A POESIA NA LUTA PELA PAZ

(Conferência realizada, a solicitação da Direcção Municipal de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, na Sala de Actividades do Gabinete de Referência Cultural)

                                                                                                   por CARLOS DOMINGOS
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          O tema desta conversa faria pôr em crispação os defensores da “arte pura”, da “arte pela arte”, os que negam o papel da arte como representação da realidade e da posição assumida pelo artista sobre essa mesma realidade. Para eles o artista cria, ele próprio, a sua obra a partir de si próprio, independentemente da realidade em que se insere.

          Não é difícil, embora seja tarefa demorada, desmontar este pressuposto que, aliás, só começou a ganhar força no limiar do século XX.

          Recuemos, pois, às origens da actividade artística, tomando como ponto de partida as pinturas rupestres do paleolítico. Ouçamos o que sobre elas nos diz o notável historiador de arte Arnold Hauser:

          «Aparentemente a arte paleolítica atingiu, sem qualquer obstáculo, a unidade da percepção visual só realizada pela arte moderna após um século de controvérsias.»

          E, mais adiante: «Que motivos e que objectivos se escondem por detrás desta arte? Seria ela a manifestação de um prazer que por si mesmo se impunha ao registo e repetição? (…) Seria apenas o fruto de um ócio ou teria qualquer finalidade prática? Constituiria uma pura recreação, ou um instrumento útil? Seria um ópio, um luxo. ou um meio de luta pela alimentação e subsistência? Sabemos que essa é a arte dos caçadores primitivos, (…) que eram obrigados a apanhar ou a capturar os meios de subsistência, em vez de os produzir.» «Nesta fase de vida exclusivamente prática, tudo girava, como é óbvio, em torno da mera preocupação de arranjar alimentos; nada justifica, portanto, que se admita que a arte satisfazia qualquer outro objectivo que não fosse o de construir simples meio de auxiliar a obtenção desses alimentos. Os dados que até nós chegaram inculcam que ele constituía instrumento de uma técnica mágica e, como tal, dotado de funções pragmáticas, visando directamente objectivos económicos.» (in História Social da Arte e da Cultura, 2ª edição mundial, publicada em português pelo Jornal do Foro, Lisboa, 1957).

          Por aqui podemos concluir que a arte parte sempre duma realidade existente, que o artista reelabora visando objectivos muito concretos. Nestes casos das gravuras rupestres representando caçadas a animais, elas poderão “servir” como objecto mágico para facilitar essas caçadas ou, então, ter a função didáctica sobre como os caçadores deveriam actuar. Mas também poderiam representar um relato posterior da actuação e do resultado da caçada.

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          Bem. Falámos nas gravuras rupestres que se situam nos primórdios da arte. Quanto a mim, elas confirmam a considerável ascensão do ser humano relativamente aos restantes seres que povoam o nosso planeta. É claro que a Poesia surgiu muitos milénios mais tarde, num estádio muitíssimo superior da civilização. Grandemente distanciada no tempo relativamente à arte primitiva do homem das cavernas, a sua existência conta, no entanto, com alguns milénios tendo acompanhado o aparecimento e desenvolvimento das principais civilizações do oriente e do ocidente.

          A nossa Poesia ocidental é descendente directa da poesia grega. Ela nasceu completamente irmanada com a Música. Nasceu para ser cantada. Inicialmente ela era cantada nos templos em louvor dos deuses e dos seus feitos, tendo depois saltado para a rua onde cantava os feitos dos seus heróis.

          Também o Teatro grego nasceu em conjunto com a Música e a Poesia. O Teatro teve origem no coro que cantava nos templos. Posteriormente, um ou mais elementos do coro destacavam-se e questionavam o coro, encetando-se um diálogo. Também o Teatro acabou por sair para a rua, onde passou a actuar em grandes anfiteatros, sempre integrado pela Poesia, ora cantada (pelo coro), ora declamada (pelos restantes actores).

          Assim, a civilização grega deu-nos a poesia épica ou seja a poesia heróica, que resultava quase sempre em grandes epopeias; a poesia lírica, que era cantada pelos aedos acompanhada pelo som da lira e que cantava geralmente os amores dos deuses e as façanhas de Eros; e a poesia dramática, integrada no Teatro. É posterior o aparecimento da poesia satírica, apanágio do Teatro, principalmente das comédias.

