O que Sansão faz na Bíblia?

Li a história de Sansão em um livro que trata das origens do conto enquanto gênero literário. Li, portanto, com olhos não religiosos. E o resultado foi eu me perguntar como é que uma história dessas entrou para a Bíblia e Sansão mereceu aparecer entre os “heróis da fé” citados no livro dos Hebreus. Pois o homem, claramente, era movido por interesses bem pouco piedosos.

Quem quiser atribuir ao conto veracidade e literalidade também terá, fatalmente, que pintar Sansão como um sujeito bastante estúpido. Dizer que ele foi traído por Dalila não parece verdadeiro. Só seria verdadeiro da primeira vez que em que ela procurou descobrir como tirar as forças de Sansão. Em todas as outras vezes, Sansão já estava consciente do que ela fazia e do que ela pretendia. Essa construção me parece essencialmente literária.

Mas em relação ao comportamento de Sansão ao longo da vida, ele matava com uma facilidade impressionante. Primeiro, o sujeito perdeu uma aposta bizarra e em consequência matou 30 homens que não tinham nada a ver com a história. Depois, quando lhe negaram a esposa que pretendia, jurou vingança contra todos os filisteus. Queimou então todos os campos dos filisteus, valendo-se, para isso, de violência contra 300 raposas. E depois ele pega a queixada de um jumento e com ele mata mil homens.

Esses homens não tinham nada a ver com a frustração de Sansão, mas Sansão matou a todos. O pior não é isso. Se fosse só isso, seria possível dizer que a história de Sansão é um exemplo negativo, de alguém que, recebendo uma distinção por parte de Deus, não soube aproveitar os seus dons com sabedoria. Mas é que, para cometer os seus atos de vingança e crueldade, o narrador da história afirma que “caiu sobre ele o Espírito do Senhor”.

Ou seja, pelo que está escrito, Sansão só cometeu as loucuras que cometeu por ação do Espírito Santo. Na Bíblia que possuo, de cariz pentecostal, há uma nota de rodapé dizendo que, no Antigo Testamento, uma poderosa capacitação do Espírito Santo nem sempre significa uma aprovação de Deus para os atos que a pessoa comete. Naturalmente, a nota de rodapé não faz a menor ideia do motivo pelo qual Deus teria capacitado Sansão justamente nos momentos das suas vinganças.

É muito nítido que o autor da história pretendia dar a entender que foi pela ação de Deus que Sansão fez o que fez. Como isso hoje não é uma coisa muito agradável de admitir, busca-se explicações alternativas.

A força é tirada de Sansão, o que, na minha Bíblia, é o resultado de uma vida continuamente voltada contra os desígnios do Senhor. Mas então vem o momento de “arrependimento” de Sansão, depois que já está preso e cego. O “arrependimento” de Sansão significa o seguinte: “Posso até morrer, mas os filisteus vão morrer comigo também”.

A oração que ele faz a Deus é unicamente para que se lembre dele e o restitua a força para se vingar dos filisteus. E o Senhor dos Exércitos atende ao seu pedido e todo mundo morre. Muito edificante, não? Deus atende ao pedido para que Sansão se vingue do povo filisteu, o mesmo do qual havia matado mais de mil, sem ter nenhum motivo para isso.

Se havia alguma vingança “mais justa” no caso, era a dos filisteus contra Sansão. Não foi assim, entretanto, que julgou o Senhor, pois concedeu a Sansão a alegria de matar mais filisteus morrendo do que havia matado quando vivo. E pronto, lá está Sansão entre os heróis da fé.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 01/09/2018
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