CAPÍTULO 3

FÓRMULA PARA CONQUISTAR A MAIORIA

 

Senhores candidatos, a fórmula é tão simples. Basta ter uma visão da vontade de uma maioria. Pronto! Meio caminho andado. Leiam essa minha experiência e vão compreender melhor essa minha assertiva.

No ano de 2006, foi a minha primeira experiência com o processo eleitoral que, para os servidores de campo, começa no período que se chama "fechamento de cadastro". Era um termo que eu não fazia a menor ideia do significado e aposto que muitos cidadãos não entendem. Mas se prestarem atenção nessa história, nunca mais hão de esquecer.

Logo que assumi o cargo de Analista Judiciário, pedi para que me lotassem em um cartório eleitoral próximo a minha residência, pensando que tudo ia ser moleza. Afinal de contas, estava cansada de analisar dezenas de processos, diariamente, na Justiça do Trabalho. Eu elaborava minutas de voto. Muitas vezes não conseguia concluir a empreitada no Gabinete da Juíza. Então enchia meu carro com pilhas de autos processuais. Quando chegava no gabinete havia outra pilha nova. Estava mesmo cansada daquela atividade que, de tão repetida, tornou-se monótona e sem graça.

E, lá estava eu bem animada para aquela que parecia uma aventura muito interessante. O fechamento de cadastro.

Primeiro vou explicar o que é cadastro eleitoral. A pessoa deve possuir os requisitos e fazer um requerimento para o exercício do direito-dever como eleitor. Ele pode ser um novo eleitor ou alguém que deixou de praticar o exercício do voto e precisa regularizar o seu cadastro. Então, quando regulariza, transfere ou faz a inscrição pela primeira vez, recebe o prêmio: Um título de eleitor.

Mas, em ano eleitoral, tempo em que vão ser escolhidas algumas pessoas que se candidatam aos cargos políticos, esse período de cadastramento é curto. Normalmente, até início do mês de maio. Depois disso, temos o fechamento de cadastro. Significa que nem com reza braba o pretendente consegue o título de eleitor, devendo voltar ao cartório depois das eleições. Mais especificamente no mês de novembro. Ou seja, de maio a novembro a casa está fechada.

A Justiça Eleitoral faz então a sua parte. Mas, qual é a do Candidato? O voto obrigatório facilita muito a vida do pretendente ao cargo. Mas, no meu singelo entendimento, o ideal era que não o fosse. Assim, haveria mais iniciativa de quem tem interesse em conquistar os seus eleitores com ações e argumentos convincentes.

Quem tem essa coragem para assumir tamanha responsabilidade, primeiro tem que saber a regra de ouro: “Respeitar ao próximo como a si mesmo”. E para saber sobre o respeito a si mesmo, tem que estar convicto do que realmente é. Tipo: fazer um curso de autoconhecimento ajuda muito. O respeito ao próximo se torna mais fácil quando o candidato afia bem seus ouvidos.

Vamos falar agora sobre a saga do fechamento de cadastro para entender que caminho percorri para entender mais sobre a maioria.

A cultura do brasileiro impõe que deixe sempre para o último dia. Agora posso afirmar isso sem medo de errar.

Assumi o cargo em março de 2006 e passei por vários treinamentos teóricos sobre o funcionamento do sistema e dos cartórios eleitorais, na sede. Era muita informação e pouco tempo para memorizar tudo aquilo. A ansiedade para praticar logo era grande e só aumentava.

No mês de abril, eu estava em um cartório perto da minha residência, acompanhando as atividades e tentando aprender o máximo possível com os veteranos. A Chefe do Cartório era técnica e a maioria dos servidores eram de cargos diferentes, mas que pertenciam a outros órgãos, principalmente vindo dos ministérios do Poder Executivo. O fato de a colega que era chefe ser técnica e eu analista, dificultava nossa relação porque havia um certo constrangimento entre técnicos (nível médio) e analistas (nível superior). Confesso que fiquei muito tempo contaminada com essa ideia ridícula de pensar que devia ocupar posições mais privilegiadas.

Sempre fui muito dinâmica e não me contentava de ficar esperando que me colocassem em alguma função diferente. Logo me sentei junto aos atendentes e comecei a fazer os atendimentos. Tinha outro técnico que ficou animado e tratou de me ensinar tudo. Foi muito empolgante e fiquei bem animada para a festa. Não parecia ser tão difícil.

Mas tinha uma servidora que olhava para mim com desdém e repetia sempre: Essa aí não vai dar conta de nada.

Quando chegou o mês de maio, no primeiro dia, comecei a dar ouvidos àquela servidora. Era uma baixinha esperta, forte e exibida. Ela sempre ganhava na estatística de atendimento. Quando eu vi uma fila de pessoas que dava voltas nos quarteirões da cidade, fiquei apavorada. Minhas costas queimavam; meus pulsos estavam dormentes. Entendi por que uma das atendentes mantinha sacos de gelo perto de seus pulsos, o tempo todo. Neste primeiro dia, eu tive uma crise de hipoglicemia e quase desmaiei. Mas, consegui disfarçar bem. Não queria dar este gostinho para aquela baixinha abusada. Fui correndo para a copa e engoli uma xícara de café bem adoçado.

