ESTUDOS MAÇÔNICOS-

TEILHARD DE CHARDIN E O ESTRUTURALISMO CÓSMICO

 

 

     Entre os modernos gnósticos, o jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin brilha como uma estrela de máxima grandeza, por isso julgamos de fundamental importância fazer uma pequena síntese do seu pensamento, porque ele encontra, em nossa opinião, muitos paralelos com as descobertas da moderna física quântica e se enquadra nos temas que informam o ensinamento maçônico.

    Teilhard vê o mundo ordenado numa série de grandezas distribuídas ao longo de uma escala, que é o eixo do espaço-tempo.  Essas grandezas se distribuem em duas direções: uma, que é aquela que vai do ínfimo para o imenso, representada por um universo em constante expansão, formando os planetas, os astros, as galáxias, as grandes massas estelares; essa expansão originou-se num ponto ínfimo de máxima densidade energética, que justamente por hospedar essa inconcebível concentração de energia, um dia vazou para além de si mesma. Esse “vazamento” pode ser identificado na grande explosão que os cientistas chamam de Big-Bang.

   A outra direção é aquela que parte do imenso para o ínfimo, representada pela tendência da energia presente nas massas físicas, de enrolar-se sobre si mesma, criando camadas energéticas cada vez mais densas, concentradas em pontos cada vez menores. Essa é a direção que o espírito humano percorre. E assim é em virtude do fenômeno da complexificação cada vez maior dos processos organizacionais, um dos quais, o mais complexo, é o pensamento humano.

   Na escala do imenso, que são as grandezas cósmicas, domina a relatividade. As massas estelares se formam por dispersão, partindo de um ínfimo inicial. Por isso, a organização dos corpos materiais é simples. Neles são realizadas combinações atômicas primárias e as realidades materiais vão surgindo a partir delas, povoando o nada cósmico. Na escala do ínfimo, porém, ocorre um processo inverso. Neste domina o quanta.[1]

    Nessa escala ocorre uma concentração energética no interior dos elementos, e dela resultam estruturas cada vez mais complexas, quanto mais a energia se concentra sobre si mesma. Foi essa concentração energética em uma molécula, que produziu, um dia, o primeiro organismo vivo, o qual evoluiu até desembocar no homem.

    Por isso, na psique humana convivem as noções de ínfimo e imenso. Situado no ponto mínimo da grandeza cósmica, e no ponto máximo da complexidade material, o homem debate-se entre a glória de ser o organismo mais perfeito que a natureza criou e a angústia de ser tão pequeno entre as grandezas cósmicas, comparado a um grão de poeira perdido na imensidão do universo.

    É assim que, pressionado entre o ser (complexidade/consciência), e o nada (que são os vazios do conhecimento que tem que preencher), ele sente o arrebatamento do espírito que perscruta a imensidão do universo e sofre pela limitação que a matéria lhe impõe, pois esta não lhe permite mover-se além dos estreitos limites de si mesmo. Esse é o grande conflito que o homem enfrenta; uma eterna luta entre as forças que o constroem.

    Os seres vivos, ensina Teilhard, podem ser grandes ou pequenos. Um dia já foram maiores, mas a necessidade de adaptar-se às condições de vida na terra, (resultantes da compressão em um espaço limitado), forçou-os a diminuir de tamanho.

    Mais importante que suas conformações externas, porém, é o fato de eles serem simples ou complexos em suas estruturas, pois é a complexidade dos arranjos que as moléculas fazem para compor um organismo que determina o grau de sua evolução. Dessa forma, um micróbio, por possuir na sua estrutura física uma complexidade maior do que a de uma galáxia de estrelas dispersas, ocupa um lugar mais proeminente na escala da evolução do que essa imensidade cósmica, por infinita que ela seja. Isso porque, no micróbio a matéria já se organizou de tal forma que a vida se fez presente, coisa que uma galáxia ainda não conseguiu.

