A NARRATIVIDADE DE VICTOR HUGO

O Romantismo é um amplo movimento internacional, unificado pelo predomínio de caracteres estéticos comuns aos escritores que se encaixaram nas convicções estéticas do período.

Ao estudar as manifestações artística dos século XVIII e XIX e as idéias que as cercaram, depara-se imediatamente com a palavra Romantismo:

O uso da palavra Romantismo e seus derivados em crítica literária já foi historiado de maneira completa. Remonta ao século XVII na França e na Inglaterra, com referências a certo tipo de criação poética ligado à tradição medieval de “romances”, narrativas de heroísmo, aventuras e amor, em verso ou em prosa, cuja composição, temas e estrutura (...) eram sentidas em oposição aos padrões e regras da poética clássica. (...) Da palavra francesa “roman” (“romanz” ou “romant”), as línguas modernas derivam o sentido corrente no século XVIII, e que penetrou no Romantismo, designando a literatura produzida à imagem dos “romances” medievais, fantasiosos pelos tipos e atmosfera. Quanto ao substantivo “Romantismo”, seu uso é mais recente, variando nos diversos países europeus pelas duas primeiras décadas do século XIX (na França, 1822-1824). (...) e no Brasil ainda não aparece nos trabalhos de 1826 de Gonçalo de Magalhães e Torres Homem, mas é empregada pelo primeiro no prefácio à tragédia Antônio José (1839), em oposição a clássico (COUTINHO, 1995, p. 139-140).

Na realidade qualquer que tenha sido o período de introdução do termo “romântico” e seus possíveis derivados, o fenômeno romântico, em história literária e artística, hoje conhecido como Romantismo, significou uma verdadeira transformação estética e poética desenvolvida em oposição à tradição neo-clássica setecentista, que buscou inspiração nos modelos medievais. Evidencia-se que a mudança ocorreu de forma consciente, generalizada, de âmbito europeu, a despeito de não existir o mesmo acordo quanto à introdução da palavra que designa o movimento.

Inicialmente o Romantismo apresentou-se apenas como uma atitude, um estado de espírito para mais tarde caracterizar-se como um movimento e o espírito romântico passou a designar uma visão de mundo centrada no indivíduo.

No estudo do Romantismo, é importante estabelecer primeiramente uma diferença entre o estado de alma romântico e o movimento de âmbito universal. O estado de alma romântico é uma constante universal, oposta à visão clássica. O romantismo é exaltado, entusiasta, colorido, emocional, apaixonado, relativista, busca satisfação na natureza, no regional, no pitoresco e procura pela imaginação escapar do mundo real identificando-se com um passado remoto ou com lugares distantes ou fantasiosos. Vale destacar que a vontade de escapar da realidade objetiva, entre outros fatores, foi pela não identificação com o mundo concreto. Uma realidade que apresenta injustiça social, exploração do homem pelo homem, enfim, cheia de contrastes. Estes são uma série de fatores que deixaram o escritor romântico melancólico, depressivo. Por isso procurou idealizar a realidade e não reproduzi-la. E ao fazer isso desnudou a sociedade, lançando denúncias sociais. Todas essas qualidade básicas do temperamento romântico notou-se em artistas franceses, brasileiros, em artistas de diversos tempos e nações. Realizado como uma reação contra o Classicismo racionalista que constituía o dogma literário reinante desde o Renascimento, o movimento literário em análise caracterizou-se como um conjunto de novas idéias, temas literários e tipo de sensibilidade. O Romantismo é bem definido na história literária:

Romantismo, como conceito histórico, é um dos melhor definido na história da literatura: um movimento que surgiu na Alemanha por volta de 1800, conquistou logo a Inglaterra e, a partir de 1820, a França; depois, todas as literaturas européias e americanas; e acabou nas tempestade das revoluções de 1848. (CARPEAUX IN: GUINSBURG, 2005, p. 157)

O Romantismo enquanto um estilo de época pode ser datado, ou pelo menos limitado, a um período que vai aproximadamente entre o final do século XVIII e meados do século XIX. Ou seja, mais de meio século de duração de um movimento que apresentou em seu interior variáveis quase antitéticas, nuances tão diferenciados que chegaria a se constituir em absurdo qualquer tentativa de pensar a existência de um único romantismo; o correto será pluralizarmos o temo: ao invés de romantismo, romantismos. (CITELLI, 1986. p. 6)