          «Durante a Idade Média, com a decadência da poesia heróica, surgi-ram nas cortes os poetas palacianos, os trovadores, geralmente de origem cavalheiresca, cuja poesia exprimia a admiração pela mulher. Na lírica galaico-portuguesa predominavam as cantigas de amor e as cantigas de amigo, além de outras trovas.» (in “O Soneto, esse desconhecido”, de Carlos Domingos)

          Entretanto, já na Baixa Idade Média, em alternância com os trovadores, começou a ter lugar a declamação de poesia erudita pelos próprios poetas. Esta poesia acabou por emancipar-se da música e construir o seu próprio caminho.

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          A partir daqui, avançamos para uma divisão social da arte: as artes plásticas (pintura, escultura, arquitectura) são artes ligadas às classes domi-nantes, que as protegem e financiam e, portanto, as dominam. O teatro, a poesia erudita e a música coral e instrumental estão também submetidos aos poderosos e, particularmente, à igreja.

          Para o povo resta o teatro de fantoches nas feiras e também a música associada à poesia. Os cantores populares, «os poetas de rua, os menestréis, histriões, jograis ou segréis, cantavam e recitavam para o povo, nos adros das igrejas e outros lugares, cantigas mordazes, de escárnio e maldizer e também brejeiras e amorosas.» (in “O Soneto, esse desconhecido”)

          O aparecimento da burguesia, a sua ascensão e luta pelo poder eco-nómico (e pelo poder político ao apoiar a luta pela centralização do poder real) vai, entretanto, ter as suas repercussões em toda a problemática da arte.

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          Disse atrás que, nos primórdios, a poesia grega louvava os deuses, cantava os seus feitos e também os feitos guerreiros dos seus heróis. O herói era sempre o vencedor, o qual, no poema que lhe era dedicado, era erigido em deus ou semi-deus.

          A Ilíada e a Odisseia, de Homero, tal como a Eneida, de Vergílio, são epopeias glorificadoras da guerra e dos seus vencedores. Mesmo depois de já ter passado o tempo dos grandes poemas épicos a Poesia continuou a fazer a apologia da guerra. E porquê?

          Marx e Engels, no seu Manifesto Comunista, começaram por afirmar que «A história de toda a sociedade até agora existente é a história da luta de classes.» No entanto, numa nota à edição inglesa de 1888, Engels faz a seguinte correcção: «Isto é, com exactidão, a história tansmitida por escrito. Em 1847 a pre-história da sociedade e da organização social que antecedeu toda a história registada era praticamente desconhecida.»

          Ora eu creio poder afirmar, com margem de erro muito reduzida, que a história da humanidade é praticamente a história das guerras entre os seres humanos.

          Os grupos humanos primitivos, que deambulavam em busca de alimento, guerreavam uns com os outros pela posse de território mais propício às suas caçadas ou recolha de produtos da terra. Mais tarde, num estádio mais avançado, continuavam a disputar território onde pudessem cultivar e proceder à criação de animais.

          Nestas guerras os concorrentes eram abatidos sem piedade. Não eram feitos prisioneiros, pois o produto do trabalho de cada indivíduo mal chegava para se alimentar a si próprio. Só quando o trabalho individual se tornou suficientemente produtivo para dar excedente, então sim, passaram a fazer-se prisioneiros com o fim de os sujeitar a trabalho escravo. Foi a partir de então que a sociedade passou a ficar dividida em classes sociais: exploradores e explorados. Formaram-se posteriormente grandes impérios, que passaram também a fazer a guerra pela conquista de território.

          No sentido de glorificar as guerras adoptou-se o conceito de “valentia”, os guerreiros eram louvados e incensados, os heróis comparados a seres com protecção divina. Daí se alimentou a poesia épica que, como já vimos, teve o seu apogeu nas epopeias gregas.

          Com o fim de incentivar os povos para a guerra, criou-se toda a espécie de motivações, desde as patrióticas às religiosas. As cruzadas não foram organizadas para expandir a fé cristã, combater os infiéis e reconquistar a terra de Jesus Cristo, mas sim para dominar e controlar a rota da seda e das especiarias.

          Aliás, todas as guerras da história tiveram motivos económicos e expansionistas: as invasões persas, as expedições de Alexandre, a expansão do império romano, a sua invasão e destruição pelos chamados bárbaros, a ocupação da Península Ibérica pelos árabes, a própria reconquista, as invasões napoleónicas, a ocupação de quase toda a Europa pelos nazis, as guerras coloniais. Estas guerras provocaram sempre reacções por parte dos povos oprimidos, que recorreram muitas vezes às guerras de libertação ou à resistência.

