O HOMEM FANTASMA

Para um homem que mora nas ruas suas trouxas são seus fantasmas. Melhor seria se ele realmente se atirasse à ajuda humana, nos tecidos do meio social e assim logo viria a mútua cooperação e a solução para aquela situação de rua. Mas nem a sociedade quer ajudar, nem quem precisa quer ser ajudado. Espero compreender o porquê disso com a escrita desse livro. Por hora sinto que o olhar afligido não ajuda. Por hora sei que o ódio por estar faminto não cola. Mas com o Gigante era tudo diferente. Ele se mostrava incapaz de estabelecer laços de amizade, por haver nele um bloqueio em meio ao sofrimento. O sofrimento leva à loucura. E ele tinha algo de louco... mas um louco exótico por estar infligindo algumas leis - eu sei, por estar faminto.

O Chaves do seriado de TV mora num barril, isso todo mundo sabe, mas o que poucos repararam é que ele não tinha a tralha, os pertences, a trouxa, de muitos indigentes, de muitos andarilhos. O que isso prova? Prova que devemos abrir não do pouco que é toneladas de tudo para que de fato possamos ser ouvidos e ajudados. Era assim que eu pensava. É assim que eu penso. Então como ajudar um homem propenso aos riscos das ruas? O Gigante na sua trouxa trazia cobertor, pão e às vezes comida em decomposição.

A cidade de Inhumas tem cerca de 50.000 habitantes e em suas cercanias há partes de pedras e rinhas de motos e carros e há seletas partes de muros altos. E sempre faço descobertas nela, por ser ela a cidade em que eu moro, cidade que amo. Minha mãe conta de um homem que morava em sua cidade natal, Araxá, muito parecido com o nosso Bacuri. São figuras que se repetem...

Como ajudar o Gigante? Era isso que eu precisamente precisava saber e por que não enfocar que homens assim, viram fantasmas fora do jardim?

A sociedade marginaliza seus marginais porque ela é sociedade e não família. Se todos nos tratássemos como família iriamos atrás da ovelha perdida por mais emburrada que ela esteja. Agora morar nos bosques é um direito de cada um. Na Grécia Antiga tinha um filósofo muito emblemático, Epicuro, que pensou que a felicidade estava um pouco mais afastada das cidades, seriam os bosques? Que sejam então, mas morrer de fome não é para ninguém. Na Antiga Grécia também tinham os filósofos cínicos que queriam viver como cães, na mais simples e singela forma de viver, sem posses, sem poses, sem nada... seriam os hippies de hoje? Pode ser... mas a mendicância tem que ser vista como fracasso nosso e não como opção de vida apenas. Não defendo quem não quer ser ajudado. Mas o “não quer” pode ser uma barreira psicológica, um bloqueio frente ao passado que com o “tempo de amor” pode ser superado. “Tempo de Amor” é como lidar com a situação, ajudar... envolver talvez não. Com o Gigante eu me envolvi e não me arrependo. Sei que ele poderia reagir e até tentar me machucar, era um risco, um preço - para aos poucos fazer daquele homem fantasma um homem por si mesmo visto. E visto por seus próprios olhos vermelhos e cansado por tanta falta de como dormir, ou do sono que nunca mais vem. Mas como mostrar seu rosto no espelho sem que ele fique cortado?

faz parte do meu Livro

O POETA E O GIGANTE