A justiça divina e a impunidade no Brasil

Hoje dia 2 de abril, Sexta-feira da Paixão.  É uma data muito importante para os cristãos, pois  segundo a tradição cristã é o memorial da paixão,  morte e ressurreição do Salvador.  Mas à propósito, Jesus morreu para nos salvar de que mesmo? Mais uma vez as encenações da paixão de Cristo ficarão restritas à  internet por conta dessa pandemia.  Realmente o Deus todo poderoso  não consegue acabar com esse terrível flagelo chamado coronavirus que já vem dizimando a população  do planeta há mais de um ano e inclusive fechando as suas igrejas.   Como acreditar em um Deus que diz ter todo poder(onipotente),  mas não é capaz de acabar de vez com com o sofrimento e fazer valer a sua justiça.

Muito se fala que Deus é infinitamente misericordioso e justo.  Que Deus está no controle da situação e que não desampara ninguém.  Existe um versículo bíblico que está em Mateus 5:45 que diz:

" Pois ele faz nascer o sol sobre maus e bons e faz cair chuva sobre justos e injustos."

O versículo traz uma linguagem metafórica perfeitamente compreensível que mostra que tantos os bons como os maus desfruntam das bênçãos divinas.  Eu vi inclusive num site o seguinte comentário:

" Ao contrário do que pensam alguns,  o Deus de Jesus Cristo não faz contabilidade de nossos méritos.  Manda chuva para quem reza o terço e quem não reza, para quem faz promessa e para quem não faz, porque ele é o Deus da misericórdia e não da retribuição.

Na dinâmica da fé,  não funciona a lógica da meritocracia,  mas da bondade divina.  Vamos acabar com esse equívoco de que Deus privilegia uns em detrimento dos outros?"

Em primeiro lugar já podemos observar que trata-se de um site católico,  pois o texto fala em "terço" e em "promessa". Os fiéis evangélicos não têm por hábito rezar o terço nem tão pouco fazer promessas.  Trata-se de um costume da igreja católica.

Irei aqui fazer alguns comentários a fim de refutar essas doutrinas bizarras do cristianismo,  mostrando através da própria Bíblia o quão elas são incoerentes.  O texto diz que Jesus Cristo não faz contabilidade dos nossos méritos,  todavia em Tiago 2:14 diz que a fé sem obras é morta. Em outras palavras,  do que adianta ter fé se essa fé não se traduzir em obras?

Em Romanos 10:13 diz: "Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo" o que mostra que as obras já não têm mais importância.  Basta lembrar do "bom ladrão" na cruz. Em seguida,  o texto diz que tanto os justos como os ímpios desfrutam da benignidade de Deus.  Ora a misericórdia divina consiste no perdão.  Na remissão dos pecados.  Se o indivíduo é perdoado nenhuma condenação lhe será imputada. Daí a pergunta: onde entraria a justiça divina?

Como pode uma pessoa que foi má durante uma vida inteira ser perdoada e não cumprir a sua pena? Não há como se falar em justiça se não houver uma punição,  pois isso seria um incentivo às práticas delituosas na certeza da impunidade.  Além disso,  a ideia de uma condenação eterna no inferno mostra um radicalismo extremo de um Deus que já não tem mais nada de misericordioso.  Percebem então a grande incoerência bíblica? O texto fala ainda na "bondade divina " . Se Deus abençoa a todos pela sua misericórdia independente se a pessoa é justa ou não,  aonde entra a justiça divina?

Se levarmos em consideração que Deus é infinitamente misericordioso, então ele não pode ser justo ou vice versa.  Como pode ainda Deus ser justo se permite tantas injustiças? Quantas pessoas más que deveriam estar sofrendo um castigo,  mas estão impunes. Ainda que a justiça dos homens seja falha, mas a justiça divina deveria preencher essa lacuna.  Muitos podem até argumentar a questão do livre arbítrio para justificar a omissão divina num mundo de tantas injustiças.

Se o bandido foi preso,  julgado e condenado não houve intervenção divina, mas o cumprimento das leis dos homens. Infelizmente as penas estabelecidas no nosso Código Penal já tão ultrapassado evidenciam o quão injustas são as nossas leis. Um indivíduo que comete um crime de homicídio com requintes de crueldade no mínimo deveria ficar o resto da vida na cadeia.  Infelizmente não existe prisão perpétua ou pena de morte prevista em nossa legislação. Dentro de alguns anos esse delinquente voltará ao convívio social.

Na grande maioria das vezes,  esses Indivíduos são reincidentes o que mostra que na quase totalidade dos casos, o sistema prisional não recupera esses Indivíduos  principalmente àqueles que vivem do tráfico de drogas e que integram facções criminosas,  pois já não conseguem mais se libertar da criminalidade.

