Descrituras
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“(...) Deram-me esta bela gravata... como um presente de desaniversário! – o que é um presente de desaniversário ? – Um presente oferecido quando não é seu aniversário, naturalmente.”
Lewis Carroll
Uma redação se faz página cotidiana na vida de qualquer pessoa, quer ela entenda ou não. Algo que restaria esquecido, não fosse a ousadia semiótica a tentar decifrar essa trama de códigos imperfeitos. Por esse esboço, a lógica descritura se incompleta para prosseguir inconclusa, aberta, viva.
Nem sempre se escolhe escrever. Algumas vezes são as palavras a escolher um sujeito para se dizer. Conteúdos de rascunho, ilação, percepção extemporânea, reflexão. Aproximações com a zona interdita nas margens de cada um.
O tempo aprecia conceder eficácia de tradução aos traços persistentes. O sujeito prisioneiro dessa armadilha conceitual experimenta liberdades nem sempre possíveis de mencionar na forma retórica. A relação do universo singular com o mundo dos outros aprecia se realizar em manuscritos compartilhados.
A trama constitutiva dos termos agendados exibe um processo em curso na pessoa fonte de vivências, um deslocamento a mencionar labirintos desmerecidos. Esse olhar inédito, a conter invisibilidades, aproxima-se de um lugar sem nome.
Um refém sugere seu extraordinário teor discursivo em dialetos de novidade. Quiçá à espera de algo que o mantenha vivo, um pouco antes de ser verdade nalguma forma de religião. A desnecessidade aparece, ao autor destas linhas, como um lugar provisório aos textos por vir.
No encontro do acaso com a definição o sujeito desdobra-se num percurso onde entrevê seu ser passando. Assim as releituras podem conseguir um vislumbre desses traços malditos. Nalguns instantes as palavras podem antecipar a visão do paraíso ou inferno pessoal.
Essa teia de signos possui intencionalidade transbordante, a qual, longe da singularidade que a produz, nada é. Sua ameaça às certezas oscila com a frequência das interseções do seu entorno. Os rituais de autodescoberta esparramam vestígios de arquitetura indizível. Quiçá tentativa de expandir a janelinha diante do espelho.
Escreve-se por não saber por quê. Quando se sabe já são outras razões. Nessa dialética a descritura aproxima sonho com a vida real. Já é outro aquele mesmo que se foi. Convivência absurda a parir virgindades.
*Hélio Strassburger in “A Palavra Fora de Si – Anotações de Filosofia Clínica e Linguagem”. Ed. Multifoco. Rio de Janeiro/RJ.
Hélio Strassburger
Enviado por Hélio Strassburger em 11/01/2021
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