O Romantismo é portanto um movimento artístico surgido nas últimas décadas do século XVIII na Europa que perdurou grande parte do século XIX. Não é possível estabelecer definitivamente seu conceito:

Mas o romantismo também se apresenta como um dos conceitos mais vagos, mais indefinidos, em todas a história da literatura. Não somente é impossível defini-lo; qualquer tentativa de definição produz antinomias sem solução. (CARPEAUX IN: GUINSBURG, 2005, p. 157)

Acima de tudo é mister renunciar a reduzir o espírito romântico a uma fórmula, como tentaram inúmeros críticos e historiadores. O romantismo acabou significando nada à custa de significar tudo, por meio dele, rotula-se um grande movimento cultural com um teor de complexidade extremamente forte, tão diversificado e paradoxal que abrange tendências excludentes e antagônicas.

No plano estético, o Romantismo realizou-se como uma reação violenta contra os clássicos, recusou as regras, os modelos, as normas e os românticos defenderam a total liberdade criadora. Sentiu-se como o centro do universo, o seu ego é a única paisagem que lhe interessa, de tal maneira que a natureza é a mera projeção do seu mundo interior. O racionalismo do Classicismo foi abandonado, o sentimento foi valorizado, os românticos colocaram as razões do coração em lugar da razão, o sentimentalismo em vez da especulação científica, cultuaram a imaginação desenfreada.

Reclusos no interior do ego, os românticos sondavam-no avidamente, mas de pronto sentiram a falta de um suporte filosófico ou religioso, e entraram em um caos que os levou à melancolia e esta ao tédio, que refletiu o mal do século. O tédio provocou a angústia que conduziu a desesperação, da qual procuravam fugir pelo suicídio ou pela evasão no tempo e no espaço, exaltando um passado ou alguns lugares distantes, como já dito anteriormente. Quando não, entregavam-se a um viver desregrado que equivalia a um suicídio lento, o falecimento precoce de vários românticos, motivado pela tuberculose fruto da boemia desatinada ou mesmo de ferimentos no campo de batalha, resultante do desencanto existencial em que imergiam.

A fuga no espaço manifestou-se inicialmente rumo a natureza, vista como uma confidente passiva, leal e consoladora que ofertava as respostas que a sensibilidade do poeta reclamava. Na contemplação dos lagos, rios, montes, prados, os românticos descobriam mistérios, como se pervagassem o seu próprio mundo interior. Conheceram os frutos da meditação solitária e profunda, tiveram êxtases não raros místicos, que lhes descortinaram o infinito, recuperando o sentimento de Deus, identificado com a natureza.

O gosto da natureza instiga o romântico na direção da Pátria, entrevista como projeção do “eu”. Politicamente liberal, identificou-se com as inquietações populares, como sendo um mago, profeta, gênio, predestinado, acreditando no progresso do homem e sonhando com o signo da Liberdade, Fraternidade e Igualdade, trinômio posto em voga pela Revolução Francesa (1769). Voltou-se para os burgueses e plebeus, e por vezes tingido de cores revolucionárias as suas obras centradas no povo. Trabalhando suas noções muitas vezes mais fieis a realidade, revelando maneiras que desmascaravam a sociedade, mostrando as suas mazelas sociais.

Viajar, conhecer terra e povos estranhos, paisagens exóticas, ruínas, vestígios de antigas civilizações, tornou-se uma forma de escapismo. Buscou-se recuperar estados de alma adormecidos no inconsciente coletivo. Velhos castelos medievais transformaram-se em pontos de atração turística, bem como os lugares que convidavam à evocação melancólica.

A via de escape no tempo nasceu da contemplação das ruínas, o romântico descobriu pela primeira vez o tempo como dimensão psicológica, tendo consciência da história, e redescobriu de forma maravilhada a Idade Média. Associando a Idade Média a tudo o que julgava perdido, como a ingenuidade, pureza, misticismo, espiritualismo, nobreza, ou seja, uma Idade Média cavalheiresca e cristã, voltada idealmente aos valores mais altos da espiritualidade, da poesia.

