JOSÉ GERALDO RODRIGUES - O "DINHO" DE LINHA DE PASSE

Elogiado pelo público e crítica, José Geraldo Rodrigues fala dos desafios de representar um personagem evangélico no filme de Walter Salles

“Esse gol é pra Jesus.” Essa é apenas uma das inúmeras referências cristãs no filme Linha de Passe, o mais recente trabalho do diretor brasileiro Walter Salles (Central do Brasil, Abril Despedaçado, Diários de Motocicleta), co-dirigido por Daniela Thomas. Nas telas, o personagem Dinho – papel interpretado pelo paulistano José Geraldo Rodrigues, 24 anos – equilibra-se entre um cotidiano marcado pela pobreza e a violência e a fé que lhe foi ensinada. Apesar de, na vida real, preferir fazer meditação e terapias a freqüentar igrejas, ele conta que para representar o personagem visitou vários cultos num templo da Assembléia de Deus. “Também li muito a Bíblia, onde descobri que o caminho religioso é bonito e de autoconhecimento”, conta.

Logo no começo, um grupo de fiéis entoa a canção O Mover do Espírito, do compositor gospel Armando Filho. Ao longo do filme, cenas de pregações, apelos e cerimônias de batismo dão à obra um aspecto bem familiar aos evangélicos. Dinho é o único convertido da família, o que o torna o mais sensato entre os irmãos – e, ao mesmo tempo, alvo de chacotas por sua opção de fé. Cada um dos quatro filhos da empregada doméstica Cleuza, uma mãe solteira vivida pela atriz Sandra Corveloni, que faturou a Palma de Ouro em Cannes esse ano, tem aspirações distintas. As histórias paralelas são vividas na periferia de São Paulo e se cruzam somente no ambiente familiar.

De acordo com Walter Salles, Linha de Passe é o ato de passar a bola de um para outro sem deixar que ela vá ao chão. E é justamente nesse “meio de campo” que o personagem evangélico se destaca num meio social repleto de conflitos. Após a avant première do filme, realizada em São Paulo no início de setembro, José Geraldo Rodrigues falou sobre o trabalho e sua carreira, além de contar detalhes de sua convivência com os evangélicos para a composição do papel. Confira:

JDM – Como foi o início de sua carreira como ator?

JOSÉ GERALDO RODRIGUES – Olha, eu sempre quis ser ator. Na escola, com 8 anos, fiz o papel de Tupã numa encenação da lenda uirapuru. Na adolescência, participei de uma peça com o João Baldasserini (o motoboy Denis em Linha de Passe). Na época do vestibular, no entanto, não achava que fosse possível me tornar ator – então, optei por psicologia, que é uma outra paixão. Mas, mesmo assim, cursei a Escola de Arte Dramática. Na época, também fiz um estágio para uma companhia chamada Teatro da Vertigem, contracenando com o ator Roberto Audio, que faz o papel do pastor Edson no filme. Por coincidência, na peça ele era o fiel e eu o pastor; agora, essa situação se inverteu. Quando fiz os testes para Linha de Passe, eu participava de uma montagem de Hamlet.

Qual foi sua reação ao saber que tinha sido escolhido para interpretar um personagem evangélico no filme de Walter Salles?

Quando me avisaram que eu tinha passado nos testes, fiquei sem reação. Não sabia se pulava e gritava de alegria, se começava a ler a Bíblia imediatamente ou se me concentrava e começava a fazer exercícios de relaxamento. Assim que o susto passou, liguei para a minha namorada para dar a notícia, e comecei a pensar em como me preparar para o papel.

Há algumas características em comum entre você e o Dinho?

Muitas. O Dinho é um rapaz que está sempre se purificando, que procura ser justo e entender o que se passa com ele e com os outros. Acho que temos isso em comum; acontece que, algumas vezes, as situações escapam do controle e precisamos encarar e aceitar esses dois lados: a luz e a sombra.

Como foi sua preparação para viver o personagem?

Todos os atores foram orientados pela Fátima Toledo, que é uma preparadora de elenco fantástica. Eu também li muito a Bíblia, assisti a filmes que contam a história de Jesus e freqüentei igrejas até encontrar uma Assembléia de Deus com um pastor muito sensível e generoso, que pregava com um entendimento muito claro do Evangelho. Conversando com os crentes, o Roberto Audio foi criando um culto de verdade no set. Em um determinado momento, algumas pessoas, inclusive eu, foram dar testemunhos, como se faz nas reuniões evangélicas. Acho que, com esses detalhes, a relação com os membros da igreja foi se fortalecendo. Havia também o motorista do carro de gerador, que é evangélico. Nós conversávamos muito e até combinamos de ir a um culto juntos.

A exemplo de outros trabalhos de Walter Salles, Linha de Passe explora muito a questão social, usando como cenário uma periferia urbana. Os cultos do filme mostram pessoas humildes exercendo sua espiritualidade. Na sua opinião, por que a fé dessas pessoas parece ser mais fervorosa? Acredito que alguns estejam mais abertos para a experiência religiosa, independentemente de sua condição social. Existe uma fala no filme em que o pastor diz: “No momento em que você aceitou Jesus, ele também aceitou você”. Essas pessoas têm uma grande importância na igreja, na medida que podem proporcionar a mesma experiência para outros fiéis, incentivando, conversando ou expondo suas motivações. Na igreja que eu freqüentei para me preparar, havia pessoas com essa disposição e isso me confortava. “Que ótimo! Mais alguém por aqui também sente tudo isso que eu sinto”, pensava. Era uma espécie de alento, de companhia, de irmandade.

O que esse trabalho pode mudar ou acrescentar na sua vida, tanto profissional como espiritual?

Esse trabalho foi uma experiência muito rica. A convivência com toda a equipe foi intensa, emocionante. Além disso, por fazer um rapaz crente, eu estudei o Evangelho com atenção, relendo as passagens até encontrar onde aquilo se encaixava na minha vida. A cada leitura o significado das passagens se alterava, ficando mais claro ou ganhando uma outra significação. Esse foi um outro lado que me interessou muito.

É possível apontar alguma repercussão do filme junto ao público evangélico?

Sim. Algumas pessoas em Salvador me disseram que ficaram tocadas pelo olhar que demos ao universo evangélico. Para elas, passamos uma visão verdadeira, sem falsidade, sem estereótipo, simplesmente demonstrando sua fé. Eu realmente fiquei muito feliz com esse retorno, porque partiu de pessoas que vivenciam isso tudo no dia-a-dia – e o fato de se verem retratadas com fidelidade, com dignidade e com respeito, mostra que o trabalho valeu a pena.

Quais são os seus planos e perspectivas para o futuro?

Pretendo continuar atuando. Estou torcendo para que as pessoas vejam o filme e que gostem tanto dele quanto eu gostei de fazê-lo.

Fonte: Revista Eclésia - Edição 127

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JDM

José Donizetti Morbidelli
Enviado por José Donizetti Morbidelli em 02/10/2008
Reeditado em 30/10/2009
Código do texto: T1207898
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