Por ser expressão do moderno, o Modernismo está em constante renovação

Por ser expressão do moderno, o Modernismo está em constante renovação (*)

Não há dúvidas de que estamos diante de um novo momento do Modernismo e, ao que parece, este 'Congresso Internacional' faz parte de um importante processo de renovação da arte.

Alexandre Santos (**)

Introdução

Segundo os dicionários, Modernismo é a qualidade daquilo que é 'moderno' - conceito que, por sua vez, se refere às coisas recentes, àquilo ocorrido por estes dias. Assim, mesmo nos termos colocado por Charles Baudelaire no memorável ensaio 'O Pintor da Vida Moderna', sempre há algo moderno e, naturalmente, sempre pode haver um 'Modernismo' a ele associado.

Nesta perspectiva, tinham razão aqueles que, no final do século XIX e início do século XX, se, dizendo (e sendo) modernos, se insurgiram contra as correntes tradicionais da época e, acreditando que as formas tradicionais das artes então praticadas estavam ultrapassadas e sentindo a necessidade de criar uma nova cultura, criaram o 'Modernismo' - um conjunto de movimentos artísticos que inovou as criações, experimentando novas técnicas e fazendo de tudo para romper com o 'passado' - com o objetivo de transformar as características culturais e sociais estabelecidas, substituindo-as por novas formas.

O 'Modernismo', assim, é um movimento da contemporaneidade (qualquer que seja ela), um movimento dos 'modernos' da época, um movimento daqueles que, por rebeldia, [por] necessidade intelectual ou [por] impulso artístico, se levantam contra o status quo e, com diferentes graus de ousadia, num claro processo dialético, inovam a arte e, de forma deliberada ou não, criam novas fases do Modernismo, animando uma espécie de ondeamento que, de certa forma, o mantém [mantém o Modernismo] sempre 'moderno'.

Assim, da mesma forma que foram 'modernos' aqueles que, inspirados na loja 'Art Nouveau' aberta por Samuel Bing em Paris em 1895, criaram o 'movimento Modernista' nos fins do século XIX, também foram 'modernos' aqueles que, anos mais tarde, eventualmente contrariando o gosto de alguns 'modernistas' daquela época, promoveram ajustes no panorama artístico de então e, também, são modernos os artistas que, em todas as épocas (inclusive a atual), introduzem modificações no rumo geral da arte. Aliás, para desencanto daqueles mais apegados a datas, o Modernismo está sempre se renovando e, assim, se mantendo moderno.

O Modernismo no Brasil e a Semana de Arte Moderna

No Brasil, desconsiderando a 'eterna contemporaneidade' do conceito e valorizando o momento de insatisfação política decorrente da aumento da inflação, da crise populacional e grande disparidade social, os historiadores se referem ao Modernismo como um amplo movimento cultural desencadeado a partir da assimilação de tendências culturais e artísticas lançadas na Europa no período antecedente à I Guerra Mundial - as vanguardas europeias, entre as quais o Cubismo, o Futurismo, o Dadaísmo, o Expressionismo e o Surrealismo - e que repercutiram fortemente sobre a cena artística brasileira na primeira metade do século XX, sobretudo no campo da literatura e das artes plásticas. Pouco a pouco, embora valorizando elementos da cultura nacional brasileira, adotando a simplificação do discurso e a aproximação da linguagem popular como nortes, as inovações trazidas pelos movimentos artísticos e literários europeus foram assimiladas no contexto artístico brasileiro. Assim, o Modernismo rompeu com a tradição clássica e deu início à formação de uma identidade genuinamente brasileira, inaugurando e consolidando uma época de drásticas transformações, marcando-as pela sensação de fragmentação da realidade.

Vale dizer que, naquela época, somando-se ao inconformismo cultural prevalecente e cientes de que, ainda recente, a República do Brasil estava em busca de uma identidade, os modernistas sentiam necessidade de mudar o meio em que viviam e de experimentar novos conceitos, pregando a ideia de que a arte deveria influenciar a formação da identidade nacional brasileira.

Embora o marco oficial do Movimento Modernista no Brasil seja a Semana de Arte Moderna de 1922, alguns estudiosos, incluindo o ex-curador adjunto do Museu de Arte Moderna de Nova York Paulo Herkenhoff, afirmam que, por ser berço das obras de pintores como Vicente do Rego Monteiro, da poesia de Manuel Bandeira, da sociologia de Gilberto Freyre, de manifestações da cultura popular como o frevo e o cordel e de grandes mudanças urbanísticas no começo do século XX, o Recife foi a cidade pioneira do Modernismo no Brasil.

Esta opinião, no entanto, não muda a natureza das coisas.

