que aqui chamarei de "pecado". O maior “pecado” das vontades fortes é a vaidade, enquanto o das fracas é a inveja. A inveja é o desejo - às vezes colérico - de possuir um objeto que pertence a outrem ou que simplesmente não pode possuir, enquanto a vaidade se manifesta pelo sentimento de superioridade, desprezo aos fracos e pelo forte apego às posses materiais. Não desejo aqui reprovar ou julgar esses dois tipos de conduta, e sim quero classificar dois tipos de comportamento bastante comuns, mas que contém potenciais verdadeiramente destrutivos. Não é errado desejar, não é errado supervalorizar um objeto ou a si mesmo, isto é, o próprio ego. Porém, vale lembrar que existem mais de sete bilhões de pessoas no mundo e os recursos são escassos. Além disso, cada vontade possui o seu próprio desejo e ambição, a qual, inevitavelmente, sempre entrará em conflito com as ambições e desejos de outras pessoas. É nessa interação que surgem as definições de Bem e Mal.

Mantendo a linha de raciocínio desenvolvida até aqui, e aplicando um senso de moral sobre a maneira como a vontade lida com o mundo ao seu redor, podemos dizer que muito daquilo que o homem considera “Mal” ou errado, é pelo simples fato de ser incapaz ou impossibilitado de ter, ou de ser quem realmente é, seguindo a sua própria natureza, devido a pressões e conflitos internos ou externos. Nesse sentido, o "mal" possui um viés relativo, pois depende da visão que o homem forma de certo objeto, a qual depende, em parte, de sua capacidade de obtê-lo. O conceito de mal está relacionado ao caos, desordem, destruição, mas também ao sentimento de impotência (caracterizado aqui pela inveja), pois esta gera sofrimento ao homem, sendo, portanto, rejeitada por ele. No caso do vaidoso, o mal está na perda de poder, status, e visibilidade, e em tudo aquilo o que ameaça a sua existência. Já na outra via, o "Bem", o que vale para todos, é tudo aquilo que garante sucesso ou a satisfação de um desejo da vontade do indivíduo.

Porém, uma vez que a moral é dependente da ética de cada indivíduo, que varia de acordo com a intensidade de sua vontade, quem pode dizer o que é bom para a sociedade, isto é, para todos? O fato é que quem determina o que é bom, mau, certo ou errado, é aquele que possui a maior vontade individual e poder. Às outras vontades, mais fracas, resta aceitar ou desafiar essa vontade superior. Para constatar esse fato, basta olhar para o passado. Quando uma autoridade poderosa era questionada ou uma vontade maior surgia - como um reino ou nação mais poderosa - um ciclo era quebrado, fosse ele de paz ou escravidão, e outro logo se iniciava. E no meio do processo, sempre havia guerras, golpes e revoluções.

Em suma, o mundo é um lugar onde forças - vontades - colidem o tempo todo para serem maior ou melhor do que as outras. Essa é a natureza humana. No entanto, o que a história nos mostra é que quando há paz e conforto, exceto no caso de conflito de interesses e disputas por poder, a vontade da maioria não luta, e aceita ser subjugada (basta recordar o longo período de duração do feudalismo). Mas, por que será isso acontece? Quando você está no topo do mundo, automaticamente, se torna responsável por dizer ou mostrar aos outros o que é certo. Seja por bondade ou tirania, um grande líder, rei ou imperador consegue comandar uma multidão de vontades por que ninguém mais está disposto a assumir a Responsabilidade perante tal posição de destaque, isto é, pela sua existência e pela existência de seu povo. (A riqueza e a pobreza são resultados desse conflito e desequilíbrio entre as vontades de todas as pessoas do mundo). Ou seja, as pessoas tendem a se submeter por que é mais fácil, conveniente.

A essa altura, você já entendeu que a definição de bem ou mal é relativa às vontades das pessoas que a utilizam, o que pode ter deixado a impressão de que é impossível conciliá-las. Contudo acredito na existência de um critério para definir qual moral deve ser seguida por todos. Eu penso que o melhor mundo possível é aquele onde todas as pessoas possam experimentar o máximo de liberdade possível. Nesse sentido, algumas delas teriam que fazer concessões e reconhecer o potencial que há na vontade dos mais fracos. Assim, haveria uma espécie de altruísmo positivo, sem que o egoísmo natural da vontade precisasse sofrer grandes avarias. Entretanto, é extremamente complicado conter esse egoísmo em cada ser humano ou persuadi-lo a fazer concessões quando a vontade é vaidosa. E no outro espectro, existem as vontades fracas ou com potencial mais limitado que não conseguem assumir responsabilidades e se apoiam nas de vontade maior, abdicando de sua liberdade em prol do comodismo (segurança), estabelecendo, assim, uma relação de dominação-submissão.

Enfim, a resposta para a questão inicial está contida no fato de que os "maus", ou seja, os poderosos, vaidosos e egoístas, não são punidos por que os "bons", isto é, os de vontade ou potência menor, consentem e não assumem a sua responsabilidade por fazer as coisas de um jeito melhor. Para defender um mundo mais justo, é necessário lutar por ele, abrindo mão de privilégios e adotando uma postura ativa diante do que considera mal ou errado. Mas, devido ao medo, elas deixam as coisas fluírem, clamando por algo que são incapazes de impor, transferindo seu poder (capacidade de agir) para autoridades, as quais, muitas vezes, não possuem nenhum caráter e não se importam com os outros. Tudo é uma questão de vontade e poder. Portanto, como disse Gandhi, se deseja que o mundo melhore, seja a mudança que quer ver nele e aja, sem medo. Do contrário, o sofrimento jamais findará.