O FENÔMENO “POESIA” E “NARRATIVIDADE” E A HISTÓRIA DE SUAS FINALIDADES: FICÇÃO E REALIDADE

1.1- O que é “poesia” e “narratividade” e quais são suas finalidades

A narratividade e a poesia são artes da palavra e a palavra é a unidade da língua, logo esses fenômenos, assim como a língua que eles utilizam, são um instrumento de comunicação e de interação social. “(....) a poesia é lida de uma maneira e a prosa, de outra, e, portanto, pela prática distinguimos poesia de prosa” (AMORA, 1992, p. 15).

Segundo as descobertas arqueológicas, é possível informar que as cerimônias religiosas, foram as primeiras manifestações do ato de versificação. Os hinos foram, a origem de fórmulas simplistas ou breves invocações nas quais o ritmo favorecia o canto e viabilizava o trabalho memorístico. Desta forma, o poeta era considerado um homem superior. Evidencia-se a figura dos aedos, que inicialmente auxiliavam na realização de cultos e cantavam hinos em festas e sacrifícios, mas posteriormente no século X a. C. passaram a ser uma espécie de trovadores que percorriam as cidades e palácios divulgando os seus contos que se tornaram um ornamento indispensável dos banquetes solenes. Eram caracterizados por composições narrativas sobre as proezas de heróis, antigos deuses locais ou fundadores de cidades e personagens semidivinos para os Gregos. Estes recitativos eram ainda bastantes curtos, com regras fixas que eram na verdade, episódios distintos de uma mesma lenda, na maioria das vezes enriquecidos com novos episódios ou por uma produção mais ampla de outros.

A poesia é composta de palavras que juntas formam um contexto interpretativo e plurissignificativo, apelando para o conhecimento de mundo do leitor, para uma leitura minuciosa e detalhista.

A poesia é um tipo de linguagem, que manifesta o seu conteúdo na medida em que é formada, ou seja, no momento em que se define a expressão.

As doutrinas relacionadas a natureza da poesia começaram associadas à idéia de mimese, ou imitação. Buscou-se ao longo do tempo conceituar e apontar as características fundamentais do fenômeno poesia. Deleitar e comover seriam os objetivos, os desejos e as metas dos poetas. Segundo Massaud Moisés (2004):

(...) a natureza da poesia é fluida, de forma que as suas leis, à Semelhança da leis da Natureza, podem ser reduzidas como princípios genéricos no interior das quais os poetas se movem facilmente, de acordo com a sua própria índole, e sem nenhum empecilho ou coerção. (MOISÉS, 2004, p. 359)

Desta forma os escritores, através de suas poesias transmitem uma mensagem fruto de um determinado contexto histórico, político, ideológico e cultural. Inevitavelmente deixam transparecer na poesia sua impressão pessoal. Não carregando um demasiado valor na sua forma bela, mas na verdade na sua forma significativa.

A poesia por meio do jogo de palavras nos comunica um certo conhecimento de caráter muito especial, o conhecimento de um conteúdo psíquico equivalente com um conteúdo da vida real. Em outras palavras, de um conteúdo psíquico particular, que é identificável com o coletivo. “Quando lemos um bom poema, pensamos que também nós poderíamos tê-lo escrito. Que esse poema preexistia em nós” (BORGES, 1999, p. 288). O leitor consegue identificar-se com o conteúdo da poesia, como sendo o próprio autor. A poesia visa um leitor atento e reflexivo, capaz de viver no silêncio e na meditação de seu sentido.

O verso não pode ser entendido como um recurso exclusivo e caracterizador da poesia. Uma vez que, sempre que se observasse um texto em verso, teria-se a poesia. A poesia nem sempre expressa-se em versos, pois é possível encontrar um texto em verso que não seja poesia e a poesia não apresentada em um texto escrito em verso, a exemplificação do poema em prosa. Aristóteles claramente chamava atenção, na Poética, que o emprego do verso não torna ninguém poeta.

