REFLEXÕES SOBRE O MEDO

O temor em certas situações não é necessariamente um mal, tampouco uma patologia; ele pode, de fato, ser importante para sabermos que não devemos nos arriscar em perigos desnecessários. Prudente é todo aquele que, sabendo que pode evitar um desastre, decide optar pela fuga e, consequentemente, pela auto-preservação, principalmente quando tem consciência de que é incapaz de enfrentar tal problema sem se ferir ou sofrer danos. Portanto, em pequenas doses ou frações, o medo pode- tal como um remédio homeopático- ser eficaz para a conservação de nossa integridade diante das ameaças às mais diversas, além de preservar a nossa saúde e a nossa vida de um modo geral.

Às vezes, é necessário que sejamos humildes para reconhecermos que não somos ''Super-homens''; que não podemos ser resolutos ou audaciosos em todos as circunstâncias da existência sob o risco de nos tornarmos vítimas de nossa própria impavidez desenfreada. Às vezes, é imprescindível que reconheçamos que somos frágeis diante do inevitável, numa atitude de reverência para o que está para além de nossas forças físicas, psicológicas ou espirituais, afim de que possamos cuidar de nós mesmos ao invés de acharmos que podemos enfrentar, sem qualquer preparação e de forma prepotente, aquilo que desconhecemos no mais profundo de nosso ser; aquilo, enfim, que não podemos ter qualquer capacidade de controle, domínio ou previsão.

Mas...e quando o medo se torna um mal, de modo que deixamos de fazer o que gostamos por causa de um sofrimento que nos escraviza e nos destrói por dentro? O que dizer quando a nossa qualidade de vida é assolada por uma fobia, um ataque constante de pânico e uma obsessão que torna a existência insuportável e detestável? E o que pensar dessa sociedade que constrói sofisticados aparatos de seguranças como maneira de se defender daquilo que ela é incapaz de expulsar?

Nos dias de hoje, por conta da violência espalhada por todos os lados; ou então, por conta dessa exigência estúpida de ‘’perfeição’’ (como se pudéssemos ser impecáveis em tudo que fazemos), crescem os sintomas do medo exagerado na vida das pessoas; muitas delas, então, se asilam no seu próprio 'universo íntimo'' para se protegerem desse mundo tão caótico e sedento por competição e rivalidades! Quantos seres humanos não têm buscado uma vida de segurança na sua própria escravidão! Quantos seres humanos não têm se abdicado de se aventurar em lugares fascinantes ou de saborear os bons instantes da vida apenas porque sentem medo das pragas da violência urbana!

Hoje as muralhas do medo estão ainda mais altas e perniciosas ao ponto de muitos optarem por viver trancafiados nos seus quartos enquanto manuseiam as suas tecnologias de última geração e ruminam a sua dor no mais completo isolamento. Em vez de encontrarem sentido na vida através da contemplação do belo azul do céu e do doce cantar dos pássaros; em vez de apreciarem o resplendor das estrelas no firmamento e sentirem o doce sussurro dos ventos sem pressa para irem embora; em vez de contemplarem o mar com suas ondas revoltas tingidas pelo esplendor de sua coloração turquesa e contemplarem toda a profusão da natureza ao seu redor, preferem viver ilhadas nos seus refúgios ou em suas zonas de conforto, sem qualquer perspectiva de autorrealização.

Tais muralhas que o medo patológico e social impõe, as quais só obscurecem a presença das mais singelas percepções da alma e de toda a poesia da vida, só bloqueiam aquela motivação que faz florescer a espontaneidade das ações mais nobres, tais como amor, misericórdia, piedade, empatia e solidariedade.

Ora, me parece que tem se tornado bem mais fácil desconfiar dos estranhos, dos estrangeiros, dos diferentes, dos que são categorizados com loucos, do que, antes de qualquer estigmatização, estereótipos e pré-julgamentos, lhes proporcionar aqueles momentos inesquecíveis de hospitalidade, de compreensão profunda e de acolhimento sincero. Com tamanha insensatez proveniente do pavor e da aversão a um outro ser humano ou a um outro ser vivo, muitas atrocidades foram e tem sido cometidas, infelizmente!

As intolerâncias, os fanatismos, os preconceitos, a indiferença com aqueles que vivem na miséria e todas as demais barbáries movidas contra homo-afetivos, negros, mulheres, estrangeiros, animais ou grupos religiosos, são claras manifestações cometidas por aqueles que covardemente rejeitam o diálogo com o diferente em razão de não poderem compreender aquilo que lhes é estranho e inacessível. Através dessa incapacidade, bem como a ameaça que o outro pode simbólica e aparentemente provocar, alguns preferem propagar na sociedade ainda mais aquela onda de caos, inseguranças, pânicos e pavores, mazelas que atingem principalmente aqueles que são mais frágeis emocionalmente, aqueles que desejam sem clemência aniquilar!

A nossa cultura, que propaga o medo na população sob o disfarce da segurança, é sempre fomentada e incentivada por aqueles que estão por trás de tantas guerras, divisões, vendas de armamentos, fraudes, mentiras e intrigas para deixar o povo ainda mais confuso e iludido. E os resultados dessa barbárie a nível mundial não poderiam ser outra coisa senão a pauperização dos laços afetivos, o esfriamento do amor entre os homens e a completa desconfiança que invade o coração dos mesmos, uma desconfiança que, apesar de ter uma razão de ser devido ao aumento da violência urbana, da criminalidade e da competição predatória, é vinculada diariamente pelos meios de comunicação com seus índices alarmantes de audiência, tendo sempre em vista o sensacionalismo e a exibição da depravação humana para o consumo da população, a qual vive fragilizada não só pelo medo, mas também pelo descaso hediondo das autoridades com suas políticas criminosas e omissas.

Alessandro Nogueira
Enviado por Alessandro Nogueira em 21/06/2019
Reeditado em 18/06/2020
Código do texto: T6678113
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