As tendências do Romantismo convergiam paralelamente da Alemanha e da Inglaterra, no curso do século XVIII, durante um período definido atualmente como Pré-romantismo. Na Inglaterra é válido destacar:

Os elementos novos assumidos na Inglaterra a forma de uma reação contra o racionalismo cartesiano, em nome de uma teoria do conhecimento através dos sentidos. (...) realismo e sentimentalismo entronizam a idéia de natureza, como o lugar onde se encontram a fonte de todas as coisas e a origem do lirismo. A intuição, o empirismo, o senso do concreto, o individualismo, têm como contraparte a necessidade de fugir da realidade, de ver além da razão, de evadir-se do mundo, graças à imaginação (...). (COUTINHO, 1995, p. 144)

Assim, temos o senso do mistério, a atitude de sonho e melancolia, de angústia e pessimismo que pairavam sobre os românticos, fazendo-os desenvolver temas, como a morte, desolação, túmulos, o gosto de origens e o mal do século. O sentimento da natureza, o culto do eu, a religiosidade, a melancolia, o gosto do passado e das ruínas sobre o naturalismo são traços que marcaram o espírito romântico da Inglaterra.

Na Alemanha, também foram desenvolvidos traços característicos do Romantismo:

Na Alemanha, desde cedo no século XVIII, o lirismo da natureza, o sentimentalismo, o culto da imaginação, o gosto do passado medieval germânico, das baladas populares, encontram defensores em Klopstock, Herder (...) Goethe e Schiller, e, mais tarde Tieck, Novalis, os irmãos Schlegel, conduzem a literatura no mesmo sentido da Inglaterra, aliando sensibilidade e misticismo, melancolia e mistério, particularismo e desconhecido, exaltação apaixonada e sofrimento amoroso.(COUTINHO, 1995, p. 144-145)

As correntes inglesas e alemã influenciaram a França que vivia o racionalismo clássico que foi sendo enfraquecido ao longo do século XVIII e a fortaleza francesa do racionalismo clássico foi cedendo lugar a vitória do individualismo, sentimento da natureza, sensibilidade, paixão, melancolia e desejo de evasão. Desta forma, o Romantismo ao chegar na França espalhou-se por toda a Europa e pela América, sobretudo do impulso liberal e revolucionário que o movimento adquiriu em contato com a Revolução Francesa (1789):

O período do Romantismo é fruto de dois grandes acontecimentos na história da humanidade, ou seja, a Revolução Francesa e suas derivações, e a Revolução Industrial. As duas revoluções provocaram e geraram novos processos desencadeando forças que resultaram na formação da sociedade moderna, moldando em grande parte os seus ideais (sociais). As instituições políticas tradicionais sofreram fortes abalos e as fronteiras entre os povos foram modificadas criando novo equilíbrio entre as nações. O racionalismo nesse tempo irrompe impetuosamente em cena, arrastando consigo boa parte dos povos europeus em direção às suas aspirações políticas e sociais. (FALBEL IN: GUINSBURG, 2005, p. 24)

Social e politicamente, tendo a burguesia alcançado o poder na França, com a Revolução Francesa (1789), iniciava-se nesse país um longo período de luta pela solidificação do poder burguês, liderado por Napoleão Bonaparte, que visa combater o movimento contra-revolucionário e conservador.

A euforia pela justiça social trazida pela Revolução Francesa teve outras conseqüências:

A Revolução Francesa, ainda que abolisse os direitos e as instituições feudais, não aboliu a desigualdade entre os homens. A liberdade sem a igualdade foi considerada insatisfatória, propondo-se, já naquela ocasião, que a propriedade fosse limitada perante a lei e se reduzisse a distância abissal entre pobres e ricos, ou entre os possuidores e “os que nada tinha a perder”. (FALBEL IN: GUINSBURG, 2005, P. 35)

Essa visão foi, no entanto, logo embaçada pela própria dinâmica que haveria de marcar a ascensão da burguesia. As novas formas de dominação e a aplicação dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade segundo os interesses da nova classe formaram um movimento pendular dentro do romantismo (...). A crença no progresso tendeu a se transformar na frustração do presente; o mundo novo prometido pela revolução se recheou de negatividade, dor e desencanto. (CITELLI, 1986, p. 10)