A poesia correspondia à livre expressão do “eu” por meio de metáforas, tomada de figuras de linguagem, significantes carregados de mais de um sentido, ou conotação sendo estabelecida pelo contexto. O “eu” do poeta, matriz do seu comportamento como artista sobretudo da palavra, volta-se para o seu interior, adotando uma posição de sujeito e de objeto, portanto, introverte-se, auto-analisa-se, faz-se como um espetáculo e espectador ao mesmo tempo, como se estivesse perante um espelho, atravessando suas idéias, emoções, aflições e expectativas. Na realidade os conteúdos expressos pelo “eu”, as representações mentais nas quais se gravou a vida real, a realidade objetiva, servem para transpô-las na poesia, mas não é a realidade concreta que lhe importa, mas a sua sensibilidade diante da interpretação dos fatos da realidade física.

A poesia organiza-se em torno de uma exclusiva personagem, o próprio poeta. Que menciona fatos ligados a sua vivência pessoal, a história, a sociedade, ao mundo que o cerca. Logo, transmite uma carga de conhecimento de nível coletivo, mas que também deixa sua marca de pessoalidade, que vem caracterizar o perfil do próprio poeta. E a pessoalidade em meio a outros fatores que distingue um poeta de outros, isso nos inúmeros estilos literários.

A poesia exprime-se por intermédio de metáforas, dotadas de figuras de linguagem, de conotação. A poesia é na verdade uma linguagem conotativa por excelência, visto que o “eu” do poeta expressa-se por meio de vocábulos que ganham uma nova carga semântica de acordo com o contexto. A carga semântica da poesia vem revelar a complexidade emotivo-ritmica-conceptual do “eu” do poeta.

As palavras empregadas na poesia, em conjunto formam uma idéia com o intuito de preencher as lacunas do “eu” do poeta, as emoções e pensamentos que o povoam. As rimas, ritmo, melopéia ou musicalidade buscam exprimir o interior do poeta.

O conteúdo emotivo-conceptual do poeta foge aos parâmetros da lógica formal. O tempo não corresponde a um sistema cronológico, mas a um presente-eterno.

A cada leitura percebe-se novas facetas:

(....) para o mesmo leitor o mesmo livro muda, já que mudamos, já que somos o rio de Heráclito, que disse que o homem de ontem não é o homem de hoje e o homem de hoje não será o de amanhã. Mudanças incessantes e é possível afirmar que cada leitura (...) que cada releitura, cada recordação dessa releitura renovam o texto. Também o texto é o mutável rio de Heráclito. (BORGES, 1999, p. 284)

A cada leitura surgem novas conotações. A poesia caracteriza-se também pela ausência de narração, não são acontecimentos mas estados, situações do “eu” do poeta que vive solitário, um conflito sem ação exterior, e sim um conflito interior.

A preocupação de idéias de valores podem ser encontradas em outras formas de expressão literária. A literatura desenvolve-se através da narratividade, que incide sobre o estado específico, ou seja, sobre as qualidades intrínsecas dos textos narrativos, apreendidas ao nível dos seus fundamentos semiodiscursivos, que são desencadeados além do estado de uma análise superficial.

A narratividade é um fenômeno de encadeamento de estados de transformação, inscritos no discurso. Sendo a responsável pela produção de sentido do texto, trabalhado por um determinado autor. A narratividade reflete sobre fatos ligados a uma cultura, a uma sociedade, a um povo, a uma ideologia, a uma determinada realidade, a uma identidade pessoal, ou seja, menciona uma reflexão a um contexto idealizado, ligado ao metafísico, ao transcendental ou também fruto de uma observação de dados da realidade objetiva. Logo, a narratividade é responsável pelo pricípio organizador de todo o discurso.