O marco oficial do Movimento Modernista no Brasil é a 'Semana de Arte Moderna de 1922' - uma manifestação artística e cultural, com apresentações de dança, música, recital de poesias, exposição de pinturas e esculturas e palestras, ocorrida no Theatro Municipal de São Paulo entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922, organizada por artistas irrequietos - entre os quais Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Brecheret, Tarsila do Amaral, Villa-Lobos, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Guilherme de Almeida - que, com base na estética inovadora das Vanguardas Europeias, propunham uma nova visão da arte, incluindo a proposta de que, sem amarras estéticas, preocupações com estilos rígidos ou normas acadêmicas, a Arte deveria ser a voz da identidade brasileira. Para se ter ideia da pluralidade da Semana de Arte Moderna de 1922, entre os seus participantes, também havia conservadores, como, por exemplo, Graça Aranha, que foi um dos oradores do encontro.

Em sua primeira fase, aquela apontada em 1922, que se opunha de forma radical ao 'passado' e chamada por alguns de '[fase] heróica', pleno de irreverência e escândalo, o Modernismo brasileiro, especialmente no campo literário, foi marcado pela busca de uma linguagem brasileira, pelo nacionalismo, ironia, humor, paródia, relato do cotidiano, revisão crítica do passado histórico e cultural, subjetivismo e pela adoção dos versos livres na poesia, como (apontam os críticos literários) fizeram Manuel Bandeira, Oswald de Andrade e Mário de Andrade e os Movimentos Pau-Brasil e Antropofágico, o Grupo modernista-regionalista do Recife, o Movimento Verde-Amarelo e a Escola da Anta.

Mas, o moderno acompanha o passar do tempo e, com ele, segue o Modernismo. De qualquer forma, embora contínua, a adaptação do Modernismo aos novos tempos é registrada através de soluços. Assim, a história da arte literária brasileira aponta que a partir dos anos 30, mais 'bem comportada' e marcada pela preocupação social e política e pelo regionalismo, destacando a região nordeste, surgiu a chamada 'Geração de 30' com grandes romancistas e poetas, com proeminência para Carlos Drumond de Andrade, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, José Lins do Rego e Cecília Meireles. Os críticos literários e historiadores da arte fixaram 1945 como o ano da consolidação de uma terceira geração do Modernismo no Brasil, caracterizando-a pela oposição ao 'Modernismo' lançado em 1922, preocupação com a estética e relevo para a poesia com valorização da métrica e da rima, academicismo, retorno ao passado, oposição à liberdade formal, linguagem objetiva e metalinguagem, quesitos que a levaram a ser ridicularizada com o apelido de 'NeoParnasianismo'. Na 'Geração 45' se destacaram grandes escritores como João Cabral de Melo Neto, Décio Pignatari, Fagundes Telles, Clarice Lispector e Guimarães Rosa.

O triunfo do novo

Ao contrário daquilo que possa pensar os protagonistas de um 'moderno' (qualquer que seja ele), o passar do tempo envelhece a modernidade a ele associada, trazendo as rugas próprias da idade e abrindo caminho para uma nova modernidade. Isto ocorre em todos os lugares. No Brasil, o sentimento que motivou a Geração 22 envelheceu, abrindo lugar para aqueles [os sentimentos] que motivaram o surgimento da Geração 30, os quais, por sua vez, também envelheceram, abrindo lugar para aqueles [o surgimento de sentimentos] que motivaram a Geração 45, os quais, claro, também envelheceram, pois o tempo não para e o mundo continua a girar. Assim, por mais revolucionário que seja, o novo fica velho e um novo novo se impõe, criando novas e sucessivas gerações de vanguarda e, portanto, modernistas.

Deste modo, embora não tenha merecido registro especial dos críticos e historiadores da arte, muitas novas gerações modernistas surgiram no Brasil desde 1945 e, com maiores ou menores arroubos reformistas, refletiram os contextos históricos das ocasiões, desenvolvendo estilos próprios ou assimilando tendências estrangeiras. Seguindo o vai-e-vem das ondas sociais, artísticas e culturais, estas gerações vanguardistas cumpriram o seu próprio Modernismo, promovendo os avanços e recuos das suas épocas. É neste sentido que devem ser compreendidas, por exemplo, a poesia visual inspirada por Ernesto de Melo e Castro, o movimento hip-hop, a explosão mundial da arte de rua, a irreverência dos chamados poetas marginais do Recife e tantas outras manifestações, eventualmente anônimas ou pouco divulgadas, que sempre animam e revolucionam as cenas artísticas pelo País e pelo mundo.

Não há dúvida de que cada tempo tem a modernidade própria da sua época. Na realidade, além do envelhecimento que ameaça a todos, com poucas e raras exceções (que confirmam a regra), o momento artístico vivido por cada época tem seus próprios fantasmas e germes - uma mistura que, agindo como cupins, corrói a pertinência conjuntural e a transcendência eventualmente imaginada pelos seus precursores, causando decepções, estimulando mudanças e provocando avanços.