Os ideais da Revolução Francesa tomaram por base o trinômio de liberdade, igualdade e fraternidade. Porém, os jovens europeus de algumas décadas posteriores não viam cumpridas as promessas feitas pela revolução. Consequentemente, enquanto alguns ainda confiavam nos ideais difundidos pela revolução burguesa, outros entraram em um forte pessimismo e tédio, desacreditados na política e na lutas sociais:

O sujeito problemático, em desarmonia com seu tempo e com a História – que, por sinal, havia ajudado a criar. A extrema emotividade, o pessimismo, a melancolia, a valorização da morte, o desejo de evasão, são apenas algumas das muitas formas de o romântico revelar sua perplexidade ante um movimento cujos valores se tornaram inaceitáveis. (CITELLI, 1986, p. 11)

Contudo, ao lado dessa tendência pessimista, seguiu também a corrente social e política, que visava promover novas mudanças na sociedade, com o intuito de que a humanidade alcançasse finalmente a liberdade e a justiça social. Esta tendência ficou conhecida pelos escritores como Condoreira:

A “questão social” encontra lugar na historiografia romântica e, novamente de um modo próprio, se manifesta como piedade para com os humildes, as classes não privilegiadas ou, ainda, para com a grande massa do povo. (FALBEL IN: GUINSBURG, 2005, P. 36)

(...) um outro Romantismo de oposição que surgiu na França, depois de 1830: o “romantismo social”, em revolta contra todos os poderes estabelecidos e em defesa de todos os fracos, oprimidos e dependente. (CARPEAUX IN: GUINSBURG, 2005, p. 164)

Por motivos sociais e históricos o movimento romântico preocupou-se com os motivos sociais, trabalhando temas ligados as mazelas sociais, como a pobreza, a exploração humana, a falta de dignidade.

O Romantismo francês desenvolveu uma literatura voltada para as preocupações sociais:

Na França, várias foram as fases do romantismo político, não se encontrando nenhuma linha uniforme que permitia fazer uma caracterização precisa. Se, de um lado, o saudosismo sentimental para com a antiga França impera nos primeiros românticos, já em Chateaubriand e Lamartine se visualizava uma concepção inteiramente monárquica.

(...) Mais tarde, com Victor Hugo, que se identifica com as idéias de progresso, fraternidade e democracia do povo, deparamos com uma nova tendência do romantismo político. (FALBEL IN: GUINSBURG, 2005, p. 36)

Um brilhante escritor francês, destacou-se neste período, quando valorizou o povo em suas composições. Tecendo importantes e merecidas considerações sobre a vivência da classe desprestigiada socialmente. Victor Hugo merece nossa atenção neste estudo.

Victor Marie Hugo nasceu em 26 de fevereiro de 1802, em Besançon, na França. Terceiro filho do general napoleônico Léopoldo Hugo e de Sophie Trébuchet. Foi educado com muitos tutores particulares e também em escolas privadas de Paris. Fez seus primeiros estudos, como interno, no Seminário de Los Nobles, na companhia de seu irmão Eugène.

Os seus pais se separaram, e em 1815 juntamente com seu irmão Eugène passou a viver com sua mãe no bairro parisiense Val de Grâce.

Era um menino precoce, que com idade muita curta decidiu converter-se escritor. Aos quatorze anos confessou em uma carta que escrevia com freqüência: “Quero ser Chateaubriand ou ninguém”. Em 1817 a Academia Francesa lhe premiou um poema e cinco anos mais tarde publicou seu primeiro volume de poemas, “Odes e poesias diversas”, que fez muito sucesso.

Na juventude passou temporadas na Itália e na Espanha. Estudou direito em Paris e antes dos 18 anos, escreveu o romance “Bug – Jargal”, sobre uma revolta de negros em São Domingos. Fundou e dirigiu uma revista chamada “Conservateur Littéraire”. O “Hand’Islande”, de 1923, é tido como seu primeiro romance, já que “Bug-Jargal” saiu somente em 1826.

Em 1822 casou com seu amor de infância Adèle Foucher. Além da encantadora Adèle Foucher, Victor Hugo teve suas amantes Juliette Drouet e Léonie Biard. Também era freqüentador assíduo de prostíbulos, um hábito que nunca abandonou. Neste período integrou-se ao Romantismo, transformando-se em um verdadeiro porta-voz desse movimento. Sendo considerado um dos mais importantes escritores românticos franceses do século XIX.