O fenômeno narratividade relaciona-se com a instância do receptor:

(...) a narratividade de um texto depende da media em que o texto concretiza a expectativa do receptor, representando totalidades orientadas temporariamente, envolvendo uma qualquer espécie de conflitos e constituídas por eventos discretos, específicos e concretos, totalidades essas significativas em termos de um projeto humano e de um universo humanizado. (REIS & LOPES, 1988, p. 70).

Desta forma, a narratividade segue um estado organizado temporalmente, que pode seguir um tempo cronológico ou psicológico. Englobando um determinado conflito que segue uma linha de eventos que se ligam entre si. Refletindo noções de um universo humano, com funções socioculturais e um grande aparato de enquadramentos pragmáticos.

A poesia e a narratividade acionam no leitor diversas finalidade de relacionar o texto literário e sua praticidade no contexto sociocultural. A atividade de leitura é propiciadora de uma experiência única com o texto literário, que se responsabiliza pela formação do leitor. A literatura associa-se então à leitura.

A experiência de leitura vem ser uma das finalidades da literatura enquanto forma de expressão, que se utiliza da linguagem verbal, constrói um mundo coerente e compreensível, consequentemente racional. Esse universo vem se alimentar da fantasia do autor, que elabora suas imagens interiores para se comunicar com o leitor.

A literatura provoca um importante efeito no leitor, a fantasia. O efeito imaginário suscita um posicionamento intelectual, visto que o mundo representado no texto, mesmo distanciado do tempo ou representando diferença enquanto invenção, produz um inevitável reconhecimento em que lê. Logo, o texto literário introduz um universo que, por mais distanciado da vida rotineira, influencia o leitor a refletir sobre sua rotina e a incorporar novas experiências.

O leitor ao penetrar no texto, expande as fronteiras do seu conhecimento, porque o absorve por meio da imaginação decifrando-o por meio do intelecto, fazendo uso do seu conhecimento de mundo. Por isso, a literatura é uma manifestação artística completa. O leitor tem seu sentido de mundo aumentado, graças às vivências transmitidas pelo texto. Assim, o leitor tende a enriquecer-se culturalmente graças ao seu consumo.

O âmbito da literatura abrange além do individual, o social e a coletividade. Sendo que o leitor inclina-se a socializar as experiências, trocar as conclusões com as de outros leitores, onde juntos vão discutir as preferências, pontos distintos. É evidente que não se pode cogitar que se trata de uma atividade egocêntrica. Inicialmente é desenvolvida solitariamente, mas depois de posse de certos conhecimentos, o leitor por meio do texto literário é influenciado a desenvolver uma situação de igualdade com outros leitores, pois todos podem assimilar, sentir e serem capacitados a tornarem-se praticantes do consumo, do manuseio dos textos literários. Uma simples poesia, com poucas palavras, pode exprimir uma mensagem muito significativa, promovendo futuramente o diálogo, a troca de conhecimento entre os homens. É importante mencionar que o texto artístico talvez não ensine nada, nem pretenda isso, o que significa que o seu consumo induz práticas socializantes e democráticas.

Um texto literário pode ter a finalidade de entretenimento. Servir apenas como um deleite. Como uma forma de preencher uma lacuna no tempo, promovendo uma leitura prazerosa, descomprometida com qualquer objetividade.

1.2 – A denúncia das mazelas sociais na “Poesia” e na “Narrativa”

A difusão da literatura na sociedade possui várias finalidades, entre as quais um tratado social, preocupando-se com fatores intrínsecos a sociedade. Neste sentido, a poesia e a narrativa possuem uma íntima relação com o social. Denunciando o abandono humano, a falta de dignidade humana, a inexistência de prestígio social, a desumanização do ser humano. É notável que aspectos sociais envolvem a vida literária nos seus diferentes momentos.

Cândido (2000), informa que:

“O poeta não é uma resultante, nem mesmo um foco refletor; possui o seu próprio espelho, a sua mônada individual e única. Tem o seu núcleo e o seu órgão, através do qual tudo o que passa se transforma, porque ele combina e cria ao desenvolver a realidade.” (p. 18).