O novo normal e a renovação do Modernismo

Na atualidade, um grande fantasma paira sobre o Planeta, ameaçando a todos e parecendo ser gatilho para o surgimento dos movimentos artísticos e culturais que marcarão o Modernismo da atual contemporaneidade.

Este fantasma chama-se Coronavírus.

Com efeito, desde o início do ano 2020, com a rapidez de um raio, um pequeno ser, surgido sabe-se lá de onde, se espalhou pelas planícies, subiu e desceu montanhas, atravessou florestas, cruzou mares e, já na condição de pandemia, se instalou em todos os países, tomando-lhes as cidades para causar crises sanitárias, econômicas e sociais jamais vistas na história da Humanidade. No Brasil, agravando, ainda mais, a situação, a pandemia de coronavírus coincidiu com o governo do presidente Jair Bolsonaro, político de índole reacionária e cruel, que, por si só, já impunha perversidades suficientes para fazer demarrar rechaços de todas as naturezas.

Assim, em comoção similar àquelas provocadas pelos dois conflitos mundiais, a pandemia de coronavírus provocou milhões de vítimas, forçou as pessoas a se recolherem em casa e viverem rotinas de diferentes graus de monotonia, desocupou as ruas e praças, tornando-as desertas, provocou desemprego, faliu empresas, usou a tecnologia das comunicações para criar novos regimes de trabalho e de convívio, produziu, enfim, aquilo que, genericamente, muitos vêm chamando de 'novo normal' - um modelo inédito de dinâmica social que nada tem de normal, [um modelo] que ninguém sabe exatamente o significado ou até quando vai perdurar.

Uns dizem (e eu não tenho razões para pensar diferente) que o mundo jamais voltará a ser o mesmo de antes. Ora, se o mundo pode não voltar a ser aquele de outrora, por que a arte continuaria a ser a mesma? Por que os artistas agiriam como se nada tivesse acontecendo? Não parece provável que isto aconteça.

Na realidade, imersos na sociedade em crise, padecendo os rigores da situação e observando-a com a sensibilidade que os fazem especiais, os artistas não ficarão inertes por muito tempo. Aliás, é lícito esperar que, impregnados por circunstâncias que tradicionalmente afetam a criatividade - como, por exemplo, a ameaça à vida e a perda da liberdade -, independentemente da linguagem artística que usem, [é lícito esperar que] os artistas passem a descrever seus sentimentos com 'outros olhos'. Na há dúvida de que um burburinho está fervilhando nos meios artísticos. Possivelmente caldeirões já estão ardendo nos ateliês, indicando a concepção e produção de novas receitas artísticas, receitas estas que, mais cedo ou mais tarde, vão transbordar e modelar a sociedade.

O mundo do 'novo normal', dos mortos, dos desempregados, dos ameaçados, dos sequelados, das lágrimas e, sobretudo, das esperanças e, quem sabe, do saudosismo vai terminar por emergir nas telas, nas páginas, nas fragrâncias, nos cardápios, nos movimentos, nas formas, na moda, na arquitetura, no urbanismo, em todas as linguagens da arte.

Como já ocorreu em outras oportunidades, ao lado das expressões que usam os modelos tradicionais, os mundos existentes ou desejados pelos artistas vão ser também descritos através do 'novo olhar', o 'olhar' desenvolvido nestes tempos de pandemia. Pois bem. Os artistas movidos por este 'novo olhar' vão produzir a Nova Arte (a arte destes novos tempos) e comporão uma nova geração de modernistas.

A guisa de conclusão

Não há dúvidas de que estamos diante de um novo momento do Modernismo e, ao que parece, este 'Congresso Internacional' faz parte de um importante processo de renovação da arte.

Que venha o novo tempo!

(*) Trabalho apresentado no Congresso Internacional de Cultura Modernista 'Modernismos Lá e Cá', em 01 de julho de 2021

(**) Alexandre Santos é ex-presidente da União Brasileira de Escritores e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural

Leitura complementar recomendada

BAUDELAIRE, Charles. O Pintor da Vida Moderna. (1863)

PROENÇA FILHO, Domício. Estilos de Época na Literatura. São Paulo: Liceu, 1967.

MOISÉS, Maussad. História da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1983.

MORNA, Fátima Freitas. A Poesia de Orpheu. Lisboa: Editorial Comunicação, 1982.

TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. Petrópolis: Vozes, 1994.

PASSONI, Célia. Modernismo no Brasil (1922-1930). São Paulo: Núcleo, 1988.

TAVARES, Hênio. teoria literária. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984.