A residência de jovem casal era um ponto de encontro dos escritores românticos franceses, por exemplo Alfred de Vigny e o crítico literário Charles Augustin Sainte – Beuve. Em 1830 estréia “Hernani” sua primeira obra teatral, que representa o fim do Classicismo, e desencadeou uma polemica apaixonada. Essa obra expressa novas aspirações da juventude. Para o escritor começou então um período de fecundidade, e o desejo de se afirmar como o único e maior poeta lírico da França.

A busca de Victor Hugo por mais liberdade na arte é exemplificada no romance épico “Cromwell”. O prefácio deste trabalho é o mais influente manifesto do Romantismo literário, nele o escritor fala da necessidade de romper com as amarras e restrições do formalismo clássico para poder então refletir a extensão plena da natureza humana.

O período de 1829 à 1843 foi o mais produtivo da carreira de Victor Hugo. A sua grande obra histórica “Nossa Senhora de Paris”, que retrata Paris do século XV, fez-lhe famoso e lhe conduziu à nomeação de membro da Academia Francesa em 1841.

Em 1843 iniciou-se uma fase dolorosa na vida de Victor Hugo, por que este abandonou o teatro, devido o grande fracasso da peça “Lês Burgraves”, e em setembro perdeu a filha mais velha, Léopodine, que morreu afogada em um acidente no Sena, junto com o marido. Interrompendo sua prodigiosa criatividade, Victor Hugo ficou três anos sem escrever, dedicando-se de um modo mais ativo à política.

Na sua juventude tinha sido monárquico. Em 1845 foi renomado par da França pelo rei Luis Felipe, mas quando se produziu a revolução de 1848, Victor Hugo já era republicano. Em 1851, depois do fracasso da revolta contra o presidente Luis Napoleão, mais tarde imperador com o nome de Napoleão III, Victor Hugo teve que emigrar para a Bélgica. Em 1855 começou o seu comprido exílio de quinze anos na ilha de Guernsey.

Durante estes anos, Victor Hugo escreveu a feroz sátira, “Napoleão o pequeno”; os poemas satíricos, “Os castigos”; o livro de poemas líricos “As contemplações” e o primeiro volume de seu poema épico “A lenda os séculos”. Em Guernsey completou sua mais extensa e famosa obra, “Os miseráveis”, um romance que descreve vividamente, ao tempo de condenação, a injustiça social da França do século XIX.

O poeta romântico retornou a França depois da queda do Segundo Império, em 1870, e relatou sua carreira política. Foi eleito primeiro para a Assembléia Nacional, e mais tarde para o Senado. Entre as obras mais destacáveis de seus últimos quinzes anos, contam-se, “O noventa e três”, que escreveu sobre a Revolução Francesa e “A arte de ser avô”, um conjunto de poemas líricos a respeito de sua vida familiar.

Os romances de Victor Hugo marcaram um decisivo gosto literário em jovens gerações de escritores, já que os romances possuíam uma grande aproximidade com a realidade.

A palavra romance, em francês romanz, originou-se de romans, um vocábulo provençal, que derivou da forma latina romanicus; é possível também que tenha vindo de romanice, que entrava na composição de romanice loqui, falar romântico, latim estropiado no contato com os vários povos conquistados por Roma, em oposição ao latim loqui, falar latino, a língua empregada na região do Lácio e seus arredores.

O falar romance designava na Idade Média, as línguas usadas pelos povos sob o domínio romano. Com o tempo, indicava a linguagem do povo em contraste com a dos eruditos, mais depois, caracterizava as composições literárias de cunho popular e folclórico. Essas composições eram primitivamente em verso, próprias para serem recitadas e lidas, o romance em prosa como conhecemos hoje é um pouco mais tardio.

O romance desenvolvido na Idade Média destinava-se a ser lido e recitado, ocupando-se com as aventuras de uma personagem, criatura de ficção, através de mistérios de seu mundo, apresentando um caráter descritivo – narrativo. O romance medieval encontrava-se ligado à historiografia.

Assim, apareceram nas literaturas européias da Idade Média extensas composições romanescas, muitas vezes em versos, sendo possível discriminar duas grande correntes, o romantismo de cavalaria e o romance sentimental.