O poeta possui uma sensibilidade ao notar e conceber a realidade em seus textos. Apropriando-se de elementos da realidade, molda seu intento, enriquecendo com mecanismos que chamem a atenção do leitor, como, por exemplo, o uso de uma linguagem mais simples e direta, que atinge o cognitivo do leitor, levando-o a uma reflexão dos fatos sociais, notados na obra literária. Assim, o leitor pode mudar gradativamente sua postura diante da realidade.

A arte literária é uma expressão da realidade. E o seu aspecto social é justamente a preocupação com os problemas sociais. Atualmente dizer que ela exprime a sociedade constitui um verdadeiro truísmo; mas nem sempre foi assim. Houve um tempo em que era uma novidade a relação da literatura com a sociedade. O autor Candido (2000) esclarece que:

No que toca mais particularmente à literatura, isto se esboçou no século XVIII, quando filósofos como Vico sentiram a sua correlação com as civilizações, Voltaire, com as instituições, Herder, com os povos. Talvez tenha sido Madame de Staël, na França, quem primeiro formulou e esboçou sistematicamente a verdade que a literatura é também um produto social (...). (p. 19)

Sendo a literatura, uma forma de produto social, ela vem preocupar-se entre outros fatos, com as condições sociais. Trabalhando a essência humana nos mais diferentes aspectos, focando sobretudo uma denúncia das injustiças sociais. Detendo-se com temas, que podem ser identificados no aspecto local, nacional e universal.

É de suma importância analisar o conteúdo social que as obras apresentam. Que trazem geralmente conteúdos de base em motivos de ordem moral e política, ligados a uma perspectiva socializante. Sendo tratada como social, a literatura depende da ação de fatores do meio, que se apresentam na obra em graus diversos de sublimação, produzindo sobre os indivíduos uma reação prática. Capaz de modificar sua concepção de mundo ou mesmo reforçando neles o sentido dos valores sociais.

A literatura é um sistema simbólico de comunicação inter-humana. Que através da obra, que é um comunicado, transmite ao longo do tempo valores ligados ao homem em conjunto com a sociedade.

A atuação dos fatores sociais varia conforme a intencionalidade e a orientação geral a que obedecem as obras. Podendo apresentar maior ou menor grau de teor de criticidade.

A posição social é um aspecto da estrutura da sociedade e atribui um importante papel ao criador da obra literária. Neste contexto encontram-se uma classe que usufrui de um prestígio social e outra que é estigmatizada, que vive uma verdadeira segregação social, que em alguns casos rouba até mesmo a dignidade de seus integrantes. O artista define essas posições na escala social, trabalhando essas reflexões em suas composições.

Portanto, a poesia e a narrativa levantam reflexões sociais, explorando as ações do homem no meio e suas conseqüências para com os semelhantes. Levando o leitor a uma reflexão dos fatos sociais, mencionados muitas vezes nas entrelinhas do texto, alterando sua conduta diante da realidade social.

1.3 – A Ficção da Realidade e a Realidade Ficcional na Poesia e na Narratividade.

O ser humano não é um ser passivo, que apenas assimila o que se apresenta aos seus sentidos. Na verdade o homem constrói e interfere na realidade. O homem é o construtor do mundo, o edificador da realidade:

(...) na verdade, talvez não devêssemos falar de realidade, e sim de realidades, no plural. O mundo se apresenta com uma nova face cada vez que mudamos a nossa perspectiva sobre ele. Conforme a nossa intenção ele se revela de um jeito. Em linguagem filosófica dir-se-ia que as coisas adquirem estatutos distintos segundo as diferentes maneiras da intencionalidade humana (...). (DUARTE JÚNIOR, 2006, p. 11)

O conceito de realidade é relativo. Depende do ângulo de observação. Construída, forjada no encontro incessante entre os sujeitos humanos e o mundo onde vivem estes sujeitos. Logo, a realidade é notada de maneiras distintas, onde cada pessoa emprega na interpretação, seu conhecimento adquirido ao longo do tempo, fruto de uma cultura, de uma época.

