Lavelle x Descartes

Descartes cometeu um erro ao afirmar a existência do ser a partir do pensamento. Não é correto penso, logo existo mas sim existo, logo, devido a uma característica do meu ser, penso.

Primeiramente, o pensamento é uma faculdade da alma e, obviamente, a alma vem antes da existência física.

Louis Lavelle explica em "A Presença Total" que o próprio pensamento é um ser. Quando pensamos o mundo à maneira de Descartes, nos inclinamos a ver nosso pensamento como interno ao corpo, como se nossa individualidade partisse da existência biológica. Lavelle, por outro lado, aponta que esta individualidade, junto com a sua consciência, é fruto da divisão do nosso ser partindo do ser total, que considero como a nossa criação por parte de Deus.

Esta separação separa, por sua vez, o pensamento da realidade sobre a qual pensa. Quando se pensa sobre um objeto a nossa consciência passa a buscar nas categorias os dados que definem aquele objeto. Se pudéssemos conhecer plenamente este mesmo objeto então não haveria distinção entre o pensamento e o objeto. O único que consegue eliminar completamente esta distinção, compreendendo perfeitamente o objeto é Deus. Justamente por isso é que o verbo divino é ordem do ser.

É comum em aparições angelicais ou divinas que a pessoa se assuste por não saber o que está acontecendo. Porém, no mesmo instante em que é pronunciada a ordem divina "não tenhais medo" este mesmo medo desaparece. Por isto afirmo que o verbo divino é ordem de ser. O que Deus diz torna-se real no mesmo instante em que é dito.

Isto quer dizer que o pensamento divino é ato enquanto o pensamento humano é potência. Ainda segundo Lavelle, quando nosso pensamento é colocado sobre um objeto há uma certa forma de complementação. O objeto tem em si algo de atual, de real, enquanto o pensamento possui as potências daquele objeto. Em outras palavras, o pensamento nos mostra o que podemos fazer enquanto o objeto nos fornece o material para que o façamos. Isto mostra que o verbo do nosso pensamento não se realiza senão por uma ação temporal.

No entanto o pensamento é um ser também. O pensamento existe e, se existe, é algo. Que devemos pensar em Deus todos sabemos, mas quem é Deus senão o Ser Supremo. Isto que Lavelle chama de presença total não é senão Deus. Presença total e onipresença são sinônimos.

A diferença aqui é que o pensamento, sendo um ser, é capaz de compreender a diferença entre ser e não ser. Sabe o que é ser. Como o pensamento sabe o que é um ser, adquire consciência de si mesmo, percebendo a sua presença temporal junto a inúmeros outros objetos também presentes neste mesmo momento.

Perceber que tudo que está presente no mundo existe e é real é o primeiro passo na percepção da existência de Deus. Se tudo que está presente existe na mesma existência em que eu existo é necessário reconhecer que há uma existência superior que engloba todas estas existências individuais.

Ainda é necessário compreender que somente a inteligência é o que organiza. O bloqueio criado por Descartes vem da cosmovisão criada pela sua afirmação. Quando buscamos a Deus através do pensamento divino encontramos muitos entraves, principalmente por notar que a realidade, apesar de estar organizada de certa forma, não confere nunca com as diversas idealizações de realidade. Se nosso pensamento é capaz de idealizar algo, quão mais capaz seria o intelecto divino? Além, no caso de Deus, esta idealização deveria corresponder fielmente com a realidade. Como isto não acontece, parte-se do principio de que a realidade não foi idealizada e, assim sendo, Deus não existe.

Indo além, se há uma inteligência onipotente, onisciente e onipresente capaz de realizar o mundo como ideal caímos na velha discussão entre determinismo e livre-arbítrio.

Sabemos, no entanto, que não estamos completamente determinados e nem completamente livres. Isto porque Deus não se origina no pensamento mas na existência. Ele quis que existíssemos, Ele quer que sejamos alguém, um ser individual, e não apenas algo. Por isso o importante é o que somos e não o que temos. O deus originário do pensamento seria o deus da pura lógica antes do amor, da quantidade antes da qualidade. Sabemos que não é este o Deus verdadeiro.

Assim sendo, Ele nos limita apenas naquilo que reduz o ser dos outros, ou seja, na moral e no direito natural e nos incentiva em tudo que aumenta os outros, amor, humildade e fé. Buscar o Deus através da busca do ser é a única forma realmente frutífera de encontrar o Ser Supremo, aquele que nos sustenta em Sua mão, ou seja, que nos dá o ser a partir do Seu próprio ser.

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