O romance de cavalaria, espelha uma mundividência contês e idealisticamente guerreira, estruturando a sua intriga em torno de dois pontos fundamentais, ou seja, o amor e a aventura.

O romance sentimental apresentou um cunho mais erótico ou mais acentuadamente sentimental, conforme o desenvolvimento de sua intriga, em um ambiente burguês ou em um ambiente aristocrático. Na verdade se caracterizou marcadamente por uma análise do sentimento amoroso e o romance de cavalaria priorizou as aventuras ou peripécias motivadas pelo amor com ele relacionadas. Enquanto o romance sentimental apresentou um final trágico, o romance de cavalaria apresentou a solução dos amores narrados.

No período renascentista, encontra-se o romance pastoril. No mesmo a prosa mescla-se com o verso, é uma narrativa profundamente culta, os seus pastores estavam ligados a natureza idealizadora, apenas nominalmente relacionados à vida da pastorícia, revelando-se como personagens de requintada sensibilidade e cultura. Tratava dos problemas do homem, desde o amor, conceituado e analisado neoplatonicamente, até às servidões e hipocrisias da vida social e vida pastoril vistas como um sonho de harmonia e de tranqüilidade.

No século XVII o romance conhece uma proliferação extraordinária. O romance barroco apresentou-se estreitamente com o romance medieval e caracterizou-se pela imaginação exuberante, pela abundância de situações e aventuras inverossímeis, como naufrágios, duelos, raptos, confusões de personagens, aparições de monstros e de gigantes. Paralelamente correspondeu ao gosto e às exigências corteses do público do século XVII, por meio de extensas e complicadas narrativas de aventuras sentimentais e outras discussões sobre o amor.

O romance picaresco por meio de numerosas traduções e imitações, exerceu larga influência nas literaturas européias, encaminhando o gênero romanesco para a descrição realista da sociedade e dos costumes contemporâneos. Nesta vertente aparece o romance moderno, que aspirava ser a observação, confissão e análise da sociedade. Revelou a pretensão de mostrar o homem ou uma época da história, de descobrir o mecanismo das sociedades e revelar os problemas sociais.

O romance é um gênero sem antepassados ilustres na literatura greco-latina e por conseguinte não tinha modelos a seguir e nem regras a obedecer. É evidente que o romance, até o século XVIII, constituiu um gênero literário desprestigiado sob todos os pontos de vista. O romance medieval, renascentista e barroco oferecia ao público, motivos de entretenimento e de evasão.

Além da sua posição inferior em um plano puramente literário, o romance era ainda considerado como um perigoso elemento de perturbação passional e de corrupção dos bons costumes, os moralistas e os próprios poderes públicos o condenaram asperamente. Esta atitude de desconfiança em relação ao romance prolongou-se, sob várias formas, pelos tempos modernos.

Quando o sistema de valores da estética clássica começa, no século XVIII, a perder a sua homogeneidade e a sua rigidez e quando, neste mesmo século, começa a afirmar-se um novo público, com novos gostos artísticos e novas exigências, denominado de público burguês, o romance, o gênero literário de ascendência obscura e desprezado pelos teorizadores das poéticas, passou por um profundo desenvolvimento.

O romance tradicional com episódios invencíveis e complicados, entrou em crise na segunda metade do século XVII. A própria designação de romance foi afetada por uma conotação muito pejorativa que os próprios autores evitavam.

O público cansara-se do caráter fabuloso do romance e exigia das obras narrativas mais verossimilhança e mais realismo.

Durante o século XVIII, o romance passou de análise das paixões e dos sentimentos humanos, para a sátira social e política ou para escrito de intenções filosóficas. Ao mesmo tempo tornou-se um dos veículos mais adequados da sensibilidade melancólica, plangente ou desesperada, do século XVIII, em um momento denominado de Pré-romantismo.