A realidade é tudo o que existe, que é real, que diz respeito às coisas, aos fatos:

“Tudo aquilo que existe, que é real. Conjunto de todas as coisas existentes. Característica ou qualidade daquilo que existe. (...) Quando certos filósofos se perguntam sobre a realidade do mundo exterior, estão se perguntando se o mundo possui uma existência efetiva exterior a nosso pensamento ou se não passa de um conjunto de representações de nosso pensamento. (HILTON & MARCONDES, 2006, p. 235)

A realidade é o que existe automaticamente, desligado do plano imaginativo. Reconhecida ou não, o mundo objetivo apresenta uma realidade que pode agir sobre os indivíduos da concretude.

A construção da realidade é um processo fundamentalmente social. As comunidades humanas produzem o conhecimento de que necessitam e distribuem entre os seus membros e, dessa forma, edificam a sua realidade. É de se notar a relação entre a realidade e o homem.

A qualidade de real ou aquilo que existe efetivamente, que é real, vem ser compreendido em um processo:

O processo de aprendizagem da realidade é denominado socialização. Por ele tornamo-nos humanos, aprendemos a ver o mundo como o vêem nossos semelhantes e a manipulá-lo pratica e conceitualmente através dos instrumentos e códigos empregados em nossa cultura. (DUARYE JÚNIOR, 2006, p. 78)

O homem vive em uma determinada cultura e pode agrupar-se em culturas diversas, e em cada uma pode desenvolver formas variadas de sentir e compreender a realidade.

E quando não estamos perante a realidade, podemos está presenciando a ficcionalidade:

A ficcionalidade (...) definimos (...) como um conjunto de regras pragmáticas que prescrevem como estabelecer as possíveis relações entre o mundo construído pelo texto literário e o mundo empírico, actual (...) (AGUIAR & SILVA 2002, p. 640)

A ficção, sinônimo de imaginação ou invenção, é a expressão dos conteúdos da imaginação. A ficção pode ser transmitida através da palavra escrita. A ficção como sinônimo de imaginação designa a faculdade de criar imagens, ou mesmo representações mentais, ou de combiná-las em uma determinada seqüência. De uma conotação que nem sempre define-se de forma clara e unívoca. “(...) a imaginação consiste na faculdade de unificar todas as coisas, de harmonizar os contrários, de recriar, de idealizar, de uniformizar (...)” (MOISÉS, 2004, p. 235). Assim, “ a imaginação (...) dissocia os elementos da experiência sensível e agrega depois as diversas partes num novo objecto” (AGUIAR & SILVA, 2002, p. 552).

A imaginação constitui um modo de ser coerente de nosso mundo mental, realizando-se por um mecanismo de investigação e de um importante conhecimento da realidade. A imaginação pode se aproximar do real por meio do uso da linguagem humana.

A ficção como sinônimo de invenção, vem ser:

Da perspectiva poética, a invenção corresponde, na teoria clássica (Platão, Aristóteles, Demócrito) à noção de mimese, a arte entendida como imitação da Natureza, não no sentido mecânico e primário de cópia, mas no de reprodução do processo criador que preside o aparecimento das coisas e seres naturais. (MOISES, 2004, p. 244)

Constitui assim, a capacidade de recriar, sintetizar, permear, combinar, condensar objetos e coisas esparsas na mente. O plano da natureza incide para o ego do criador.

Ficção é ficção, é a criação da fantasia, é o fingir centrado em elementos imaginários criados e imortalizados pelas mãos do escritor. Não se discute aqui este elemento, vale ressaltar que a intenção é evidenciar que muitas vezes o autor ficcionista se ata a fatos reais ocorridos na sociedade e os transporta para a ficção com o intuito de os fazer chegar ao público.

