Coisas que escrevi aos 17 anos

Estive relendo algumas coisas que escrevi aos 17 anos – uma das idades mais incríveis que tive, ao lado dos 29. São crônicas e artigos bastante ruins, e nem seria de se esperar outra coisa naquela época. Mas há alguma coisa que permanece por meio das ideias.

Chama-me a atenção, por exemplo, a negação que eu fazia tanto do capitalismo como do socialismo. Já nessa época eu havia intuído que nenhuma dessas ideologias significava uma vida mais humana e fraterna, e pior, que seriam inclusive opostas a ela. Mas eu não consigo identificar no ambiente em que eu vivia nada que me pudesse me influenciar nesse tipo de postura.

Não havia uma pessoa, nem em casa e nem na escola, que tivesse demonstrado a mim que as duas ideologias não resolveriam os nossos problemas. Eu apenas sabia que era assim. Se é correta a teoria de que todos nos encarnamos várias vezes, seria o caso de pensar que esse meu conhecimento se deve a alguma experiência de vida passada.

Desde então, eu não tenho feito outra coisa que não me afastar das dicotomias fáceis, que não conseguem nunca dar conta da complexidade do real. Sou filho do adolescente que fui, e esse adolescente já intuía coisas cuja origem eu não consigo explicar.

Outro ponto que me chama a atenção é a minha obstinada crítica ao serviço militar obrigatório e, por extensão, a todo o exército, cuja simples existência não me entrava na cabeça. Isso também é uma coisa que não aprendi em casa. Tenho tios que serviram ao exército, e pais que, se bem que não fossem incentivadores, nunca demonstraram a menor crítica aos militares – acredito que simplesmente vissem os militares como parte do jogo que é viver.

E de repente nasce um filho pacifista que, desde antes dos 17 anos, não conseguia sequer cogitar a ideia de ter que servir e pegar em armas, questionando a própria essência do exército. É outro fator, aparentado com o da negação dos sistemas políticos, que surgiu em mim espontaneamente, ou, ao menos, sem que eu consiga traçar a sua explicação.

Novamente, quem acredita em vida passadas poderia atribuir tudo a um conhecimento prévio. O fato é que, depois de um tempo em que tentei aceitar o exército como parte das regras do jogo, eu voltei a descartá-lo, e sob argumentos que, em essência, não são muito diferentes daqueles que eu já intuía na minha adolescência.

Outra coisa que percebo, desde a minha tenra idade, é o desprezo pelo dinheiro e pelos bens que ele é capaz de trazer. Isso talvez seja o mais estranho de tudo, na sociedade em que vivemos: eu não quero ficar rico. Mas meus pais querem, e todas as pessoas com quem convivi e ainda convivo também querem. Como diabos isso foi acontecer comigo? Será que foi uma vacina que deixei de tomar? Naturalmente, também continuei a ser assim na minha vida adulta.

Também noto, nos meus textos dessa época, que já estava latente a minha veia contemplativa. Eu queria ficar assistindo ao céu noturno e achava que todos deviam fazer isso. Depois dos meus 29 anos, o céu noturno é uma das coisas que mais merece a minha atenção. Também nunca tive uma pessoa próxima de mim que demonstrasse o mesmo interesse.

Em que ficamos, afinal? Se essas vidas passadas existem, quem eu fui? Um anarquista místico e inofensivo? Até que seria bacana.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 03/06/2018
Reeditado em 03/06/2018
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