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          Apesar da permanente apologia e justificação da guerra, não se veri-ficaram na Idade Média novos poemas épicos do tipo das epopeias gregas. Isso deveu-se porventura, e em parte, à acção da Igreja, que preferiu direccionar as artes para o fanatismo religioso, o que, só por si, impediria reacções adversas às acções beligerantes.

          Para a Santa Madre Igreja as guerras eram uma forma de servir a Deus, lutando contra os infiéis. Todo o homem varão que se recusasse a combater era considerado ímpio ou cobarde, sendo louvada a coragem dos guerreiros.

          Para assegurar a participação nos actos de guerra, foram criadas ordens religiosas militares, sendo a mais importante a criação, em 1118, da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, mais conhecida como Ordem dos Cavaleiros do Templo ou Ordem dos Templários. Esta Ordem teve um papel crucial na mobilização, organização e condução das cruzadas.

          Paralelamente à criação de organizações militares, a Igreja fomentou o aparecimento da mística da “cavalaria” e do “cavaleiro andante”. Foi assim que, no século XI, apareceu, no sul da França, a Canção de Rolando, um incipiente poema épico. E, no século XIV, apareceu em Portugal o primeiro romance de cavalaria, o Amadis de Gaula (supõe-se que da autoria de Vasco da Lobeira), que teve logo traduções em castelhano e em inglês. É aproximadamente por essa altura que se tem conhecimento da existência, em Castela, de uma outra história de cavalaria, Cid, o Campeador.

          São precisos ainda mais dois séculos para que a Poesia retome as suas epopeias que, na Grécia, tinham ficado na prateleira da história. Todas elas visaram glorificar a guerra. Temos assim o Orlando Furioso, de Ariosto (1474-1533); Jerusalém Libertada, de Torquato Tasso (1544-1595); a Itália Libertada dos Godos, de Gian-Giorgio Tríssimo (1548); e Os Lusíadas, de Luís de Camões (poema editado provavelmente em 1556).

          Como disse, todos eles glorificam a guerra, embora Camões dê mais relevância à epopeia marítima, aos descobrimentos. No entanto, Camões põe logo em segundo lugar a importância da vocação guerreira dos portugueses:

                    «…eu canto o peito ilustre lusitano
                    a quem Neptuno e Marte obedeceram.»

          Neptuno, deus dos mares, curvou-se e facilitou as navegações dos portugueses; Marte, o deus da guerra, obedeceu ao génio guerreiro lusitano.

          De resto, a apetência de Camões pela guerra confirma-se no facto de se ter ido oferecer ao rei D. Sebastião para integrar a expedição militar a Marrocos na qualidade de poeta oficial, disposto a relatar, em verso, o decorrer do evento. É sabido que D. Sebastião recusou a sua oferta e nomeou como poeta oficial Diogo Bernardes.

          É evidente que a posição pro-guerra tanto de Camões como dos outros poetas atrás citados não os desmerece como poetas. Eles apenas estavam integrados na ideologia dominante da sua época.

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          Até a eclosão da primeira Grande Guerra (1914-1918) nada se alterou na ideologia belicista. Na própria Rússia, acabada de sair duma revolução e contra a qual a Alemanha se batia, o próprio Lénine teve muita dificuldade em fazer aprovar o Decreto da Paz, o qual foi, por fim, assinado, apesar das grandes concessões que tiveram de ser feitas à Alemanha. Porque, no dizer de Lénine, só a paz poderia permitir a reconstrução e o desenvolvimento do país. Só mais tarde viria a ser plenamente compreendido, a nível internacional, o alcance histórico desta medida: a Paz é o bem mais precioso para o progresso da humanidade.

          Em Portugal, enquanto os dirigentes políticos mobilizavam o País para a guerra imperialista e enviavam os nossos soldados para o campo de batalha em França, o povo estava descontente com a nossa participação e com os perigos que se abatiam sobre a nossa juventude. Esse descontentamento popular foi aproveitado demagogicamente pelo pre-fascista Sidónio Pais para se consolidar no poder, fazendo regressar ao país todos os soldados portugueses.

          Essa guerra foi o princípio do fim da ideologia militarista que vingara durante séculos.

          No entanto, os artistas, poetas incluídos, não mobilizaram os seus meios para dar combate à triste realidade de um imperialismo a fortalecer-se e a preparar-se para esmagar os povos e submetê-los a eles, intelectuais e artistas, à mais cruel inanição mental. Excepção feita a uma minoria que viu na Revolução Russa um aliado na luta contra o militarismo imperialista.

