Nascimento

Nascimento

Suely Domingues Romero Hauser

De gestação tardia padecia a jovem mãe nem tão jovem assim. Ser mãe era um desejo, quase uma necessidade moral. Para ela que sonhara mais que um sonho impossível, o tempo passava rápido demais e o envelhecimento natural do corpo mostrava-se como um impeditivo real quase legal de que não era mais tempo de esperança e sim de concretudes. Realizara muitos sonhos de infância, viajara, fizera os cursos que desejara e casada há tempo suficientemente razoável para consolidar um relacionamento capaz de gerar filhos, a gravidez era a cereja do bolo de um relacionamento perfeito.

Tia de muitas sobrinhas e até de um sobrinho-neto, ela vivia a implacável pressa do tempo. Por vezes já não sabia se queria ser mãe realmente ou se era uma exigência da sociedade a quem ela obedecia rigorosamente. Fato é que a gravidez ocorreu depois de muitos esforços. Nada vinha para ela de graça e por isso o ato de gerar um filho não seria uma exceção. Perguntava-se a si mesma quando nascera o desejo da maternidade. Era, na verdade, a frustação de ver todos os irmãos formarem suas famílias com filhos? Era a presença de uma criança em sua casa a quem deveria educar, acolher e doar sua vida que lhe faltava como pessoa? Nascer, um verbo transitivo indireto que pressupõe aptidão, finalidade de, derivação. Mas, será que ela estava preparada para tamanha responsabilidade? Teria ela a vocação de ser mãe? Na sociedade moderna, esse questionamento é totalmente pertinente. Fosse em tempos passados, ela não teria a opção de não o ser. Mas ainda sim a questão era se ela estava apta. E que mulher pode afirmar com tamanha convicção que esse momento existe? Nascer, verbo intransitivo. Surgimento, rebentação, encarnação, aparecimento. Não, para ela não dava mais tempo de esperar pela surpresa de se ver grávida. Seus hormônios diminuíam a cada dia e as tentativas de gravidez não estavam mais tão confiáveis. Ela e o marido resolveram optar pela ciência. Ainda sim a providência divina precisava estar em concordância. E estava. Depois de um breve tratamento, ela estava grávida de verdade. Resultado positivo em mãos, o acontecimento tão desejado era agora uma realidade. Mas, ela ainda precisava esperar o tempo da gestação. Nesse processo, ser mãe ainda é algo muito pouco concreto. A barriga, aos poucos vai aparecendo e revelando a todos a existência de uma mãe. Ou a mãe já existia antes da barriga? A grande questão para ela era saber quando de fato se tornara uma mãe. Agora todos que a viam com aquela imensa barriga sabiam que ela era mãe..., mas ela já sabia disso ainda quando o filho era um sonho. Passou por todos os sintomas da gravidez descoberta como trigemelar. Enjoos, vômitos, pressão alta e tudo que mais ela tinha direito. Afinal, ela não era uma simples mãe. Era uma trimãe que teria as filhas antes do tempo, claro, porque não era possível numa estatura física tão pequena segurar a gestação por 40 semanas. Assim, as bebês prematuras lhe chegaram nos braços muito antes do tempo previsto e claro, em sua pressa de se ver mãe, não podia ser diferente. O tempo da espera foi menor do que o normal. Mas o que pode ser determinado como normal ou antes do tempo quando se trata de um sonho? E quem pode julgar os métodos, os meios, as escolhas e o momento dele acontecer? Para ela, a transitividade do verbo pouco importava agora, mas ela percebeu que, no caso dela, o verbo era transitivo. Transitar passou a ser para ela um fenômeno não mais sintático, mas uma rotina de ir à maternidade, três vezes por dia para a visita e amamentação. O tempo apressado que trouxe as bebês ao mundo prematuramente agora era vivido nas incubadoras à espera do peso ideal para a alta hospital. E, cada dia importa muito para quem está num lugar como uma unidade intensiva de tratamento. Ali se aprende o valor do respirar, das horas, do amparo, das lágrimas, do acolhimento, da espera em si. E tão brevemente se descobre que a espera da lagarta em virar borboleta é um longo aprendizado e que ser mãe é uma transformação.

SUELY ROMERO
Enviado por SUELY ROMERO em 12/12/2018
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