Felicidade - um espaço para alcançá-la

Um dos hábitos mais felizes da minha vida foi um em que eu jogava futebol duas ou três vezes na semana. Às quartas eu ia ao Arena e jogava com um grupo de pessoas. Uns jogadores após o futebol ia animados tomar banho - pois na mesma hora do futebol estava rolando um forró. Eu, por outro lado, após o banho e ia correndo ao Balaio. Lá eu chegava bem cedo (umas nove), comprava uma cerveja de 600 ml, montava uma mesa de ping-pong e convocava quem estivesse de bobeira para jogar. Passava jogando e bebendo no bar. Umas onze horas, no máximo meia noite, eu ia embora dormir. Já fiquei com meninas no Balaio. Mas as quartas eram reservadas para o ping-pong e para a cerveja. Lá tinha um grupo de amigos - a maioria dos quais conheci lá. Muitos se aperfeiçoaram no jogo. Alguns nem sequer bebiam, iam só jogar e conversar. É claro que passei momentos ruins. Já aconteceu de perder muitos jogos, já aconteceu de eu ficar muito tempo esperando e alguns jogadores me darem pança intencionalmente. Se eu pudesse escolher recriar algo para minha vida, algo que eu gostaria de desfrutar para sempre, seriam aquelas quartas.

Lembro como uma época feliz da minha vida. Em ensaio anterior disse que é difícil falar sobre felicidade, pois é apenas uma palavra para mais de um conceito. Há anos me dei conta do paradoxo do hedonismo: fazer o que nos agrada frequentemente nos afasta da felicidade. Se me derem um quilo do chocolate que eu mais gosto e eu apenas obedecesse minha vontade (sem pesar as consequências) iria comer tudo em menos de um dia. Isto me daria muito prazer, mas a felicidade estaria tão distante quanto antes de eu desembrulhar o primeiro pacote. Se o Balaio fosse recriado e eu conseguisse recriar o combo fut + ping-pong + cerveja certamente isto me deixaria mais feliz. O que estas quartas tinham de especial que falta ao quilo de chocolate?

Emily Esfahani Smith defende que correr atrás do sucesso nos afasta da felicidade. Conheço uma pessoa que tem tudo o que a sociedade nos educa a cobiçar: uma esposa linda, uma família querida, um salário extraordinário e muitas posses. Entretanto quando recebo notícias dele é dizendo que está deprimido. Dizer que dinheiro é insignificante, entretanto, seria ingênuo. Ele importa de maneira diferente para a felicidade vivida e para a felicidade lembrada. Em relação à vivida Dan Ariely mostra que a falta de dinheiro traz infelicidade: ele dá o exemplo de alguém que tem dor de cabeça e nem sequer consegue pagar por um remédio. Após um determinado patamar de renda o acréscimo de riqueza não se relaciona com felicidade vivida - aquela que vivemos a cada momento. Já em relação à felicidade lembrada o acréscimo de renda se relaciona à felicidade. Quanto maior a riqueza mais as narrativas da própria vida são boas. Ou seja, de maneira direta a falta de uma renda mínima atrapalha o que vivemos a cada momento. Mas a partir de um determinado patamar o acréscimo de riqueza é insignificante para a felicidade. De maneira indireta o aumento de renda sempre aumenta a felicidade: ela melhora a narrativa a respeito de nossa própria vida.

Tanto a busca por dinheiro e sucesso como a corrida hedonista para preencher cada momento com prazer são insuficientes para a felicidade. Emily defende que a felicidade se alcança através de uma vida significativa. Através de quatro pilares a alcançamos: pertencimento, propósito, transcendência e narrativa. Pertencimento é ser parte de um grupo maior: uma família, um grupo de amigos, uma igreja. Propósito é fazer algo para um bem maior: veganismo, libertarianismo, uma religião. Transcendência é um estado de espírito que alcançamos ao dedicarmos toda nossa atenção a uma prática: desenhando, pintando, escrevendo, meditando, editando. Narrativa é a maneira que falamos a respeito da nossa história. Mesmo sendo restrita pelos fatos temos enorme liberdade em atribuir significado através da elaboração de como os fatos se deram.

Gostei muito de uma palestra que Emily deu no TED e sua opinião me parece intuitivamente correta. Entretanto ignoro sua fundamentação empirica. Mas sei que psicólogos como Dan Ariely atribuem um peso muito grande a atividades sociais à sensação de bem estar. E há anos (inclusive escrevi um ensaio sobre isto) acredito que o romantismo da vida se deve mais à maneira que ela é contada do que à que ela é vivida. Também acompanho diversos experimentos em que Dan Ariely mostra como atribuir significado ao que fazemos é gratificante. Ou seja, fazer é gratificante! Ele fala do efeito Ikea: Dan comprou um móvel e à muito custo o montou. O resultado ficou inferior ao de um profissional (ou a uma montagem de fábrica). Entretanto ele percebeu como se afeiçoou ao móvel que montou. Através de experimentos Dan constatou que as pessoas gostam mais do que fazem do que do que compram já feito.

Aquelas quartas que eu ansiava tanto me davam mais do que momentos de prazer - que o chocolate também me daria. Através do futebol e do ping pong me proporcionavam a transcendência. Os amigos de lá me proporcionavam o pertencimento. Gostaria de reproduzir aquela sensação e ainda somar o poder narrativo! Eu pagava para jogar bola, para estar com gente legal. Eu gostaria agora de criar um espaço destinado a criar uma vida significativa: um lugar em que veremos gente legal (dando oportunidade a criar o pertencimento), onde teremos a oportunidade de concentrar nossa atenção na prática artística (dando oportunidade à transcendência), e onde aprenderemos a criar narrativas. A ideia é aproveitar minha experiência como realizador de vídeos e criar um espaço em que nos encontraremos com o objetivo de realizar animações, ficção, clipes de música e qualquer peça audiovisual que os participantes desejarem. Será uma oficina teórica e uma oficina prática. Sempre ao orientadas à realização de um produto autiovisual, sempre orientado a ser uma espaço para a convivência construtiva. Vamos comigo?

Chico Acioli Gollo
Enviado por Chico Acioli Gollo em 23/09/2018
Reeditado em 23/09/2018
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