    Nos seres infinitamente simples, unicelulares, nada se constata além de mero determinismo. Neles, tudo se comporta conforme as leis da estatística. Lei da relatividade para o imenso, lei dos quanta para o infinitamente pequeno. Já nos seres complexos, o que se percebe é a interiorização da energia. Tactismo nas células, força vegetativa nas plantas, instintos nos animais, auto-organização nos sistemas, consciência nos seres humanos.

O ser, quanto mais complexo é em sua estrutura, mais consciente se torna em sua interioridade. Dessa forma, a evolução passa a ser um processo de convergência da energia presente na matéria, dirigida para o interior dela mesma.  A consciência humana nasceu, dessa forma, como um fenômeno energético que proporcionou a uma espécie em particular, a condição de diferenciar-se e assumir, entre todas as espécies criadas pela natureza, o próprio rumo no processo evolutivo. A evolução, que até o surgimento do homem, era um processo controlado “por fora”, através de leis exclusivamente naturais, a partir do homem passou a ser controlado “por dentro”, tornando-se auto evolução.[2]

 

A matéria e o espírito

 

    No mundo da matéria bruta, um fenômeno cósmico de concentração energética produziu, um dia, a matéria viva. Esse acontecimento foi uma emergência descontinua numa sucessão de eventos que se sucediam numa determinada ordem.  O surgimento da vida do unicverso não representou apenas mais um degrau no ciclo evolutivo da natureza, mas sim, uma mudança qualitativa na estrutura da matéria.

    No mundo dos seres vivos, o homem também é uma emergência descontinua dentro de uma escala de eventos continuados, sucessivos e ascendentes. O homem é a própria vida refletida. Seu surgimento inaugurou uma nova etapa no caminho da evolução, pois a partir dele a evolução passou a ser autogerida. Como isso terá acontecido?  Teilhard pensa que, ao longo da evolução das espécies vivas, um processo de cefalização, que pode ser entendido como uma centralização de energia em um determinado órgão do corpo (o cérebro), ocorreu em uma das espécies. Essa centralização, ao longo do tempo, foi produzindo cérebros cada vez maiores, seguindo uma trilha biológica (filogenética), até desembocar no homos sapiens. Daí, essa centralização proporcionou o salto evolutivo (ontogenético), do mero reflexo condicionado do animal para a consciência reflexiva do ser humano.

   O universo, na cosmogonia teilhardiana, pode ser visto como o conjunto total das realidades espalhadas ao longo da reta espaço-tempo. Com a emissão dos pensamentos por parte do homem, uma nova camada de elementos passou a envolver a terra: a noosfera. A noosfera pode ser entendida como a centralização da totalidade energética despendida pelos homens, em todos os tempos, no ato de pensar. É o conjunto das reflexões humanas que se concentra sobre si mesmo, criando uma espécie de “atmosfera espiritual”. É esse celeiro energético de pensamentos condensados que fornece o estofo para as nossas atividades psíquicas: o chamado inconsciente coletivo da humanidade. Partindo dessa idéia, o processo de aculturação da humanidade passa a ser a jornada do seu espírito coletivo em busca de uma união que se consuma num ponto único no tempo e no espaço, que Teilhard chama de Ponto Ômega. Visto dessa forma, a evolução pode ser representada por um cone onde a base representa a totalidade das realidades materiais e o seu vértice o resultado das suas manifestações energéticas, concentradas em experiências de vida e convertidas em espírito.