Recentemente,  foi noticiado na mídia

que o chefe do tráfico na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, Éderson José Gonçalves Leite, o Sam, deixou a cadeia na quarta-feira (17) após 20 anos preso. Ele foi beneficiado por uma decisão judicial em que é autorizada a liberdade condicional. Como pode indivíduos de alta periculosidade serem reinseridos na sociedade?  Indivíduos que integram facções criminosas jamais poderiam voltar ao convívio social. Num país sério seriam condenados a uma prisão perpétua.  Além disso existem também aqueles considerados de alto grau de periculosidade como é o caso de indivíduos psicopatas  capazes de cometer os crimes mais cruéis. 

Um dos casos mais emblemáticos de impunidade do nosso país é o caso do casal Guilherme de Pádua e Paula Thomaz. Condenados por crime de homicídio duplamente qualificado  à pena de reclusão de 19 anos e 18 anos respectivamente  pelo assassinato brutal da atriz Daniela Perez em 1992. Cumpriram apenas 1/3 da pena, ou seja, ficaram presos apenas cerca de 7 anos e em 1999 ganharam a liberdade condicional graças às nossas leis tão ineficazes.

Esse crime causou grande repercussão e comoção no país,  que depois veio a ensejar com alterações significativas na Lei dos crimes hediondos. Na época o casal foi condenado por crime de homicídio duplamente qualificado ( motivo torpe e sem possibilidade de defesa da vítima). O crime não era considerado hediondo e o apenado após o cumprimento de 1/3 da pena tinha direito à liberdade condicional.  Através de iniciativa popular,  a mãe da vítima a autora novelista Glória Perez  conseguiu colher mais de 1 milhão de assinaturas para que o crime de homicídio qualificado fosse elencado no rol dos crimes hediondos.  A lei foi aprovada em 1994, todavia os autores do crime não receberam a punição mais severa para quem comete crimes hediondos,  dado o princípio da irretroatividade da lei penal que diz que a lei só poderá retroagir para beneficiar o réu,  nunca para prejudicá-lo. Como os dois já tinham sido condenados através de sentença condenatória transitada em julgado,  então não poderiam ser prejudicados com a nova lei. Resultado: depois de 7 anos conseguiram a liberdade condicional. Daí  mais uma vez a mesma  indagação: Cadê a justiça divina?

De acordo com a psiquiatria forense, esses criminosos possuem traços característicos da psicopatia, ou seja, sofrem de um tipo de transtorno de personalidade.   Indivíduos psicopata são pessoas desprovidas de sentimentos de afeição,  são manipuladores, mentirosos, egocêntricos, magalomaníacos, enfim, são pessoas que  não demonstram remorso ou sentimento de culpa, não demostram consideração com as vítimas ou parentes das vítimas ou quando o fazem agem de forma dissimulada.  São mestres na arte de enganar.

Apesar do Psicopata ter total discernimento dos seus atos, ainda que saiba que um determinado ato seja reprovável, o mesmo não mede esforços quando se pretende alcançar seus objetivos.  Dessa forma ele age manipulado por desvios de comportamento. Segundo a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa:

" Os psicopatas têm total ciência dos seus atos( a parte cognitiva ou racional é perfeita) ou seja, sabem perfeitamente que estão infringindo regras sociais e porque estão agindo dessa maneira.  A deficiência deles( e aí que mora o perigo) está no campo dos afetos e das emoções. Assim, para eles, tanto faz ferir, maltratar ou até matar alguém que atravesse o seu caminho ou os seus interesses,  mesmo que esse alguém faça parte do seu convívio íntimo. Esses comportamentos desprezíveis são resultados de uma escolha,  diga-se de passagem,  exercida de forma livre e sem qualquer culpa. A mais evidente expressão da psicopatia envolve a flagrante violação criminosa das regras sociais.  Sem qualquer surpresa adicional,  muitos psicopatas são assassinos violentos e cruéis.  No entanto,  como já foi dito, a maioria deles estão do lado de fora das grades, utilizando,  sem qualquer consciência,  habilidades maquiavélicas contra suas vítimas,  que para eles funcionam apenas como troféus". ( BARBOSA SILVA,  2008 p.36)

A grande maioria dos psicopatas são tratados como imputáveis,  ou seja,  são atribuídos à eles total responsabilidade de serem penalmente punidos como qualquer outro criminoso.  Quando o juiz entende  tratar-se de semi imputáveis  decretará como pena a medida de segurança restritiva  com diminuição da pena de 2/3 e esse é o grande problema, pois a psicopatia é considerada como doença mental. Por essa razão  se faz necessário um tratamento adequado,  se é que podemos falar em tratamento,  pois é quase  unânime a opinião dos especialistas que não existe um tratamento efetivo, pois vai depender muito do grau da doença. Em se tratando de uma psicopatia mais grave não há  porque se falar em cura. Portanto, indivíduos portadores desse tipo de enfermidade jamais poderiam cumprir pena junto com os demais presos por se tratar de indivíduos de alta periculosidade.  Deveriam ser colocados separados dos demais presos.