Quando o Romantismo revela-se nas literaturas européias, o romance já havia conquistado, por direito próprio, a sua credibilidade e podia se falar em uma tradição romanesca. Entre o final do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX, o público do romance alargara-se desmedidamente e, para satisfazer a sua necessidade de leitura, escreveram-se e editaram-se numerosos romances. A respeito desse público leitor Aguiar & Silva (2002) esclareceu que:

Este público tão dilatado, cuja maioria não possuía evidentemente a necessária educação literária, actuou negativamente na qualidade dessa copiosa produção romanesca: o chamado romance negro ou de terror, repleto de cenas tétricas e melodramáticas, com um impressionismo instrumental de subterrâneos, esconderijos misteriosos, punhais, venenos, etc., povoado de personagens diabolicamente perversos ou angelicamente cândida, que obteve uma grande voga nos finais do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX, constitui uma das formas romanescas mais apreciadas por semelhante público. (p. 682)

O romance neste período dirigiu-se ao publico burguês. A própria mulher burguesa do século XIX, presa aos limites de sua condição social, encontrava nos romances românticos um meio de vazão à fantasia e aos sentimentos.

Nas primeiras décadas do século XIX, destaca-se o romance em folhetins, que constituiu uma forma hábil de responder ao apetite romanesco das grandes massas leitoras, caracterizando-se pela suas aventuras, pelo tom melodramático e pela ocorrência de cenas emocionantes, adequadas a manter vivo o interesse do público de folhetim para folhetim.

Com o Romantismo a narrativa romanesca afirma-se decisivamente como uma grande forma literária, apta a exprimir os multiformes aspectos do homem e do mundo, apresentando-se como romance psicológico uma forma de confissão e análise da alma, como romance histórico que veio ser uma ressurreição e interpretação de épocas pretéritas, como romance poético e simbólico e como romance de análise e crítica da realidade social, representando a vida quotidiana.

O século XIX constitui o período mais esplendoroso da história do romance. Depois das experiências dos românticos, sucederam-se, durante toda a segunda metade do século XIX, as criações dos grande mestres de romance europeu. Desfrutando de um prestígio crescente, o romance domina a cena literária.

O universo romanesco alargou-se e enriqueceu-se com experiências humanas:

Em vez dos heróis altivos e dominadores, relevantes quer no bem, quer no mal, tanto na alegria como na dor, característicos das narrativas românticas, aparecem nos romances realistas as personagens e os acontecimentos triviais e anódinos extraídos da baça e chata rotina da vida. (AGUIAR & SILVA, 2002, p. 683)

O romance lançou reflexões sobre os fatos da vida em seus aspectos mais variados. Aproximando-se cada vez mais da vida, com um desejo de ser a própria vida transfundida em arte. Sendo possível perceber a terrível angústia do mundo e a desumanização do homem pela máquina ou até pela ausência de padrões fixos. A evolução do romance se semelhando a própria vida, proporcionou ao gênero maior complexidade, grandeza e seriedade trágica.

O romance é uma visão macroscópica do universo onde o escritor procura abarcar o máximo de sua essência com a intuição. O drama das personagens é universal, por nascer de inquietudes espirituais perenes, como a condição humana e o sentido da vida ou de situações históricas universalizadas, como a fome, as catástrofes, a escravidão, a opressão.

É importante esclarecer que o romance constitui, antes de mais nada, uma história que se conta. O entretenimento oferece, no primeiro plano da obra, uma discussão mais filosófica que aparece nas entrelinhas do texto. Essa relação deve ser estabelecida de maneira medida. Entreter é uma das características funcionais do romance, mas não deve predominar sobre outras sob pena de a obra perder mérito e interesse.

No transcorrer do tempo renovam-se os temas, exploraram-se novos domínios do indivíduo e da sociedade, modificaram-se as técnicas de narrar, de apresentar as personagens.

O romance é uma forma literária que merece ser valorizada, pela possibilidade expressiva que oferece ao autor e pela difusão e influência que alcança entre o público.

Estilisticamente Victor Hugo criou poemas e romances que integraram questões políticas e filosóficas em histórias que procuravam retratar a sua época, mesmo quando ambientadas em outro período histórico, à exemplo de “Norte Dame de Paris”, também conhecida como “O Corcunda de Notre Dame”, ele levava o leitor a refletir sobre o seu tempo. Muitos dos poemas de Victor Hugo são destinados às inquietações sociais da França pós revolucionária. O mesmo procurou descrever com simplicidade sua época e retratou de forma bastante humana as alegrias e vicissitudes da vida. Victor Hugo foi um autor bastante produtivo, tendo uma obra literária muito vasta. Todas as manhãs produzia ao menos umas 100 linhas de versos e 20 páginas de prosa, aproximadamente. Um tema recorrente na obra de Victor Hugo é o eterno embate humano com o mal, seja ele externo ou interno. Foi um expressivo narrador dos problemas de seu tempo e das grandes inquietações humanas.

