Sobre a arte de escrever.

Eu estou dentro do meu quarto, aqui não tem nada para fazer, por isso decidi escrever um pouco. Não tenho nada em mente, minha única ideia é escrever qualquer coisa. Só quero que o tempo passe e que essa noite de tédio acabe logo. Tomei a decisão de começar esse texto após ter lido algumas das cartas escritas pelo poeta francês Rimbaud. Em uma das cartas, enviada para sua mãe, ele diz o seguinte: “Ainda bem que essa vida é única e não existe outra igual, porque eu não suportaria viver outra vida como essa.”... Geralmente, ao ler um livro, seja qual for, sinto a necessidade de escrever. Não sei por qual motivo, mas sempre enquanto estou com um livro na mão, tenho a sensação de que escrever é a coisa mais fácil do mundo. Porém, ao pegar um caderno e uma caneta, percebo o quão difícil é escrever algo relevante e minimamente interessante. Na minha cabeça, os meus pensamentos parecem de grande profundidade, mas quando os escrevo no papel vejo como eles são supérfluos e dispensáveis. Isso me faz pensar em um personagem de um livro cujo nome não me recordo, que costumava dizer o seguinte: “Deus é uma máquina criadora, uma máquina cuja única função é criar, ele cria os seres e as coisas sem nenhum tipo de propósito, finalidade, moral, etc. Ele não pensa em nada, apenas cria de forma orgânica, constante e infinita. Mas, como na alquimia, quando duas substâncias se misturam e, por acidente, geram uma terceira substância, da mesma maneira aconteceu, por engano, de Deus ter acidentalmente colocado dentro da cabeça do homem o pensamento. Ou seja, não era para o homem pensar, o pensamento não é mais que mero acidente, tanto que os animais, os minerais e os vegetais vivem em harmonia com a natureza, não necessitam de nada além do que a natureza lhes oferece, enquanto que, ao homem, a natureza não lhe basta, justamente por culpa da sua faculdade de pensar. É o pensamento que o faz sentir necessidade, e, consequentemente, sofrer pela falta. Quanto mais o homem pensa, mais longe ele está da felicidade.”. Quando eu escrevo penso exatamente o mesmo: todos os meus pensamentos, as minhas ideias, as minhas reflexões, não são mais que erros grosseiros.

Ainda assim, por não ter nada para fazer, continuo escrevendo. Se eu parar agora, terei de me entreter com outra coisa, mas todas as outras coisas me entediam sobremaneira. Por isso, pretendo seguir escrevendo até desmaiar de sono. Ou seja, eu estou escrevendo para não morrer de tédio e não ter de pensar. Esse é o único momento no qual não preciso pensar em absolutamente nada, apenas deixo os meus pensamentos correrem soltos pelo papel como a água do rio flui naturalmente em direção do oceano. Por vezes, sinto como se eu estivesse em um barquinho – ou em uma caravela! – navegando por essa torrente de pensamentos, sem nenhum controle sobre a situação. Essa sensação advém do fato de eu nunca saber o que os meus pensamentos vão dizer. Essa imprevisibilidade, certamente, para mim é uma das coisas mais excitantes da escrita, pois pressupõe uma liberdade de criação. Não há nada melhor que ser livre, isto é, poder escrever sem pensar em nada. Por isso, agradeço a sorte de eu não ser ninguém, em razão de que o anonimato me permite não ter responsabilidades com um eventual público, diferentemente dos grandes escritores cujos escritos são lidos por milhares de pessoas. Se os homens colocassem os olhos sobre mim, seguramente meu único desejo seria me esconder e ficar calado. No entanto, como eu não existo para o mundo, eu me sinto livre para escrever o que eu quiser, pois não tenho a responsabilidade de comunicar nenhum tipo de conhecimento para ninguém, afinal ninguém espera nada de mim, então posso me dar ao luxo de brincar com as palavras como uma criança brinca com a areia da praia. Oh, como deve ser horrível ser levado a sério! Prefiro, mil vezes, ser ignorado do que ser venerado. A liberdade do fantasma – quer dizer, de um ser invisível, anônimo, marginal, desconhecido, etc – é superior à liberdade do homem da sociedade, ainda que esse homem seja Rei.

É preciso, entretanto, esclarecer uma coisa: eu realmente acredito que o anonimato é a maior de todas as dádivas da vida, porém, utilizando a metáfora da criança e a areia, eu ainda acho melhor brincar na praia acompanhado de um amigo do que não ter ninguém para brincar. Ou seja, a meu ver, o escritor não precisa de uma multidão de admiradores e etc, mas também não necessita morrer na solidão e no isolamento, o ideal seria tão somente a companhia de um amigo, pois é muito mais divertido brincar com alguém do que sozinho. Portanto, meu único desejo consiste em encontrar alguém para brincar com as palavras comigo, já que, para mim, escrever é apenas uma brincadeira, sinônimo de diversão, uma volta à infância. Enfim, eu não sei nada sobre a arte da escrita, eu só me importo em construir castelos de areia antes de destruí-los como uma criança brincalhona.

Assim, eu passo as minhas noites, criando impérios deslumbrantes, fazendo soldados em miniatura batalharem entre si em uma guerra bárbara, antes de destruir tudo o que foi cuidadosamente criado nas minhas noites sem fim.

Carlos Gadamer
Enviado por Carlos Gadamer em 29/10/2018
Código do texto: T6489606
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