A rotina nos três últimos dias de fechamento de cadastro era de 7:00 pela manhã de um dia até as 3:00 da madrugada do dia seguinte. Havia uma multidão em volta do cartório. Pessoas olhavam pela janela para fiscalizar e criticar qualquer servidor que não estivesse atendendo. Lembro muito bem ainda, que para fazer um lanche ou comer rapidamente uma marmita fechávamos as janelas para os indóceis não reclamarem.

A coisa ficava mais aterrorizante quando as pessoas normais tinham que deixar os "preferenciais" passarem na frente. Eu ficava indignada de ver quantas pessoas usavam todo tipo de ferramenta para se enquadrarem como preferenciais. Tinha barrigas artificiais, um bebê alugado que trocava de roupa e mudava de mãe, cada vez que era atendido, e muitos outros artifícios que não lembro mais. E, quando eu pensava que a coisa não poderia ficar pior, uma senhora entrou com um bebê todo coberto, para ser atendida preferencialmente. Quando terminou seu atendimento, tirou o manto para mostrar que era um cachorrinho da raça poodle, dando gostosas gargalhadas.

Logo me adaptei a toda essa loucura, a ponto de achar até engraçado e me diverti com tudo. Com o tempo fui compreendendo mais sobre todo o processo, desde o período de fechamento de cadastro até o grande momento de apuração do voto.

Voltando àquela assertiva inicial, observei que o instinto da maioria é entrar na fila. Sempre que havia alguma fila se formando na área externa do cartório, em questão de pouco tempo, ela crescia. Comecei então a fazer triagem na fila e descobria pessoas que nem sabiam por que estavam ali. Mas, senhoras e senhores, não se pode usar esse fato para cometer crimes, e abusar da vulnerabilidade alheia.

Agora vou contar sobre como apliquei meu aprendizado, assumindo a chefia de outro cartório.

Fui convidada a assumir uma responsabilidade em outro cartório. Esse era ainda mais movimentado e complexo do que aquele outro laboratório de vida. Era uma região com um índice de criminalidade preocupante. Para quem ainda não sabe, há vários tipos penais nessa matéria eleitoral. Então, além da criminalidade de tipos do código penal brasileiro, havia também muitas pessoas que cometiam crimes eleitorais inimagináveis.

Para dar só um exemplo, no ano de 2010 autuei pouco mais de 6 centenas de Inquéritos Policiais, movidos por um só promotor eleitoral e pelo mesmo motivo: pluralidade de filiação partidária. Atualmente isso é impossível acontecer, porque houve mudanças no sistema de filiação partidária que preveniram essa possibilidade. Mais uma vez, a Justiça Eleitoral em evolução.

Como já disse, trabalhei com gosto e ficava fascinada com a evolução tecnológica ano a ano. A justiça eleitoral tem uma composição de gênios em computação que me deixam de boca aberta. A vida do chefe de cartório ficava cada vez mais tranquila em várias dimensões: atendimento ao eleitor; processo judicial eletrônico; e, principalmente coleta e apuração de votos.

Para quem gosta de aprender e evoluir, era um verdadeiro paraíso. E eu fui dessas. Por isso achava tudo muito divertido.

Respeito os ignorantes que clamam pelo direito de duvidar da segurança daquela caixinha que faz a coleta dos votos e daqueles que pensam haver brechas para alguma interferência de um louco na apuração dos votos. Fico indignada apenas com pessoas que sabem que estão movendo sentimentos absurdos de desconfiança, mesmo tendo tirado proveito dessa modernidade.

Penso que se há tanta desconfiança com o processo de voto eletrônico, porque não jogamos no lixo todo esse aparato virtual que não conseguimos viver mais sem. As pessoas que insistem em gastos públicos com impressos e recontagem voto a voto vivem como? Não usam de ferramentas virtuais para suas campanhas? Não deveria desconfiar de falhas em suas comunicações e procedimentos?

Vamos imaginar que agora vamos voltar a idade da pedra e jogar toda a tecnologia no lixo. Será que as desconfianças vão junto? Claro que não!

Voltando à fórmula para conquistar a maioria.

Quando assumi aquele cartório, todos os servidores eram requisitados e já se sentiam donos do pedaço porque estavam lá desde a inauguração. No cartório anterior, a maioria também tinha a mesma história e aprendi a respeitar isso. Nunca entendi por que um projeto de lei que enquadraria esses guerreiros na justiça eleitoral não tenha sido aprovado.

Torcia tanto para que esses meus colegas tivessem os mesmos direitos dos servidores que já pertenciam ao quadro da instituição eleitoral, que muitos pensavam que eu estava na mesma situação. Não sabiam que eu era uma concursada e enquadrada. Para entender meus colegas, eu tinha que me comportar e fazer como eles. Assim eu os conquistei e eles me conquistaram.