Como a  doença é de difícil diagnóstico  o psicopata se apresenta como uma pessoa normal em suas faculdades mentais,  sem distúrbios psíquicos,  o que pode retardar ou até mesmo falhar o diagnóstico. A psicopatia  por ser uma doença com baixíssimos índices de cura, ainda sim existe uma preocupação na recuperação ou ressocialização desses indivíduos, embora a maioria dos  especialistas sejam quase unânimes em afirmar que não existe um tratamento efetivo. 

Na minha opinião o ideal seria que  esses indivíduos  fossem colocados em alas separadas de acordo com o grau de periculosidade,  mas infelizmente a ineficácia do nosso sistema carcerário  têm produzido verdadeiros criminosos. Não é a toa que os presídios brasileiros constituem verdadeiras escolas do crime.

Infelizmente a maioria desses psicopatas cumprem pena em estabelecimento prisional comum junto com outros presos, devido à facilidade de dissimular bom comportamento carcerário. 

Como o tempo de duração da medida da segurança deve perdurar pelo prazo máximo de 30 anos, com exceção daqueles que são inimputáveis, ao atingirem o prazo máximo de internação os mesmos serão reinseridos ao seio da  sociedade, mesmo que a perícia médica conclua pela não cessação da periculosidade.  Mesmo os casos comprovadamente "curados" é objeto de controvérsias  devido à facilidade do indivíduo psicopata dissimular bom comportamento.  O perito termina se valendo apenas de critérios subjetivos.  Além disso a probabilidade de recidiva é de 30% a mais em psicopatas assassinos se comparados à criminosos comuns. Vejam o caso do assassino Francisco da Rocha Costa, mais conhecido como "Chico Picadinho".

Condenado por homicídio qualificado pelo assassinato de 2 mulheres.  O primeiro crime em 1966, quando assassinou e esquartejou Margareth Suida, uma bailarina austríaca que vivia há poucos anos no Brasil. Dez anos depois,  ganhou a liberdade condicional e em 1976 cometeu outro crime brutal. Espancou e estrangulou outra vítima e como se não bastasse ainda a esquartejou. Depois de 40 anos Francisco  poderá voltar ao  convívio social porque a legislação brasileira  estabelece  que a pena privativa de liberdade não poderá ultrapassar o prazo máximo de 30 anos.

Um outro crime de grande repercussão que chocou o país foi o caso de Suzane Von Ritchthofen. Em 2002 com apenas 18 anos de idade  ela premeditou o assassinato dos próprios pais com a ajuda dos irmãos cravinhos.

Presa desde 2004, hoje ela está cumprindo pena em regime semiaberto. Em 2015 ela conseguiu a progressão do regime fechado  e conta com direito a saídas temporárias.

Já um dos irmãos cravinhos, que estava em regime aberto teve novamente decretada a sua prisão preventiva por descumprir as regras do regime aberto. 

Devido os grandes índices de recidivas entre indivíduos psicopatas e a dificuldade de se ter um laudo confiável da sua cura é que grande parte dos médicos psiquiatras entendem se tratar de uma doença incurável e que indivíduos com essa patologia jamais poderiam ser reinseridos na sociedade.

Infelizmente indivíduos como "Chico Picadinho" "Guilherme de Pádua " " Suzane Richthofen e irmãos cravinhos" e tantos outros terminam  ganhando  a liberdade graça às benesses da lei.  Apesar de ser legal a  soltura desses delinquentes, mas devemos entender que nem sempre o conceito de justiça corresponde ao conceito de legalidade. Em outras palavras nem tudo que é legal é justo.

Infelizmente esse é o país da impunidade. Com a aprovação da Lei 13.964/ 2019 conhecida como "Lei anticrime" algumas mudanças significativas  ocorreram com a chamada progressão de regime. Sair de um regime fechado de pena para um regime mais benéfico exige agora um tempo maior no cumprimento da pena, todavia ainda estamos longe  de sermos um modelo de justiça, pois mesmo aqueles  condenados reincidentes em crimes hediondos ou equiparados após cumprirem 60% de suas penas poderão ter direito à um regime semi aberto. Exemplo:  um indivíduo comete o crime de tráfico de drogas e depois comete crime de extorsão mediante sequestro. Apesar de serem crimes distintos, mas têm a mesma natureza: o primeiro é equiparado à hediondo e o segundo enquadra o rol dos crimes hediondos.  Dessa forma,  por ser reincidente, o apenado deverá cumprir 60% da pena para ter direito à um regime semiaberto, podendo progredir  até mesmo para o regime aberto.  Com isso a possibilidade do criminoso ser reinserido na sociedade vai se tornando uma realidade cada vez mais próxima. Devido o caráter da pena ser a ressocialização do preso,  sabemos que o sistema prisional brasileiro é deficitário e na grande maioria dos casos não cumpre  com o seu papel de ressocialização ou de recuperação. 

