O ARCANJO, CAP IV

Aos poucos, se aproxima de meus ouvidos, um doce conjunto de belos acordes. De início, acreditei tratar-se de um déjavu, tão logo observei que era , de fato, uma canção conhecida - Não há como esquecer-se de Uma bela canção. Indescritível sensação de paz, plenitude e temperança tomam conta de minha alma. O encadeamento perfeito das notas era com um sequência de tintas que se distribuem à colorir um bela pintura. É maravilhoso o poder que possui a música, tão bonita, em meio ao caos, pode acalmar o maior dos aflitos.

É maravilhoso, não é? indagou o Arcanjo.

O Arcanjo era um amante das belas coisas da vida. Em seus discursos, pôs-se a dizer:

A arte é para ser bela, simplesmente. A arte não se serve para retratar a realidade do mundo que a circunda, talvez seja um mero reflexo esfumaçado dele. Fosse a arte um retrato fiel do mundo, se chamaria ciência e não arte.

A ciência e a arte, somente os homens podem possuí-la. Disse ao Arcanjo.

A ciência tem em si um pouco da arte, a saber, a ciência retira suas inspirações da arte. No mais, tanto a arte como a ciência são tentativas frustradas do homem de ver o mundo, o mundo nunca poder ser visto como ele realmente é, seja pela arte, seja pela ciência.

Tão logo observei que o Arcanjo também tinha de humano sua incapacidade de ouvir. Os monólogos a dois não me despertam orgasmo algum. Sempre preferi me imergir nos outros, entrar por inteiro, tentar compreendê-los - a pior solidão é aquele que se vivência não quando se estar só, mas quando se está acompanhado.

Novamente, a tristeza tomou conta de minha alma, senti que nunca poderia ser ouvido por alguém. Como é forte a dor de não poder ser compreendido.

Começo a viajar naquela canção. A música trouxe de volta minha infância e com ela sua lembranças. Lembrei-me da liberdade que era ser pequenino, da pureza como que vivia meus dias, um atrás do outro. Naquele época podia usufruir dos maiores prazeres da vida, com uma consciência leve como a lã, ouvido os gargalhos das outras crianças que brincavam comigo. As infinitas possibilidades de escolhas e descobertas que me despertavam sempre o desejo de viver e de viver, mais e mais. A vida, naquele época, era dotada de um temperança sem igual, calcada na forte energia e disposição que eu tinha pra realizar todos os meus desejos. Não parecia haver limites. Meus sonhos todos não eram inacansaveis. As lembranças que me vem à mente, não me impedem, de, aos poucos, ser atraído lentamente pela canção que tocava.

Ao me aproximar, vi que o som que tocava saia de um pequena orquestra sinfônica que tocava. Todos estavam dispostos em formas de círculo, como se estivessem a venerar algo que abrigavam em seu interior.

Os músicos eram animais dos mais estranhos possíveis. Um dos seus, se parecia muito com um porcino. Seus cabelos longos brancos claros emergiam de sua pele rozeada. Tinha fucinho longo, orelhas compridas e olhos negros profundos. Aquilo me causou uma sensação de estranheza, pois todos os animais que ali tocavam tinha algo de humano em si. Era possível ver os homens que se abrigavam em suas almas. Também os seus instrumentos era diferentes de todos os que já tinha visto, totalemnte alheio ao conhecido. A passos largos, me aproximei do seu centro para ver o que cultuavam.

Havia ali, ao centro, com todos os músicos em sua volta, um casal que cópulava freneticamente buscando, como se o mundo fosse acabar naquele instante, satisfazer toda sua lascívia. O casal era profundamente marcado pela velhice, com seus cabelos grisalhos e rugas em todo o corpo. Corpos magros cobertos de fluidos se entrelaçavam, parecendo ser apenas um. Possuíam olhos baixos, quase adormecidos, enquanto seus ventres pareciam comprimidos pela sede que traspassava em suas línguas terrivelmente sedentas por água.

De repente, o coito é interrompido por um homem que se punha quase ao centro, bem próximo ao erotismo que ali ocorria. Esse tinha olhos igualmente negros, quase cobertos por sua pele longa e escura. Seus dentes eram grandes, inspitando o medo de que tudo pudesse devorar. Escorria de seus lábios um líquido leitoso e fétido de uma textura larga e gosmenta. Tinha características de humano personificado num coelho, com rosto marcado pela fome. Seu olhos eram profundos e assustadores. Pela roupa que trajava, logo percebi se tratar do maestro. E assim, começou a declarar com uma voz enrouquecida quase surda, em baixo tom:

O apetite sexual é o desejo mais banal de todos os desejos. O homem com tesao é igualmente a um cachorro que busca sua cadela no cio. Grita, se altera, busca desesperadamente, para, no fim, ao gozo, ver-se que não há mais prazer algum. Veja, a música, a literatura, o cinema dentre outros prazeres que vem da mente, não se esgotam em si mesmo. São prazeres que ficam sendo vividos até o momento que você não sabe em que ele já se foi. Já o coito, se resume a movimentos repetitivos e ilógicos que no gozo do prazer se esvai, guarnece, de uma só vez. É como se nunca houvesse tido prazer. O homem comete loucuras pelo sexo, quem dera que não houvesse tal desejo. Todos seriam tão mais livres.

Aos poucos, o tom de sua voz abaixava, gastava suas últimas energias concentrando todos os esforços em sua voz, ao dizer:

Vejam, Todos são profudamente solitários. Por mais que dois orgasmos sejam simultâneos, continuaram sendo dois orgasmos. Ninguém podem viver em teu lugar, nem morrer em teu lugar, tampouco sofrer ou amar em teu lugar. O que tu vives com teu melhor companheiro, vives sozinho: teu companheiro viveu outra experiência diferente daquele tu experimentastes. Mesmo assim, não te desesperas: o sábio é amante da solidão, somente Narciso tem horror dela, uma vez que vê-se diante de seu nada e nisso se afoga. Sigamos, sem esperança, sem desespero, isto é a vida que nos aguarda, a vida feliz.

Nenhum dos que ali estavam perceberam minha presença - minha existência se mostrara ocultamais uma vez. Novamente começo a duvidar de tudo que vira.

Com a esquizofrenia se aproximando vividamente de minha alma, decido seguir meus caminhos pelo céu.

Douglas Rocha
Enviado por Douglas Rocha em 05/06/2020
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