O entendimento do escritor por realidade faz um paralelo entre a realidade social e a ficção, no qual ambas se coadunam formando um todo ficcional.

Geralmente, durante a leitura de uma poesia ou de um romance fica a impressão de uma série de fatores que estão relacionados a algumas passagens do texto ou também as personagens da obra, a vida pessoal do leitor, o leitor percebe uma semelhança da idéia trabalhada pelo autor com a realidade. Isto ocorre porque, quando pensamos no enredo, simultaneamente pensamos nas personagens:

A consciência da personagem, seu sentimento e seu desejo de mundo – diretriz volitivo-emocional concreta – é abrangida de todos os lados, como em um círculo pela consciência concludente do autor a respeito dele e do seu mundo (...). (BAKHTIN, 2003, p. 11)

As personagens têm uma vida, enfrentam problemas, sonham, passam por conflitos, sofrem, espelhando as vivências do autor e de seu mundo real. Apresentando uma verossimilhança, que as aproxima da vida real.

A personagem é um ser fictício – expressão que soa como paradoxo (...). No entanto, a criação literária repousa sobre este paradoxo, e o problema da verossimilhança no romance depende desta possibilidade de um ser fictício, isto é, algo que, sendo uma criação da fantasia, comunica a impressão da mais lídima verdade existencial. Podemos dizer, portanto, que o romance e baseia, antes de mais nada, num certo tipo de relação entre o ser vivo e o ser fictício, manifestada através da personagem, que é a concretização deste. (CANDIDO, 1995, p. 55)

Nota-se que há afinidades essências entre o ser vivo e os entes de ficção. O sentimento de verdade na ficção é desenvolvido a partir da posse de uma postura que pertence aos seres humanos.

(...) o autor acentua cada particularidade da sua personagem, cada traço seu, cada acontecimento e cada ato de sua vida, os pensamentos e sentimentos, da mesma forma como na vida nós respondemos axiologicamente a cada manifestação daqueles que nos rodeiam (...). (BAKHTIN, 2003, p. 3)

O ser fictício pode ser mais conhecido e compreendido pelo leitor do que conhecemos o nosso próximo do exterior, já que o ser fictício é um ser acabado, que corresponde as características das pessoas que nos cercam, e o escritor nos leva para dentro da personagem. Porque o criador e o narrador são a mesma pessoa, Candido (1995) diz que:

(...) numa das funções capitais da ficção, que é a de nos dar um conhecimento mais completo, mais coerente do que o conhecimento decepcionante e fragmentário que temos dos seres. Mais ainda: de poder comunicar-nos este conhecimento. De fato, dada a circunstância de ser o criador da realidade que apresenta, o romancista, como o artista em geral, domina-a, delimita-a, mostra-a de modo coerente, e nos comunica esta realidade como um tipo de conhecimento que, em conseqüência, é muito mais coeso e completo (...) do que o conhecimento fragmentário ou a falta de conhecimento real que nos atormenta nas relações com as pessoas. Poderíamos dizer que um homem só nos é conhecido quando morre. A morte é um limite definitivo dos seus atos e pensamentos, e depois dela é possível elaborar uma interpretação completa, provida de mais lógica, mediante a qual a pessoa nos aparece numa unidade satisfatória, embora as mais das vezes arbitrária. (p. 64)

O autor domina características da realidade e as trabalha em sua obra. Logo, esses dados da realidade vêm revelar maneiras que podem ser observáveis no cotidiano do leitor. A arte literária mostra as relações humanas, fazendo o leitor entrar em contado com um domínio de conhecimento absoluto.