É nessas horas que o religioso diz: "A justiça de Deus tarda, mas não falha" será? Se a justiça divina não falhasse a gente não viveria num dos países mais corruptos e violento do mundo.  Apesar de sermos um país predominantemente cristão, vivemos numa sociedade onde prevalece as injustiças sociais, onde a violência atinge níveis alarmantes.  Se o Brasil é um país predominantemente cristão, então deveríamos ser uma nação abençoada conforme diz salmo 33  "Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor"

Conclusão:

Diante do que foi exposto,  vimos o quão é ineficaz a justiça dos homens.  Se não podemos contar nem com essa justiça que é tão falha, imagine então contar com a "justiça divina". Portanto,  vimos que a impunidade é algo preponderante no nosso país.  De acordo com as nossas leis nenhum preso poderá ficar mais do que 40 anos atrás das grades nem mesmo os mais perigosos.

Na minha opinião,  a medida de segurança para indivíduos de alto grau de periculosidade como é o caso de psicopatas assassinos deveria ser sempre de caráter perpétuo, todavia a legislação penal com a nova redação dada pela lei 13.964/2019 estabelece que a duração da pena não poderá ser superior a 40 anos alterando o dispositivo do artigo 75 do Código Penal que estabecia o prazo máximo de 30 anos. A Constituição Federal estabelece que não poderá haver penas de caráter perpétuo conforme o art.5, inciso XLVII  sendo que esse dispositivo constitucional faz parte das cláusulas pétreas,  por essa razão não há possibilidade de instituir penas dessa natureza.  Sendo portanto,  uma realidade a reinserção de todo tipo de criminoso na sociedade desde os menos perigosos até os mais perigosos. Com tudo isso, fica comprovado que esse Deus dos cristãos nunca intervém,  daí aquele ditado: " a justiça divina tarda, mas não falha" é uma grande falácia

A religiosidade faz o homem atribuir à intervenção divina méritos meramente humanos.  Então,  quando ele fica curado de alguma enfermidade, ele diz que foi "graças à Deus ", mas na verdade foi graças à medicina. Quando o indivíduo escapa de uma tentativa de homicídio ou um trágico acidente, aí ele diz que foi um "livramento", mas na verdade trata-se de uma eventualidade onde o fator sorte foi preponderante.  Deus algum interveio. Como é possível as pessoas acreditarem que Deus é justo,  se vivemos num país onde a impunidade prevalece?

Sabemos que a corrupção traz sérias consequências para o desenvolvimento de uma nação.  As desigualdades sociais bem como a má distribuição de renda são decorrentes de uma má gestão governamental,  isso sem falar num outro grande problema social que é a violência.  Se Deus fosse realmente justo e fiel com a sua "Palavra" ele cumpriria com as suas promessas conforme está no salmo 37:25:

"Já fui jovem e agora sou velho,  mas nunca vi o justo desamparado, nem seus filhos mendigando o pão".

Quantas pessoas que nesse momento de pandemia estão desempregadas, crianças passando fome, milhares de pessoas em situação de extrema miséria.  Pessoas que estão a depender unicamente da solidariedade humana, pois o Deus do impossível nada irá fazer por elas.  Para os fiéis resta apenas a esperança de que um dia esse Deus irá ouvir o clamor desses justos conforme está em sua "Palavra":

" Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça,  pois serão saciados". Mateus 5:6

Só que infelizmente esse tão sonhado dia nunca chega.  Enfim, são promessas e mais promessas que não se cumprem.

Já faz mais de 2 mil anos que os cristãos estão aguardando por esse Deus que diz que vem sem demora conforme está em Apocalipse 3:11.

Para os que preferem permanecer na mentira,  uma mensagem de "esperança".

Para os que já se libertaram desse grande labirinto que é o sistema religioso, mais uma ilusão cristã.  Afinal,  o propósito do cristianismo é perpetuar essa mentira de que Jesus ressuscitou e que um dia ele voltará para enxugar todas as lágrimas.  Na verdade ele deveria ter voltado, mas para a sua geração conforme ele havia prometido e não voltou. Mais uma vez é a própria Bíblia testificando contra ela mesma:

"Com toda a certeza vos afirmo que alguns dos que aqui estão não experimentarão a morte até que vejam o Filho do homem vindo em Seu Reino". Mateus 16:28