Natureza x Civilização

O texto que segue é parte de uma seção de um capítulo do livro Terapia e Cosmovisão que eu estou escrevendo e que está disponível em http://ctbornstl.blogspot.com/

O ser humano é mal adaptado ao meio que o cerca. A evolução foi rápida demais, não permitindo as necessárias acomodações. Assim, as formas de aprendizado no homem nem sempre estão bem adaptadas às suas reais necessidades. O aprendizado feito na infância, fase em que o homem está mais próximo da natureza, nem sempre se adéqua às necessidades do homem adulto. Consideremos, por exemplo, o medo. Esta reação é perfeitamente normal quando se é criança. Possibilita a fuga para o regaço da mãe, ou outro abrigo qualquer, deflagra o choro ou gritos que são fundamentais para chamar a atenção de adultos ou algum outro tipo de socorro. No mundo animal, esta reação também é a mais comum entre os filhotes. Acontece que entre muitos animais este tipo de reação continua válido na fase adulta. Ante o perigo, o melhor que um pato adulto faz é ter medo e fugir para a água que, neste caso, é o seu refúgio. Claro que isto não é bem verdade para leões se bem que certamente existem situações (uma manada de elefantes, por exemplo) em que a melhor reação que o leão tem é aquela aprendida na infância.

Medo e fuga, no entanto, dificilmente são reações adequadas para um homem ou mulher adulta, inclusive porque a maioria das situações de perigo encontrada não permite a fuga, muito menos choro e gritos. A inadequação destes últimos é tão flagrante que eles foram quase que inteiramente banidos, persistindo tão somente em situações extremas, mais de dor e tristeza do que de perigo. Sob a mira de um revólver, de nada adianta a fuga, nem tampouco choro ou grito. Dentre as poucas perspectivas que se tem, nesta situação, está a preservação de sangue frio para se aperceber de brechas, bem como a tentativa de negociação com o inimigo. Melhor exemplo talvez forneça a escalada de um pico ou a travessia de um rio caudaloso. Neste caso, o medo mais atrapalha do que ajuda, se bem que certo nível de tensão ajuda na concentração e na atenção. Medo demais, no entanto, enfraquece a vontade de superar os obstáculos.

A maioria das situações de perigo encontrada na nossa sociedade é muito mais mental e psicológica do que física. Um sujeito que tem que fazer um discurso em público, alguém que vai ser entrevistado em um emprego, um interrogatório em um julgamento importante, a defesa de um ponto de vista polêmico em uma reunião, o fechamento de um negócio de alto risco, uma decisão a ser tomada em um momento crucial da vida, tudo isto são situações em que fuga, choro e gritos têm pouca serventia. Certa dose de medo pode aguçar a mente, tornando o raciocínio mais rápido; adrenalina demais, no entanto, mais confunde do que ajuda. O medo frequentemente imobiliza e nas situações acima, imobilização é fatal.

O medo na natureza está sempre associado ao perigo e a situações de risco. Risco e perigo ocorrem quando o animal se encontra em situações de real ou aparente inferioridade e precisa ativar as defesas. A defesa pode ser a fuga ou algum outro recurso específico e o medo deflagra reações fisiológicas que preparam o animal para a utilização eficiente destes recursos. Por exemplo, o medo pode reduzir o calibre dos vasos periféricos e assim diminuir o risco de uma hemorragia em um acidente. No ser humano permanecem boa parte destes mecanismos, fruto da sua herança animal e da sua inserção na natureza. Estes mecanismos podem ser adequados na infância. O medo que surge em uma situação inusitada, representando um risco potencial (pode ser uma dor, um desconforto ou uma mudança brusca das condições ambientais), deflagra o choro da criança que visa trazer a proteção da mãe. A fuga da criança que corre a se esconder debaixo da cama quando surge um estrondo, pode ser um recurso adequado ante um perigo.

Só que na fase adulta a maioria das situações de perigo não mais tornam adequada a utilização destes recursos. Muito embora um membro da diretoria de uma empresa, questionado em uma reunião de acionistas, possa sentir vontade de fugir para baixo da mesa, dificilmente esta reação poderá ser considerada adequada. Tampouco o choro vai contribuir para que ele consolide os seus pontos de vista. Muito menos ele precisa da redução do calibre dos vasos periféricos e o risco de um acidente provocando hemorragia externa é certamente remoto, a menos que os acionistas estejam armados. O aumento dos batimentos cardíacos e da pressão arterial mais atrapalha que ajuda o seu raciocínio e o seu poder de argumentação, estes sim, fundamentais na defesa dos seus interesses. O que ele precisa sim é de sangue frio, acuidade mental, concentração, rapidez de raciocínio e domínio de linguagem. Boa parte destas aptidões se contrapõe frontalmente à sua herança animal. O frio necessário se contrapõe ao quente do seu passado. É, portanto, necessário fazer um novo aprendizado, substituir os padrões herdados do passado animal por padrões mais condizentes com a civilização moderna.