Boff e a vida

Li um artigo bem interessante do Leonardo Boff defendendo que a seta da evolução aponta para a vida, não para o homem. Ou seja, a razão de ser de todas as inacreditáveis interações que tiveram lugar em nosso planeta, ao longo de bilhões de anos, não é o surgimento do homem, meramente, mas de toda expressão de vida. Em qualquer contexto do Universo, presente o mesmo grau de complexidade, a vida também iria brotar naturalmente. Assim, a vida estaria inscrita nas leis do Cosmos.

E parece estar mesmo. A visão de Boff faz com que o cachorro, o pássaro, o tigre e, vá lá, a barata sejam a razão de ser do Universo, tanto quanto o homem. Isso teria implicações no nosso cuidado para preservar as diversas formas de vida que justificam o Cosmos. É uma visão nada comum em meios cristãos, de onde Boff emergiu. Ali o homem é o centro do Universo.

Embora reconhecendo a “emergência da vida”, eu não estou certo de que seja ela a explicação para tudo o que existe. Há algum tempo venho pensando se realmente é necessário fazer a distinção entre vida e não vida. Quando fazemos essa separação, estamos a dizer que a não vida só tem a sua serventia em função da vida. Não é muito diferente do homem que diz que o restante da natureza só existe para servi-lo.

Uma estrela não precisa da vida, há galáxias inteiras que não precisam da vida. E o que nos faz crer que elas só existem e só podem ser justificadas pela vida? Podem passar muito bem sem, e a maior parte do Universo passa muito bem sem a vida mesmo. Não acredito que o ser humano tenha alguma condição de dizer para que é que serve uma estrela ou uma galáxia. E, contudo, também elas são a razão de ser do Cosmos.

A ideia de que a seta da evolução aponta para a vida, e não para o homem, é louvável sob certos aspectos, mas faz acreditar, por exemplo, que não há nada que seja capaz de superar a vida. Quem garante que toda essa vida não tenha surgido apenas para dar lugar a algo que nem fazemos ideia do que seja?

Considerando que o ser humano, aos poucos, está deixando de ser um humano, pela interação com a tecnologia, não poderia a vida se tornar igualmente outra coisa? E, nesse caso, a outra coisa seria a seta da evolução, e não a vida – mero trajeto até ela.

A visão de Boff pretende fazer também com que o ser humano esteja mais atento às questões de igualdade entre a nossa espécie. No entanto, isso já indica, no mínimo, a ideia de nosso domínio sobre a Natureza. Para conseguir o nível de desenvolvimento em que todos possam ser iguais, nós passaremos pela apropriação dos espaços em que há vida diferente da nossa.

Fala-se sobre os nazarenos (não sei se é mito ou verdade) que eles eram nômades pelo simples fato de que, se montassem acampamento fixo, matariam a relva. Os projetos que Boff tem em mente, e a própria evolução do ser humano, são feitos ao custo de muita relva morta.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 16/05/2018
Reeditado em 16/05/2018
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