A personagem da narrativa e a poesia dão a imagem de algo vivo, que é como um ser vivo, fazendo lembrar situações que estão relacionadas a um ser vivo. A realidade ficcional mantém certas relações com a realidade propriamente dita do mundo. A mesma participa de um universo de ação e de sensibilidade que se pode equiparar ao que conhecemos na vida. Porém, não é possível captar a totalidade do mundo de ser de uma pessoa e desenvolver integralmente a sua realidade em um contexto ficcional. O autor constrói uma apreciação que não corresponde ao mistério da vida, mas na verdade é uma interpretação deste mistério. Interpretação que ocorre com sua capacidade de clarividência e com a própria onisciência do criador.

(...) o conteúdo de uma obra literária é um conjunto de idéias e imagens da realidade ou, como dizem alguns teóricos da literatura, é uma supra-realidade; e difícil também não é chegar à conclusão que a supra-realidade que é a obra literária, uma vez em nossa consciência, exerce em nosso psiquismo efeitos semelhantes aos que exerceria a realidade que ela reproduz. Por isso empolgamo-nos com os romances de aventuras; comovemos-nos com os poemas sentimentais; e tomamos partido quando assistimos, por exemplo, a uma peça de teatro de protesto.

Conclusão: entre o conteúdo de uma obra literária e a realidade não há uma relação de igualdade mas, indiscutivelmente de equivalência; e a este propósito não é demais lembrar que, no fim de contas, a supra-realidade, porque produto da arte de ver e de dizer, do escritor, atua mais profundamente em nosso psiquismo que a própria realidade, de vez que não temos, para captá-la, nem a sensibilidade, nem a intuição do artista” (AMORA, 1992, p. 84-85)

A obra literária possui um certo teor de veracidade. A quantidade desconhecida é o temperamento do autor, do poeta que liga-se a realidade, a sua capacidade de criação artística.

Na existência quotidiana é difícil saber por completo as causas, os motivos profundos da ação dos seres no texto literário revelado pelo criador, com o intuito de estabelecer e ilustrar o jogo das causas, até mesmo as profundidades reveladoras do espírito.

No mundo fictício, a realidade obedece a uma lei específica É mais clara, mais consciente, tem um contorno definitivo, ao contrário do caos da vida, já que há nela uma lógica pré-estabelecida pelo autor.

O que é possível assinalar é que a natureza do texto literário está ligada a observação da realidade objetiva. Dependendo também da concepção e das intenções do autor. Quando, por exemplo, este está interessado em traçar um panorama social, as situações tenderão a complicar-se, evidenciando um pano de fundo social. De fato, afirmar que a natureza da obra literária depende da concepção e das intenções do autor é sugestionar que a observação da realidade comunica o sentimento de verdade no texto quando todos os elementos pertencentes ao texto estão ajustados entre si de maneira adequada, fazendo fluir a idéia a ser repassada ao leitor. “(...) há realismo, numa obra, quando seu conteúdo reflete, com máximo de fidelidade, a realidade natural (física ou psicológica) (...)” (AMORA, 1992. p. 87).

Uma obra é declarada realista quando é verossímil, fiel à realidade. Há uma verossimilhança orgânica, isto é, a obra tem que ser coerente, harmônica no seu todo, na sua construção e realização. Esta verossimilhança remete para um outro nível, a verossimilhança específica, que é a sua modalidade de relação com o real. (SAMUEL , 1997, p. 46-47)

Assim, a realidade ficcional pode apresentar traço verossímil, dependendo da ordenação da matéria e os valores que a norteiam, levando em consideração o sistema de convenções adotado pelo escritor. Essa técnica é desenvolvida com a intencionalidade de convencer, pela aproximação com o aspecto da realidade. O estabelecimento de relação entre um tração e outro traço, ganha um significado e um poder de convicção. Em que cada traço adquire sentido em função de outros, de maneira que a verossimilhança, o sentido da realidade depende, sob este aspecto, da fusão do fragmentário pela organização do contexto. Sendo esta organização a concretização da verdade dos seres fictícios. Desta maneira, o ficcional torna-se mais coeso, mais apreensível e atuante.

Messias Lisboa
Enviado por Messias Lisboa em 08/03/2019
Código do texto: T6592299
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