          Como se comportou então a maioria dos artistas? Voltando as costas à realidade, uns ignorando-a e fechando-se no autismo acrítico da “arte pela arte”, outros remetendo-se a uma posição onírica e “surreal”, todos eles transformando as suas obras num mundo estanque e inviolável.

          Num trabalho intitulado Cinco notas sobre forma e conteúdo publicado na revista “Vértice”, no verão de 1954, sob o pseudónimo de António Vale,  Álvaro Cunhal diz assim:

          «…a “arte pela arte” é antes de mais nada a manifestação, por parte dos estratos condenados, do receio de uma realidade em que, em todos os seus aspectos, lhes grita essa condenação. Daí fugirem artistas à reprodução de tal realidade acusadora e refugiarem-se em especulações formais, onde a verdade não esteja presente. Quando a burguesia aparecia como força ascendente, procurou e criou uma arte optimista e cheia de intenções, retratando-se idealmente (na pintura, na escultura, no drama, na poesia), como uma classe poderosa, enérgica, audaciosa e heróica. Toda a sua arte manifestava confiança em si e no futuro. Hoje em dia como pode um artista seu inspirar-se na realidade social?» «Daí refugiar-se na distorção da vida, em problemazinhos pessoais, no canto de desilusões, no formalismo, na arte abstracta.»

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          A revolução russa de Outubro de 1917 veio implantar nas massas populares a ideia de que era possível abrir brechas na então inexpugnável fortaleza do imperialismo.

          Os partidos socialistas europeus viram-se então a braços com profundas discussões, que levaram a cindir-se, dando lugar, por volta de 1921, à criação de vários partidos comunistas ou de orientação comunista. Em Portugal isso não aconteceu, dando-se a convulsão entre os vários sectores anarco-sindicalistas, alguns dos quais se juntaram e fundaram, também em 1921, o Partido Comunista Português.

          Entretanto, foi só com a monstruosidade da Guerra Civil Espanhola que muitos artistas sentiram o abanar das suas consciências. Uma parte deles insistiu em voltar costas à terrível realidade. Muitos outros, pelo contrário, optaram por enfrentá-la, denunciá-la e até combatê-la.

          Assim, em plena Guerra Civil, após o feroz bombardeamento e a destruição da cidade de Guernica pelos aviões alemães em Abril de 1937, Pablo Picasso pintou o célebre quadro Guernica, que é uma dramática diatribe e condenação daquele acto selvático e da guerra em geral. O quadro foi pintado para figurar no Pavilhão da República Espanhola na Exposição Internacional de Paris. Conta-se, com foros de verdade, que um oficial nazi das tropas de ocupação da França, visitando a Exposição, parou em frente do quadro de Picasso e perguntou ao Pintor:

                             «Foi você que fez isto?»

ao que Picasso respondeu:

                             «Não. Foram vocês.»

          Foi mais ou menos por esta altura que surgiu o movimento neo-realista que abraçou como temática a denúncia da realidade dos oprimidos.

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          A Segunda Guerra Mundial, com o seu cortejo de horrores, acabou definitivamente com a influência da ideologia militarista entre os povos. A bomba atómica que os Estados Unidos lançaram sobre Hisoshima, repetindo a seguir o mesmo sobre Nagasaki, exterminando de imediato centenas de milhar de seres humanos e deixando muitos mais em horroroso sofrimento à espera da morte durante anos e anos, calou definitivamente a propaganda militarista.

          A Poesia soltou então o grito de guerra à guerra. Inúmeros poetas e outros artistas alinharam pela condenação da guerra, pela manutenção da paz e o fim da corrida aos armamentos.

          Poetas como Louis Aragon, Paul Éluard, Vladimir Maiakovski, Bertolt Brecht, Nazim Hikmet, Pablo Neruda, Nicolas Guillen, Nicola Vaptsarov, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, entre muitos outros, dignificaram a Poesia, fazendo dela uma frente contra a opressão e o fascismo, contra a guerra e pela sublimação da Paz.

          O grande poeta búlgaro Vaptsarov, herói da resistência contra a ocupação nazi do seu país, dirigiu-se nestes termos, em 1941, aos escritores búlgaros: «Apesar de neste momento o destino do mundo estar a ser decidido pelas armas, um inspirado poema contemporâneo não é menos importante do que as armas.»

