A autonomia da obra de arte, por Dhy Carvalho.

A autonomia da obra de arte

Na produção e na observação, por Dhy Carvalho (20/Jun/2022)/Parte 1.

Não existe um caderno de regras para a produção de desenho e pintura, o que existe é uma série de orientações com base nas experiências que são constituídas a partir da articulação da prática no meio produtivo.

É muito comum a preocupação com a estética e o resultado daquilo que se produz, mas, de fato, esses dois itens não podem ser eleitos no primeiro plano quando o produtor visual está diante da criação, porque essa etapa lida unicamente com a forma e suas complexidades, acerca de memórias e referências que participam concretamente da produção.

Um pintor e/ou desenhista não pode produzir somente para ter somente resultados, ele produz para conhecer e vivenciar os diversos aspectos visuais e elementos que podem ser encontrados durante a manipulação dos meios plásticos constituintes da imagem artística: linha, cor e claro-escuro. Se ele não produzir se conscientizando da vivência que existe na criação ao manipular esses elementos, ele não produz, apenas fica submetido a um fazer mecanizado, programado e estruturado somente em idéias, as quais não compactuam com o sistema do meio prático da pintura e desenho.

É notório perceber o quanto um estudante de artes plásticas se perde ao buscar fórmulas e conceitos para produzir uma pintura e/ou desenho e, é evidente, quando a criação se constitui por esse caminho, a composição desenvolvida demonstra carência de experiência plástica, porque não se verbaliza ou conceitua o que apenas é exigido pelo olhar e o fazer artístico, e é óbvio que existe a idéia, mas ela advinda de uma experiência ou memória do imaginário pessoal, ou algo que surge a partir de uma referência observada, pesquisada e estudada, e não justificada por campos ideológicos... essa parte é recomendado deixar para os teóricos da história ou filosofia e entre outras disciplinas, as que geralmente não condizem com o que as Artes Plásticas necessita.

A Teoria da Arte costuma apontar informações que compreendem dados históricos, períodos da humanidade e biografias de artistas, bem como os acontecimentos e transformações da época a partir de fatos, mas não abre portas para os conhecimentos ligados à teoria da forma, a fundamental direção que fortalece e preenche de sentido o mundo da obra de arte e suas finalidades para o contexto de formação cultural e intelectual dos indivíduos.

Uma obra de arte tem uma pulsante vitalidade, que se mantém erguida graças ao conjunto de ações práticas que existiu durante um processo criador e que resultou na imagem artística. Uma composição em pintura e/ou desenho é sustentada pelos aspectos visuais que nasceram do fruto da experiência visual e imaginária do pintor e o que diferencia uma obra da outra não é o que denominamos estilo, mas sim a forma como foi produzida, a base da ação que foi empregada na articulação plástica, considerando sempre a sua totalidade.

O senso comum costuma dizer que uma produção é obra de arte quando ela está inserida nos requisitos como: beleza (o bonito), o real (realismo/hiper realismo), nome famoso (gestos sociais gerados por status) ou gosto (particularidade/identificação da pessoa) pela produção vista. Na realidade, a linha de orientação sobre uma obra de arte é bem diferente da que é sustentada pelo senso comum. Vai mais além e não se caracteriza por esses aspectos superficiais, sobretudo, essa avaliação se encontra dentro da obra de arte e não em conceitos externos, muitas das vezes embaralhados por grupos e gerações.

Qualquer pessoa (interessada) pode conhecer e saber o que é uma obra de arte, desde que ela seja bem estimulada em sua percepção, através de um profissional, para conhecê-la e buscar maior intimidade por meio da observação, visto que em Museus, muito é enfatizada a preocupação com os contextos que destacam o verbo/conceito e não a própria obra de arte, que acaba sendo escravizada por palavrórios e histórias que, por mais que existe a história nela, não é um parâmetro correto para ser utilizado no momento em que a pessoa está sendo convidada para viver uma obra de arte. Antes de tudo, mostrar a imagem e deixar o visualizador observar para ampliar o interesse por ela e instigar a curiosidade, para depois o espaço para explanação.

Durante a observação, é certo que muitos vão se apegar ao plano da representação, pois, de fato, existe! O educador visual, nesse instante, já vai abrindo a explanação, oferecendo caminhos para facilitar a observação, para ela ganhar mais presença que o conceito. Isso não quer afirmar que devemos desconsiderar a representação na imagem e as informações sobre o contexto geral da época, história e do artista, pois isso seria uma atitude unilateral para uma atividade de educação visual. O que se deve atentar é o foco na imagem, no que existe na obra de arte, independente de ficha técnica e do texto biográfico. Partes informativas sobre o artista, o próprio estudante pode fotografar ou anotar para incluir em seu material de estudo como informação complementar, pois também é essencial descrever a fonte daquilo que está sendo estudado...

O mediador/educador visual, estando em uma ambiente de museu, escola, rua, livro, biblioteca, entre outros meios e lugares, deve convidar o estudante a perceber a composição ao todo, fazendo algumas perguntas necessárias, pertinentes à obra de arte, que destacam as seguintes direções: o tipo de representação encontrada, os elementos mais evidentes, o clima cromático, as áreas de claro-escuro, a estrutura linear, postura visual presente na composição considerando o comportamento das configurações, os aspectos que mais caracterizam a composição, o apontamento sobre a dinâmica que a forma estabelece na composição e os motivos imaginários que podem ou não ser percebidos de modo imediato.

Enfim, ele precisa ser cuidadoso com a abordagem, principalmente se o público alvo for de primeira viagem no assunto. Há todo um processo de didática e metodologia que deve estar alinhada com um vocabulário objetivo e que esteja coerente para o entendimento.

Essas direções de abordagem para conhecer uma obra de arte não são simples, mas também não são difíceis quando a percepção visual do estudante é estimulada pelo educador regulamente, pois é preciso persistência e continuidade nesse tipo de atividade. Nos encontros iniciais, tudo parece novo e estranho, mas é só um impacto natural causado por um conhecimento que se tornou diferenciado porque não foi desenvolvido e investido nos planos de ensino da área da educação no país. Mais adiante, com a freqüência e o aumento do interesse pelo conteúdo, a obra de arte deixa de ser um produto cultural sufocado pelo palavrório dos teóricos cheios de conceitos que costumam justificá-la/interpretá-la para fazer parte da formação visual do estudante, se tornando um objeto de estudo, ganhando relevância porque agora é a imagem que se apresenta por si própria, mediante a observação sem a interferência do discurso da mais conhecida ``encheção de lingüiça``.

A imagem artística é fruto de um conjunto de experiências visuais estabelecidas pela memória afetiva e visual e a manipulação de elementos, que geram desenvolvimento e não técnica, sobretudo, essa segunda existe, mas não resume tudo o que há na obra de arte, porque é apenas o meio para se construir e não para sustentar a sua existência. O que fortalece uma obra artística visual é ela mesma, sua vida que não morre, porque a imagem depende de elementos visuais articulados pelo criador, possibilitando reconhecer que, a história pode mudar, ser contada várias vezes, de vários modos ou nascer novas, gerações vão e surgem outras, pensamentos modificam, estruturas passam por revisões e alterações, mas a obra de arte nunca muda e não morre, existem diversas, de inúmeras épocas com os seus mais variados procedimentos e composições, mas a verdade dela é a mesma, contada por ela e, a cada olhar renovado sobre ela, uma nova possibilidade surge, um mundo cheio de dinâmicas e movimentos, sendo ela, autônoma em sua própria existência.

Dhy Carvalho Munniz
Enviado por Dhy Carvalho Munniz em 25/06/2022
Código do texto: T7545229
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