Conversa sobre Marx, alienação...

Falar sobre marxismo é problemático. Muita gente lê apenas o Manifesto Comunista ou uns trechos d’O Capital e acredita conhecer todo pensamento de Marx. Porém, o mínimo contato que tive com escritos da juventude dele, me mostrou que ele não é um filósofo qualquer e que algumas pessoas utilizam sua teoria de forma um tanto quanto equivocada. Creio ser necessário conhecer um assunto qualquer, antes de emitir opiniões a respeito. Nesse ponto os críticos de Marx e alguns marxistas acabam criando uma discussão inválida, pois ambos não conhecem a fundo o marxismo e discutindo-o, mais atrapalham do que ajudam quem quer estudá-lo. Não que eu seja um grande conhecedor, longe disso, estou tentando conhecer para entender melhor por que se cria tanta polêmica em torno do marxismo. Ao que me parece, Marx constatou a divisão de classes da sociedade capitalista e previu que assim que cada homem percebesse seu potencial, a sociedade de classes se extinguiria, pois o comportamento humano não é estático, muito pelo contrário, é diverso e nada impede de conceber outra estrutura social pós-capitalista. Marx não fez críticas apenas à propriedade privada... Criticou também o comunismo grosseiro que pretende simplesmente igualar os homens, tendo em vista um mínimo comum a todos, desprezando a riqueza e a cultura do espírito humano.

Minha pretensão não é ser um especialista em Marx, pois não creio ser produtivo empreender tamanha energia intelectual em razão da intelectualidade de outra pessoa, mas esta é uma opção pessoal decorrente do fato de minha preferência por trabalhos de cunho autorais. Entendo que melhor seria se o contato com o pensamento alheio servisse como fonte para o desenvolvimento pessoal de cada um. Acredito que dessa forma se cria uma interessante cadeia, através da qual o conhecimento alcança cada dia mais pessoas. O conhecimento adquirido no contato com escritos de pessoas de outros lugares e de outros tempos ajuda organizar e incrementar as discussões de pessoas que vivem a realidade comum e contemporânea. O conhecimento é mais útil quando aplicado à realidade. Eis a superação da alienação. Prender-se ao pensamento de um único indivíduo, principalmente se esse viveu há muito tempo, é prender-se a um idealismo, é desgarrar-se da realidade e fingir viver em outro tempo, em outro lugar.

As guerras que assistimos no início do século 21 são travadas entre fundamentalistas religiosos e fundamentalistas capitalistas. São lógicas idealistas (ideologias), que afastam o homem de uma essência mais humana de liberdade. Dizem que o fim total da alienação acabaria com esses conflitos. Porém, o fim total da alienação não existe, pois cada pessoa carrega sua própria dose de alienação. Alienação tornou-se algo pejorativo devido à preconceitos de parte dos intelectuais. O problema então, não é a alienação em si, mas não perceber que ela é fruto da consciência de nossa existência. A Religião é isso. A Ciência também. Faz-se necessário a compreensão da importância de cada ideologia e de sua lógica intrínseca, e aceitar as realidades construídas por cada uma delas. Apontar as convergências, de preferência, através do diálogo e não das armas. E acima de tudo, ter em conta que essas ideologias são construções humanas, ou seja, passíveis de falhas e que, mesmo assim, são os caminhos encontrados pela razão pra criar sentido à vida.

Em outras palavras, é necessário acabar com a ignorância de cada indivíduo a respeito de sua própria essência (e a dos outros, se possível!) e de sua importância em relação ao todo. Estimular a consciência de pertencimento à Natureza e a relação que seus hábitos de consumo estabelecem com a degradação do meio ambiente, ao qual está inserido e que será o palco da vida das próximas gerações, as dos nossos filhos e netos.

Os escritos de Marx são, ao menos para mim, um incentivo à emancipação e à autonomia. Seria interessante ter essa concepção em mente diante de todas e quaisquer relações pessoais cotidianas (não apenas na Academia). Isso é o que chamo de Sociologia ativa. É essencial à qualquer ação efetiva não ter nenhum tipo de preconceito afim de compreender as mais diversificadas visões de mundo existentes dentro da sociedade. Somente após o contato com tal conhecimento é possível produzir críticas e, acima de tudo, produzir críticas construtivas.

O que mais admiro na obra de Marx é a dedicação que ele teve em assumir a voz dos desfavorecidos pelo modelo burguês de sociedade (mais estabelecido hoje, do que nunca). Encarnou os dramas dos menos favorecidos e, ao dividir a sociedade em classes, apontou as contradições e deficiências humanas perante a realidade concreta, a fim de entender as estruturas sociais e seu funcionamento. Afinal as Ciências Sociais devem investigar a realidade social, apontando suas falhas e emitindo suas conclusões. Isso seria algo como uma engenharia. Porém, deve-se ter em conta que essa seria uma engenharia com uma característica primordial: trata do ser humano, complexo, longe de ser um dado exato, que revela uma infinidade de contradições (e essa característica exclui de uma vez por todas qualquer forma de fascismo!). E é exatamente em cima dessas contradições que a Sociologia deve se concentrar. E é com elas que deve conviver e buscar soluções. E esse conhecimento encontra terreno fértil entre as classes menos favorecidas, pois é diante às dificuldades para manutenção da vida que é maior a exigência por caminhos alternativos, possíveis através de um estudo geral, que investigue não apenas a realidade de uma classe, mas a realidade global. Importante lembrar que o conhecimento produzido dessa forma não deve se restringir apenas a uma classe. Deve chegar a todos, democraticamente. Seria nesse momento utópico, no qual cada indivíduo pudesse alcançar sua própria autonomia, que se extinguiria a divisão do ser humano em classes, livrando-o das “alienações ideológicas alienadas” e seus preceitos totalitários.

Leonardo André
Enviado por Leonardo André em 08/11/2005
Reeditado em 18/05/2007
Código do texto: T68826