          Nicola Vaptsarov foi fusilado pelos nazis em 23 de Julho de 1942. Catorze horas antes da execução escrevia ainda o seu último poema. Ouçamo-lo:

                    «A luta é impiedosa e cruel.
                    Diz-se que a luta é épica.
                    Eu já caí. Outro virá. É tudo.
                    E o que é que conta a vida dum homem?

                    Serei fuzilado! Virão depois os vermes!
                    Nada mais simples e lógico.

                    Porém, nas futuras tempestades
                    continuaremos ainda unidos,
                    meu Povo, porque nos amámos.»

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          Entre nós, os poetas despertaram cedo para a luta, talvez devido ao facto de vivermos há anos sob uma feroz ditadura fascista, a mais antiga da Europa. Ainda mal se pressentiam os preparativos para a agressão à República Espanhola, a partir de Marrocos, e José Gomes Ferreira compunha o poema “A Morte de D. Quixote”, entre 1935 e 1936, que termina assim:

                    «E queres tu criar não sei o quê
                    com o espírito que paira nas lágrimas dos pobres…
                    Poeta: incendeia a espada!»

          Já em plena luta em Espanha, escreve o “Panfleto contra a paisagem”. Mas José Gomes Ferreira já não estava sozinho. Já lhe faziam companhia António Gedeão, Manuel da Fonseca, Veiga Leitão e Papiniano Carlos. Até a Sophia de Mello Breyner se não recusou a participar nessa luta da Poesia. E seguiram-se Sidónio Muralha, Egito Gonçalves, Alexandre Pinheiro Torres, Miguel Torga, Carlos de Oliveira, Fernando Namora, José Prudêncio, Natália Correia, Daniel Filipe, António Cabral e Rebordão Navarro. Manuel Madeira e Carlos Domingos viram poemas seus cortados pela censura. Mais tarde entram na liça Maria Teresa Horta, Manuel Alegre e Ary dos Santos. O 25 de Abril permitiu revelar mais uma pléiade de poetas combativos, alguns até aí pouco conhecidos, de que cito apenas uns poucos, como Idalécio Cação, Henrique Madeira, Conceição Campos e Marília Gonçalves, tomados ao acaso entre muitos e muitos outros.

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          Com a situação menos aguda em Portugal, hoje os poetas parecem estar menos acutilantes e muitos voltam a preferenciar no seu canto os problemas individuais.

          Contudo, se espreitarmos para fora da nossa janela, o que vemos? Vemos atear-se por esse mundo fora a fogueira da guerra. Muitos milhares de mortos no Iraque, a maioria civis indefesos, mulheres e crianças. Milhares e milhares de mortos na Palestina. Guerras de genocídio no Darfur (centenas de milhar de mortos, além dos desalojados), no Ruanda, no Quénia, no Sahara Ocidental. Ocupação militar da antiga Jugoslávia. Ocupação militar do Afeganistão. As provocações na Chechénia.

          Tomamos conhecimento da decisão dos Estados Unidos de instalar mísseis na Europa, apontados ao Irão e à Rússia e, por sua vez, a Rússia a prometer retaliação.

          Além disso o ambiente de guerra generalizada que se vive no mundo é propício à efectivação de acções terroristas em larga escala, as quais até servem de pretexto para mais actuações bélicas. Em muitos casos é já muito difícil distinguir entre um atentado terrorista e uma acção de resistência contra a ocupação estrangeira. Para os imperialistas, as acções de resistência passaram a ser catalogadas também como terrorismo.

          Por outro lado, a existência de enormes arsenais de armas nucleares não só das grandes potências mundiais mas também existentes em vários outros países, pressupõe o risco de que um conflito em larga escala possa subir de tom e venha a transformar-se, a breve trecho, numa guerra nuclear a qual poria em perigo a existência de toda a humanidade e, até mesmo, poderia conduzir à destruição do nosso planeta.

          Toda esta situação acaba por tornar a luta pela Paz a principal direcção do nosso esforço. Ninguém pode ignorar a necessidade da luta pela Paz e contra as ameaças de guerra. Também os poetas não podem deixar-se adormecer sobre o seu pendor individualista, incluindo entre as suas múltiplas preocupações a de apelar, fomentar, alertar toda a gente para o grande perigo que o estado de guerra representa e para a necessidade de mobilizar os povos para a defesa da Paz no mundo.

          A Poesia é uma arma inestimável para fazer despertar as consciências.


          Obrigado pela vossa atenção.


                                                                        27/2/2008


                                                                  







CARLOS DOMINGOS
Enviado por CARLOS DOMINGOS em 10/03/2008
Reeditado em 10/03/2008
Código do texto: T895285