Mesmo podendo usufruir da minha posição de chefia (confesso que algumas vezes eu o fiz e me arrependi), coloquei a mão na massa e trabalhei lado a lado com aqueles que considerei meus amados colegas de trabalho. Aprendi que muitos cidadãos frequentavam o cartório para suprir carências psicológicas, mas do que para resolver um problema de documentação. Para corroborar essa assertiva, segunda-feira era o dia em que o movimento era maior. Eu comentava, brincando, que o cidadão daquela cidade ficava cansado de passar o fim de semana em casa e corria para o cartório na segunda-feira a fim de achar alguma diversão.

O fechamento de cadastro agora estava sob a minha gestão. Agora eu tinha responsabilidade ainda maior nesta empreitada que dava frio no estômago só de lembrar. Com o tempo fui aperfeiçoando e, claro, o sistema de informática da justiça eleitoral também evoluía a cada período eleitoral novo.

No primeiro dia de grande movimento em razão do fechamento de cadastro naquele cartório que agora eu era a chefe, percebi que havia o hábito de abrir o cartório e distribuir senhas antecipadamente. Antes mesmo do início do atendimento. A consequência era desastrosa. O ambiente todo, no interior, estacionamento e entorno do cartório, as pessoas andavam em círculos ou se sentavam no chão, esperando sua vez para ser atendida, conforme o número da senha. E, o mais incrível, formava-se uma fila ainda muito maior do que a que eu tinha visto no outro cartório.

Respirei fundo, naquele dia e fui conversar com cada servidor do cartório para entender o que estava acontecendo. Descobri que a maioria estava insatisfeita com tudo aquilo. As pessoas gritavam, desmaiavam, e a criatividade para entrar na fila dos preferenciais era ilimitada.

Alguns colegas ficavam empolgados e se revestiam de poder para gritar com os cidadãos que eram julgados de abusados. Então, deixei aquele dia desastroso acabar para falar com cada colega e dividir melhor as tarefas, estabelecendo novos procedimentos. Mas, antes de tudo fiz uma pesquisa para saber o que mais incomodava na maioria. Não estou falando somente dos caríssimos colegas. Enfrentei o povo da fila e descobri todas as injustiças que a maioria sofria.

Quem lograva êxito em conseguir as senhas, dependendo do número, voltava para casa, fazia um lanche, ou até almoçava para voltar e reivindicar seu lugar na fila. Alguns calculavam com precisão e chegavam bem quando sua senha era chamada. Enquanto isso a fila aumentando e dando voltas no quarteirão.

A fila dos preferenciais também era enorme. Pensei: Nossa nessa cidade tem muito idoso, grávida, deficientes diversos. Nunca tinha visto isso. Fiquei muito comovida, até perceber as fraudes no meio daqueles que realmente eram preferenciais.

Além, daquelas fraudes que citei que acontecia no primeiro cartório, percebi que muitos jovens tiravam seus parentes idosos de suas casas e quando eles entravam para ser atendidos, revelavam que quem tinha que resolver era o jovem e não o idoso.

No dia seguinte, cheguei mais cedo que todos os colegas de mandei fechar os portões. Houve muita reclamação, mas consegui conversar com os cidadãos e até promovi uma votação entre eles para mudar os procedimentos. A maioria quase absoluta, concordou e a reclamação entre eles, parou. Foi então que formaram uma fila de forma organizada e silenciosa.

Para resolver a questão dos preferenciais, pedi que o porteiro colocasse na parte por dentro dos portões e em frente ao prédio do cartório, cadeiras brancas. Pedi que o preferencial fosse acomodado naquelas cadeiras para receberem atendimento especial.

À medida que chegavam os colegas, determinei que todos deviam assumir o atendimento e expliquei sobre as novas regras. A maioria comemorou e aprovou. Apenas alguns que não queriam assumir o atendimento não gostaram. Eles queriam distribuir senhas e gritar com os cidadãos. Uma dessas pessoas gritou, dizendo: “Deixa o Ministério Público ver isso”. Então eu respondi: “Se alguém do Ministério Público vier aqui, vou aproveitar para pedir aquele maravilhoso espaço do prédio para fazer os atendimentos ali”.

Ao final, todos contribuíram e muitos me agradeciam porque não aguentavam mais tanto barulho e sujeira dentro do cartório.

A ideia das cadeiras brancas, modesta parte, foi brilhante. Neste caso, o meu inconsciente contribuiu de forma impressionante. Acreditem! Não tivemos mais problemas com fraudes. Quem se sentava naquela cadeira, percebia que tinha uma fila enorme esperando lá fora e seria muito difícil encarar toda aquela gente se não fosse preferencial de fato.

A colega antes inconformada, no final do dia, percebendo que estava bem menos cansada do que o dia anterior, pediu desculpas e elogiou minha iniciativa.

Tenho mais histórias sobre a aplicação dessa fórmula. Aguarde o próximo capítulo.