Águas Eternas

 

O Lago das Águas Eternas

 

No centro da cidade existe um lago de águas eternas e inesgotáveis nunca visto pelos habitantes e ao qual ninguém tem acesso, pois está cercado por um alto muro que o circunda em toda a sua extensão. Do lago partem milhares de tubos – por onde flui a água – que alcançam o muro, vazando-o em todo o seu derredor e conectando-se, cada um, a uma torneira instalada do outro lado do muro, de onde cada morador sorve a água misteriosa proveniente de uma fonte única, que os mantêm vivos.

 

No entanto ninguém conhece a origem da água nem está muito interessado em conhecer. Mas todos reivindicam a propriedade exclusiva da água em sua torneira, e por ela estão dispostos a matar e morrer.

 

Os moradores todos se conhecem e, na sua individualidade, constantemente se incomodam com as diferenças no modo de pensar e de agir dos demais, cada um com suas próprias opiniões sobre a origem da água e seus apegos a ela pelo medo de que um dia venha a faltar. A falta de sintonia pessoal entre os habitantes e a expectativa do dia da grande seca geram constantes discórdias e disputas entre o povo da cidade.

 

O que nenhum morador sabe é que todos eles sorvem da mesma água que lhes dá a vida e que sua nascente brota infinita e eternamente, pois eles não conseguem olhar através do muro.

 

Um dia homens com máquinas gigantescas chegam à cidade e destroem o muro que impedia seus habitantes de verem o lago. Então, com grande surpresa, os cidadãos descobrem que têm em comum a fonte da própria vida, pois cada existência individual é mantida pela mesma essência de vida, eterna e infinita, comum a todos.

 

A partir desse instante, a energia da cidade se transforma completamente, afinal são todos irmãos, filhos da fonte-mãe comum que os nutre sem nada pedir de volta. Instala-se, a partir de então, sentimentos de fraternidade, generosidade e compaixão, subprodutos do AMOR que agora transcende todas as diferenças que possam existir na precária e ilusória individualidade de cada um.

 

Eu, tu, ele… São os pronomes que atribuem aos seres sua condição de entidades separadas, diferenciadas e independentes. Eles identificam cada ser ou agregado de seres – nós, vós, eles – como manifestações orgânicas e psíquicas com características absolutamente individualizadas: corpo, sensações, emoções, sentimentos e pensamentos. Cada ser é único em cada um desses aspectos. Não existem dois seres iguais no mundo. Não existe “eu” igual a “tu” ou igual a “ele”.

 

Os “pro-nomes” pressupõem a existência de “nomes” e os nomes, por sua vez, pressupõem a diversidade de características dos seres que eles visam identificar. Existem os homônimos, aqueles que têm o mesmo nome. Mas foi preciso criar um termo – homônimo – para declarar a diferenciação entre dois seres que tenham nomes iguais.

 

Surpreendentemente, “eu, tu, ele, nós, vós, eles” somente podem distinguir os seres humanos até o nível da personalidade, onde a diferenciação é real. Quanto aos níveis superiores, os do ESPÍRITO, os pronomes perdem sua razão de ser, porque nestes níveis não existe diferenciação, separação ou individualidade. São os níveis da Unidade imanente ao ser humano, como gêmeos no ventre da mãe que não podem se diferenciar em relação à fonte que os nutre.

 

Na Unidade, portanto, “EU” é igual a “TU”, que é igual a “ELE”, que é igual a “NÓS”, que é igual a “VÓS, que é igual a “ELES”. Assim como a gestante é a mesma para todos os gêmeos, o lago da parábola é o mesmo para todos os habitantes. Ambos, gestante e lago, representando a “parte” Espírito dos gêmeos e dos moradores da cidade, respectivamente, em contraponto às suas personalidades individualizadas.

 

Pronomes pessoais estão relacionados a “pessoas”, “personas” e “personalidades”. Não há como utilizá-los quando tratamos da Essência Divina no ser humano. Ela é a mesma em todos os SERES, como as águas do lago.

 

Os atributos da personalidade – corpo, mente e emoções – são produtos individualizados dos atributos da Unidade, mas deturpados pelas limitações da consciência que não enxerga “através do muro”, e por isso condicionam e direcionam o foco do comportamento humano para os valores "extra-muro" do medo e seus subprodutos: apego, ganância, egoísmo, competição, descaso e indiferença em relação ao próximo. É a insegurança gerada pela incapacidade de perceber que a fonte está sempre disponível e, portanto, que não é necessário agarrar-se a valores tóxicos sem qualquer sintonia com os que, mesmo na inconsciência, são trazidos pelas águas do lago para alimentar a vida do outro lado do muro.