Victor Hugo escreveu poemas, romances e dramas, a seguir temos a enumeração da sua vasta produção literária:

1822 Odes et Poésies Diverses

1823 Odes; Han d'Islande

1824 Nouvelles Odes

1826 Bug-Jargal; Odes et Ballades

1827 Cromwell, including Préface

1828 Odes et Ballades (augmented)

1829 Les Orientales; Le Dernier Jour d'un Condamné

1830 Hernani

1831 Notre-Dame de Paris ; Marion de Lorme; Les Feuilles d'Automne

1832 Le Roi S'Amuse O rei se diverte

1833 Lucrèce Borgia; Marie Tudor

1834 Littérature et Philosophie Mêlées; Claude Gueux

1835 Angelo, Tyran de Padoue; Les Chants du Crépuscule

1836 La Esmeralda (libretto)

1837 Les Voix Intérieures Vozes interiores

1838 Ruy Blas

1840 Les Rayons et les Ombres

1842 Le Rhin

1843 Les Burgraves

1851 Douze Discours; Treize Discours; Quatorze Discours

1852 Napoléon-le-Petit

1853 Châtiments; Oeuvres Oratoires

1855 Discours de l'Exil, 1851-1854 (first ten speeches of Actes et Paroles II)

1856 Les Contemplations

1859 La Légende des Siècles, Première Série.

1862 Les Misérables

1864 William Shakespeare

1865 Les Chansons des Rues et des Bois

1866 Les Travailleurs de la Mer

1867 La Voix de Guernsey (Mentana)

1869 L'Homme Qui Rit

1870 Les Châtiments

1872 Actes et Paroles, 1870-1871-1872; L'Année Terrible

1874 Quatrevingt-treize; Mes Fils

1875 Actes et Paroles I, Avant l'Exil, 1841-1851; Actes et Paroles II, Pendant l'Exil, 1852-1870

1876 Paris et Rome; Actes et Paroles III, Depuis l'Exil, 1870-1876

1877 La Légende des Siècles, Nouvelle Série; L'Art d'Être Grand-Père; Histoire d'un Crime, I

1878 Histoire d'un Crime, II; Le Pape

1879 La Pitié Supréme

1880 Religions et Religion; L'Âne

1881 Les Quatre Vents de l'Esprit

1882 Torquemada

1883 L'Archipel de la Manche; La Légende des Siècles, Dernière Série

1886 La Fin de Satan; Théâtre en Liberté

1887 Choses Vues

1888 Toute la Lyre

1889 Amy Robsart; Les Jumeaux; Actes et Paroles IV, Depuis l'Exil, 1876-1885

1890 Alpes et Pyrénées

1891 Dieu

1892 France et Belgique

1893 Toute la Lyre, Dernière Série

1898 Les Années Funestes

1900 Choses Vues, Nouvelle Série

1901 Post-Scriptum de ma Vie

1902 Dernière Gerbe

1934 Mille Francs de Récompense

1942 Océan, Tas de Pierres

1951 L'Intervention

Seus últimos anos de vida foram marcados pela morte de seus filhos, de sua mulher, de sua amante, mas continuou a escrever alguns poemas e permaneceu na atividade política até 1878. Em maio de 1885, as letras francesas perderam um de seus grandes gênios, Victor Hugo morreu em Paris.

A República lhe prestou homenagens fúnebres nacionais. Milhares de pessoas estiveram presentes no funeral, seu corpo permaneceu exposto sob o Arco do Triunfo, onde muitos puderam prestar uma última homenagem. Com o poeta desapareceu uma das grandes figuras da língua francesa. Victor Hugo despertou imenso entusiasmo e fervor popular e deixou sua marca na literatura de todo o século XIX, e ainda boa parte do século XX.

Victor Hugo influenciou fortemente a literatura ocidental. Entre seus seguidores no Brasil, o mais célebre foi Castro Alves. Eustáquio de Azevedo publicou sua primeira poesia nos “A pedidos!” da “A Província do Pará” em 1855, tendo por tema a morte de Victor Hugo.

Messias Lisboa
Enviado por Messias Lisboa em 08/03/2019
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