Quando setembro vier

A rosa cortada no inverno,

podada pelo ódio até a raiz,

deixou broto para a primavera.

O sol consola os descontentes, mas não os renova.

Triste são as coisas, quando o tédio abate a cidade.

Da boca gelada, um murmúrio em meio ao silêncio.

Palavras roucas buscam um canal,

irritadas e comprimidas pelo tempo,

querem novamente desabrochar.

Símbolos em jornais se multiplicam.

A escuridão da notícia espera pelos

fatos que não se encontram ali.

No céu azul da propaganda,

não se vê o sinistro crepúsculo

provocado por coisas enigmáticas.

Confio mais no bem do meu sono

do que na marcha das palavras

que prometem solução a todos.

Das estrelas irrompe um sopro,

que cresta nas faces e nas praias

como resposta ao meu pranto.

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O poema “Quando setembro vier” pertence ao livro Refúgio da Madrugada (2016). Primeiro da trilogia publicada pela Editora PENALUX que se completa com os livros: Em meio à tempestade (2016) e Neste Tempo de Cólera (2017).

O título do poema coloca o leitor em agosto de 2016 e o posiciona sobre o futuro imediato que se inicia no mês seguinte. A rosa é símbolo da esquerda em vários países europeus como, por exemplo, do Partido Socialista Obrero Español (PSOE) na Espanha.

No inverno de 2016, a esquerda foi tirada do poder pelo impeachment: “A rosa cortada no inverno”. A radicalização política e a polarização ideológica estavam muito presentes no país: “podada pelo ódio até a raiz”. Após a interrupção do mandato presidencial, ainda se permitia ver esperança: “deixou broto para a primavera”. O renascer da democracia em futuro próximo.

Difíceis dias se seguiram, mas a iluminação (pensamento/ideia) não trazia autocrítica: “O sol consola os descontentes, mas não os renova”. O abatimento da esquerda brasileira era muito claro no período pós-impeachment: “Triste são as coisas, quanto o tédio abate a cidade”. Do frio do inverno, apenas lamentos após o resultado da votação: “Da boca gelada, um murmúrio em meio ao silêncio”. Não se acreditava no que havia acontecido, com a punição interpretada como tendo sido descabida e excessiva.

Nos meios de comunicação havia o desejo muito claro de silenciar a esquerda. Não havia lugar para canalizar a voz: “Palavras roucas buscam um canal,/ irritadas e comprimidas pelo tempo,/querem novamente desabrochar.” Não havia espaço para a divergência, pois o novo governo seguia sua Ponte para o Futuro: “Símbolos em jornais se multiplicam./ A escuridão da notícia espera pelos/ fatos que não se encontram ali”.

A esfera com o Cruzeiro do Sul virou logomarca do governo: “No céu azul da propaganda”. O envolvimento direto do vice-presidente, para assumir o poder, cria o problema de legitimidade que depois se agrava com o que ainda estava por vir no avanço das investigações da Lava-Jato: “não se vê o sinistro crepúsculo/ provocado por coisas enigmáticas”.

O eu-lírico do poeta se manifesta claramente ao confiar apenas em si mesmo, pois não acredita que o país está no caminho certo e tampouco nas promessas dos políticos: “Confio mais no bem do meu sono/ do que na marcha das palavras/ que prometem solução a todos”.

Desde então, no sono/sonho, só há a visão das estrelas e o sopro do renascimento (vento da democracia) nas pessoas e nos lugares, como espera o eu-lírico do poeta: “Das estrelas irrompe um sopro,/ que cresta nas faces e nas praias/ como resposta ao meu pranto.”

O poema “Quando setembro vier” é cheio de metáforas e trabalha a intertextualidade com o poema “A Flor e a Náusea” do livro A Rosa Do Povo de Carlos Drummond de Andrade: “O sol consola os doentes e não os renova./ As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase. Vomitar esse tédio sobre a cidade”. Há uma relação mais ampla com o poema “Nosso Tempo” do mesmo livro: “Símbolos obscuros se multiplicam [...] vem um sopro que cresta as faces/ e dissipa, na praia, as palavras”. [...] pessoas e coisas enigmáticas [...] É tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, [...] No céu da propaganda [...] a falsificação das palavras pingando nos jornais [...] num sinistro crepúsculo de sábado”. O mais relevante para entender o poema e que retrata o sentimento do eu-lírico em “Quando setembro vier” está no seguinte trecho de “Nosso Tempo”: “Mas eu não sou as coisas e me revolto./ Tenho palavras em mim buscando canal,/ são roucas e duras,/ irritadas, enérgicas,/ comprimidas há tanto tempo,/ perderam o sentido, apenas querem explodir”.

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Luiz Roberto da Costa Júnior nasceu em Campinas (SP), em outubro de 1968. Morou alguns anos em São Paulo, quando foi estudante de Comunicação Social na USP. Depois que retornou a Campinas, formou-se também em Ciências Sociais e fez mestrado em Ciência Política na Unicamp. É autor de artigos, ensaios e livros nas áreas de cinema, ciência política e xadrez. Funcionário público, atualmente trabalha e reside em sua cidade natal. Autor de uma trilogia poética pela editora PENALUX.

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Análise sobre o impeachment de 2016

O impeachment de 2016 é um tema complexo e controvertido por causa da construção narrativa que não aborda pontos polêmicos de 2014. No final daquele ano, o ministro da Fazenda foi demitido, o secretário do Tesouro assinou uma confissão assumindo toda a culpa e a meta fiscal foi alterada depois de descumprida. Com o término do primeiro mandato, houve a prescrição de eventual crime de responsabilidade por parte do executivo federal. No segundo mandato, a discussão sobre crime continuado e contaminação das contas, entre as gestões, embasa o pedido de impeachment no final de 2015. A discussão política sobre golpe entra em choque com a discussão hermenêutica do ponto de vista jurídico, pois ambas compõem a análise de crime de responsabilidade. Há componentes tanto políticos como jurídicos (ver, por exemplo, a Tese de Doutorado de Paulo Brossard de 1964 sobre o assunto) que podem apresentar interpretações divergentes, em virtude do foco dado aos fatos e a atuação dos atores políticos durante o processo e o julgamento.

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