O FÔLEGO DA SÍNTESE

José Inácio Vieira de Melo

Marize Castro, poeta potiguar, vai estar em Salvador no dia 2 de maio, próxima terça-feira, para participar do projeto Poesia na Boca da Noite, onde vai lançar seu quarto livro de poemas, Esperado ouro. No projeto, ela vai estar acompanhada do poeta baiano Leonam Oliveira.

Nesta entrevista, Marize fala da força transformadora da poesia, dos poetas norte-rio-grandenses e de outras influências. Abre o Esperado ouro para o leitor e mostra o fôlego que a síntese exige.

José Inácio Vieira de Melo – Moacir Amâncio afirma que você veio nas águas de Ana Cristina César, mas que “demonstra no entanto autonomia para criar a linguagem de uma vivência comum a muitas outras mulheres.” Existe, para você, uma poesia feminina? Ou estamos – os poetas – irmanados pelo sopro lírico?

Marize Castro – Existe, sim, uma poesia na qual o feminino está mais presente. Mas isto independe de ser escrito por um homem ou por uma mulher. Como bem disse Paz, a poesia é aquele arco que nos dispara além de nós mesmos. Sejamos homens, sejamos mulheres, o convite à viagem é o mesmo: transcender os limites da linguagem.

JIVM – A sua presença em Salvador é, exclusivamente, para participar do projeto Poesia na Boca da Noite e para lançar seu novo livro Esperado ouro. Por que insistimos nesses projetos? Qual a relevância que eles têm?

MC – Insistimos, José Inácio, porque acreditamos naquela imersão nas águas originais da existência. Insistimos porque acreditamos naquela característica comum a todos os poemas, sem a qual nunca seriam poesia: a participação. Você, no seu sertão, eu, habitante deste mar, insistimos nesses projetos porque sabemos que através deles algo nos será revelado e nos erguerá.

JIVM – Por que insistimos na poesia? Ela tem algum poder transformador ou nascemos com algum defeito de fabricação?

MC – Nenhum defeito de fabricação. Ser “gauche” é virtude. Insistimos porque somos livres. O poder transformador da poesia é de nos revelar quem somos, sejamos autor, sejamos leitor.

JIVM – Haroldo de Campos diz que “em seus versos há um cuidado especial com a síntese”. Há uma falta de fôlego na nova poesia brasileira, como querem alguns críticos, ou os tempos são outros e, cada vez mais, busca-se a concisão?

MC – A síntese exige fôlego. Não encontramos a concisão na esquina. Muitas vezes escrever um único verso dá mais trabalho do que escrever trezentas páginas. Acredito que quando os críticos falam de falta de fôlego estão se referindo a uma outra coisa. Mas não acredito nessa proclamada falta de fôlego da nova poesia brasileira. Ela tem fôlego, sim. Este país é imenso e em cada lugar existem dois, três, quatro, cinco, dez poetas escrevendo com vigor, rigor, paixão, verdade. Através da Internet podemos comprovar esta realidade.

JIVM – Poetas como Silvia Plath, Ana Cristina César, Virginia Woolf e Safo são homenageadas em Esperado ouro. Decerto são referências em sua poesia. Existem outras influências?

MC – As influências são muitas. Sou todas elas (como falo no poema Néctar), ou todos eles (como falo agora). Rimbaud e Hölderlin mostraram-me o delírio; Rilke, a delicadeza; Pessoa, a dor; Blake, o invisível; Mallarmé, a palavra; Drummond, o lirismo. E tantos e tantos outros. Ah, não estamos sós!

JIVM – O que podemos esperar do Esperado ouro? Fale desse seu novo trabalho.

MC – O livro abre com os seguintes versos: Por que me abasteci, estou de volta. / /Trago comigo coisas abandonadas. / Coisas que os homens jogaram fora: / placentas, gânglios, guirlandas, guelras. E finaliza com estes: Ouço sedes, seres, coisas. / Recebo vulcões, máculas, auras. / Ofereço larvas, lodo, gozo. / Esperado ouro. Ou seja, é um livro que eu precisava escrever, não havia outro caminho. Eu necessitava mostrar ao mundo esse invisível garimpo. Esperado ouro é o meu reencontro com a poesia. Ele ratifica, acredito, minha trajetória poética. O cuidado especial com a síntese, do qual falou Haroldo de Campos, está em cada página de Esperado ouro.

JIVM – Ilhados pela língua portuguesa no continente brasileiro, vivemos confinados em nossas províncias e não temos conhecimento do que é produzido na cidade vizinha, quanto mais nos outros estados. Como você percebe o panorama editorial e literário do Rio Grande do Norte?

MC – No Rio Grande do Norte a poesia reina. É uma ironia que os nossos poetas sejam tão desconhecidos. O Brasil não conhece poetas como Zila Mamede (1928-1985), Luís Carlos Guimarães (1934-2003), Jorge Fernandes (1887-1953), entre outros. A poesia de Zila foi, felizmente, incluída pelo professor Ítalo Moriconi no livro “Os cem melhores poemas brasileiros do século”. Publicamos em Natal, no Rio Grande do Norte, porque algo maior nos impele a isto. Quando tudo diz não, surge uma voz maior e diz sim, é essa voz que escutamos e vamos em frente. A Una (editora que publicou Esperado ouro) nasceu assim, ouvindo essa voz que diz sim.

JIVM – O que guarda, para os apreciadores da boa poesia, a mina de onde saiu o Esperado ouro? Quais os projetos? Algum novo livro em vista?

MC – Decidi que dedicarei todo o ano de 2006 a divulgar Esperado ouro. Outro livro de poemas somente será publicado em 2007 ou 2008. Mas publicarei, como jornalista, até o final do ano uma série de entrevistas que fiz com 33 nomes da literatura norte-rio-grandense; esta literatura, infelizmente, ainda desconhecida no Brasil.

José Inácio Vieira de Melo é poeta e jornalista. Co-editor da revista Iararana, autor do livro A Terceira Romaria (2005) e organizador da coletânea Concerto lírico a quinze vozes (2004).

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Clique no link abaixo e leia matéria do JB sobre o Esperado ouro:

http://www.cafeliterario.jor.br/novos_autores/marizecastro.htm

José Inácio Vieira de Melo
Enviado por José Inácio Vieira de Melo em 28/05/2006
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