   Assim, todas as manifestações do espírito humano são etapas de um processo de evolução cósmica, onde está presente, em maior ou menor grau, a energia na sua forma material, ou já convertida em espírito. Teilhard vê nesse processo a explicação dos fenômenos reli-giosos. Para ele, as religiões pagãs da antiguidade, tais como as religiões egípcia, mesopotâmica, persa, grega etc. representaram mo-mentos de intensa espiritualidade, em que os cérebros humanos realizaram ingentes esforços energéticos para realizar a união com a divindade. Da mesma forma, o budismo, o hinduísmo, o taoísmo, enfim, todas as religiões não deístas, também foram momentos em que essa aproximação foi tentada, mas por outros métodos.[3]

  O cristianismo, porém, na opinião de Teilhard, representou a etapa definitiva desse processo de espiritualização progressiva da consciência humana, o momento-limite em que ela contemplou a realidade divina em todo seu esplendor. Em suas próprias palavras, Cristo é a condensação mais densa e perfeita da energia cósmica, na forma de consciência/espírito, levada ao mais alto grau de densidade. Em suas próprias palavras, “O Cristianismo é a forma última e axial da necessidade humana de fundir-se com o divino, como ultimação do processo de evolução. Pleroma, ponto final da evolução do espírito universal, Cristo é o próprio Ponto Ômega, o fim da flecha da evolução. Bem-aventurados os que entenderem essa realidade e a firmarem em seus corações”.[4]

     Em palavras de intenso lirismo, Teilhard define assim a manifestação suprema dessa espiritualização, que se realizou no homem Jesus Cristo: “Era preciso nada menos que os labores terríveis e anônimos do Homem primitivo e a longa beleza egípcia e a espera inquieta de Israel e o perfume lentamente destilado das místicas orientais e a sabedoria cem vezes refinada dos gregos, para que, sobre a haste de Jessé e da Humanidade, a Flor pudesse desabrochar. Todas essas preparações eram cosmicamente, biologicamente necessárias para que o Cristo entrasse no cenário humano. E todo esse trabalho era movido pelo despertar ativo e criador de sua alma, enquanto alma humana eleita para animar o Universo. E quando Maria o tomou nos braços, ela estava erguendo o mundo inteiro”.[5]

 

O elo com a Maçonaria 

 

   ..Onde mais, perguntamos, existe uma síntese mais perfeita dessa evolução material e espiritual da humanidade, senão no ensinamento maçônico? Com efeito, é na moral e na prática sincera da Arte Real que encontraremos uma perfeita interação entre as tradições iniciáticas dos antigos povos, (a longa beleza egípcia, a espera inquieta de Israel, a sabedoria grega e o perfume destilado das místicas orientais presentes na grande tradição da gnose e do magistério de Hermes), com a explosão final de espiritualidade que se condensou na figura ímpar, única, singular, de Jesus Cristo. 

   Nesse elo, que parecia perdido em meio à mixórdia política, filosófica e ideológica que a Maçonaria moderna incorporou, eis a moderna teologia de um padre jesuíta cantando um dueto com os gnósticos de ontem e de hoje. Pois tanto para os antigos, como para os modernos pensadores dessa escola, o mundo é feito a cada momento, de combinação em combinação, por um Espírito Supremo ou por espíritos seus delegados. Na formação da realidade cósmica, que é una, espírito e matéria aparecem sempre em aparente oposição. É somente através do conhecimento que a mente humana pode vencer essa aparente contradição, transpondo o domínio trevoso da matéria e atingindo o território luminoso do espírito. Nesse processo ele tem que combinar sabedoria com inteligência. Inteligência para compreender os processos pelos quais o universo acontece, e sabedoria para saber utilizar essa descoberta.

   De certa forma, esse é o objetivo do magistério maçônico.

 


[1] Quanta: quantidade mínima de energia que pode ser detectada. Divide-se em onda ou partícula.

[2] Na imagem, o padre Pierre Teilhard de Chardin. Fonte: O Fenômeno Humano, Ed. Cultrix.

[3] Religiões não deístas são aquelas que não foram “reveladas” ao homem por uma divindade, mas sim desenvolvidas por ele como forma de se comunicar com elas.

[4] Teilhard de Chardin - O Mundo, o Homem e Deus, Ed. Cultrix, 1984

[5] Idem, pg.29.