O POEMA MANUSCRITO

Então, o poema que me pretendes apresentar ainda está em manuscrito? Peço escusas, eu não o posso ver, nem dialogar, porque simplesmente ele ainda não existe. No atual estado, o escrito é apenas inicial garatuja, a intuição derramada através da “inspiração”. Atenta, te peço: para mim, o processo de criação tem dois momentos, o inicial, que é a centelha criativa que aporta ao papel através da espontaneidade ou a tal de inspiração, no qual predomina o sentir emocional; e o outro, o mais importante, que é o que chamo de “transpiração” – aquele em que sobressai a intelecção e com a utilização de seus predicados de “lucidez enternecida”, vem a dar formato definitivo ao poema, que é a materialidade da Poesia. Portanto, o teu poema ainda sequer existe. Aliás, no rigor técnico, ele só passará a respirar a partir do instante em que estiver sobre ele os todos os sentidos do poeta-leitor, a partir de seus olhos, em seu individual e genuíno ato de leitura. Ou através da audição de seu conteúdo. Compreendeste o que te disse? Se queres vir a ser poeta, tenhas o que agora te digo sempre em conta, principalmente à hora da criação da peça escritural. É este o mínimo de seriedade que temos de ter para com a Poética, a qual compreende a Prosa Poética e a Poesia. Esperarei que o poema seja digitado, lambido, acariciado, cortado, engravidado, molhado de lágrimas ou de suor ou sangue, e então ele estará um embrião estatelado, um quase-natimorto, pois que largado à própria sorte, ao léu. Desta sorte, eu – na qualidade de leitor – insuflarei nele o necessário fôlego e o farei dar o primeiro respirar público – porque até então ele era matéria inanimada. De repente, o embrião olhará em seu entorno e dará o primeiro grito; quem sabe, talvez, um berro de repulsa direta em relação à realidade com que se topa pela primeira vez. E chorará como uma criança que chega a este plano verbal capaz de tornar veraz (e confiável) um novo mundo assentado na inventiva, na farsa, no irreal, na fantasia, que são matizes que compõem o mundo dos sonhos, e de mudar o território fático em que o humano ser se debate, enquanto criatura animal condenada ao pensar e a dizer o que vê, sente e/ou observa, sempre segundo a sua ótica e concepção. Sem saberes deste conjunto circunstancial-teórico, jamais farás qualquer ajuste ou revisão sobre o rascunho recém-parido, porque esta é linguagem em “sentido denotativo”, e o poema é a linguagem utilizada em “sentido conotativo”. Uma delas simplesmente fala, usa da força da palavra; enquanto a outra meramente sugere através da codificação verbal com que aparece, no texto. Esta é a tal de Poesia – a musa incompreendida. E para que facilites no sentido de que a Poética tome conta do texto ou simplesmente ocorra, terás de descobrir a METÁFORA, que é a utilização do signo, da palavra com seus significantes e significados, com a subversão do original ou genuíno sentido do vocábulo. Sem essa peculiar e importante figura de linguagem – a Metáfora – não obterás versos com Poesia, e, sim, meramente versos. Acautela-te, não tenhas pressa! A Poesia é que nos encontra, mesmo que a procuremos e/ou corramos atrás. É ela que vem ao nosso encontro: solerte, ladina, sorrateira, manhosa, porque é através da metáfora, no ventre do poema, que se esconde a voz do Mistério – o único que faz Poesia nesse mundão regido pelo Absoluto.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/18.

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