O que não lhe contaram sobre a CAVERNA DO DRAGÃO*.

Todos conhecem aquele desenho animado que fez bastante sucesso no Brasil nos 80 e 90: a Caverna do Dragão. Eric, Diana, Sheila, Bobby, Hank e Presto, personagens principais do enredo, além do Mestre dos Magos e do Vingador, povoaram o imaginário de crianças, jovens e adolescentes ao longo de quase vinte anos enquanto a série foi transmitida em nosso pais.

A história se inicia num parque tipicamente AMERICANO que leva o nome da série, de onde são levados, NUMA MONTANHA RUSSA, para um mundo caótico e desorganizado, PERMEADO DE MAGIA, reinos, demônios, espíritos e guerreiros. E um ponto central: a ausência de deuses contrastando com uma miríade de superstições e crenças. Parece contraditório, mas não é. Superstições e crenças não significam, NECESSARIAMENTE, fé em deuses(ou Deus). Sem entrar no aspecto estritamente político, que é bem claro na abertura da série e no primeiro episódio, já que o desenho foi produzido em plena GUERRA FRIA, a referência à Rússia e à bipolaridade geopolítica da época dão um sinal da riqueza multifatorial abordada pelos criadores do desenho. Religião, política, sociologia, antropologia. Aqui tratarei, se bem que superficialmente, de outro detalhe: O sentido da história e a ausência de Deus.

O mundo para o qual os personagens são atraídos ENQUANTO ESTÃO NUMA MONTANHA RUSSA é comumente chamado de "REINO" ou "GRANDE REINO" em quase todos os episódios. Na verdade, não se trata de um REINO, mas de um PLANETA OU MUNDO, onde há vários reinos, vilas e povoados que parecem não ter nenhuma conexão entre si, seja geográfica, política, ideológica ou cultural. Porém, há algo que os une: o mal. Ou a personificação dele: o personagem vingador, que um dia foi bom. O GRANDE REINO é um travessia pelo mundo antigo e medieval, sem compromisso com a linearidade e a coerência que se esperaria de uma narrativa tão ousada. O que vemos são personagens medievais embutidos em cenários do mundo antigo. Ou personagens do imaginário antigo vivendo no mundo medieval. É uma típica representação do caos, uma desorganização que de, certa forma, representa o mundo dos sonhos, onde tudo é possível, um espaço onde todos se misturam sem nenhum propósito coerente, ao menos a princípio. É o universo infantil em sua forma mais pura. Bem, e daí?

É curioso que neste universo infanto-juvenil, permeado de monstros, espíritos e magia, não haja menção, a mínima sequer, para deuses ou para DEUS. Há apenas a personificação do mal. Mas ela é passageira, contingente, transitória. Não é um princípio. O mundo e as pessoas, no fundo, são boas, até aquelas que estão no lado oposto: o mal. Interessante que uma representação histórica, ainda que caótica e sem a obrigação de ser pontualmente fiel aos fatos, ignore por completo as crenças religiosas dos povos que descreve, exceto quando se trata das superstições mais rasteiras que eles tinham.

Seis jovens tipicamente americanos levariam consigo a cultura de seu povo a outro mundo(não pregando necessariamente). Indiretamente o fazem: com suas roupas que representam, cada qual, aspectos da cultura e da história americana(vestimentas dadas por um personagem que não é, em tese, americano). Contudo, negligenciam completamente DEUS E O CRISTIANISMO. Não há, em nenhum momento da série, o sinal da cruz ou um pedido aos céus, mesmo nos piores momentos, incluindo situações em que os personagens acham que determinada pessoa morreu. Os seis jovens, na verdade, simbolizavam uma nova geração que nascia do embate cultural e religioso daquela época. Os personagens são ateus que veem o mundo de uma maneira muito peculiar: um mundo caótico, dividido por crenças religiosas e políticas, cheio de superstições e monstros(interiores) a serem superados, PORÉM COM PROPÓSITO E SENTIDO. Se conseguiram superar Deus (isso desde o século XIX) e algumas das superstições que agora pertencem ao passado, faltam encontrar o caminho de casa, o propósito da vida e o sentido da história e do mundo. Nunca encontraram, e jamais poderiam ter encontrado. A roda da história não para, é um devir constante. O progresso e o evolucionismo social são meras ideologias que não encontram fundamento quando analisamos a história dos povos.

Cada cultura, cada povo um seu ritmo de vida e o nível tecnológico adequado às suas necessidades. Quando os garotos foram lançados a outro mundo já era um caminho sem volta. A tentativa de voltar para casa é apenas a repetição de uma velha ideia que a moderna antropologia e sociologia enterraram. Mas os jovens ateus ainda acreditam nela.

*Trecho reescrito a partir de uma antiga coletânea de ensaios sobre satanismo e ateísmo na televisão ( Ateus a satanistas nos filmes e desenhos). O texto em tela inicialmente chamava-se "A caverna do Dragão e os sentidos da história", de 2007. Aqui é apresentado apenas um trecho sobre o referido desenho. O texto original é bem maior, e de teor academicista. E de interesse ao público em geral. Selecionei as partes mais acessíveis e interessantes ao grande público.