Entrevista ao CETEC: como vai a educação?

Muito obrigado pela oportunidade de interagir com o Portal CETEC <http://www.portalcetec.com.br/noticias.php?id=413>, que, creio, apresenta grandes contribuições à educação, formando humana, profissional e socialmente tantos quantos o utilizam como meio para alcançar qualidade em seu projeto de crescimento e de realização pessoal. Obrigado, também, pela permissão para que eu pudesse colocar o produto final da entrevista aqui, compartilhando-a com os queridos amigos do Recanto das Letras (Wilson Correia).

"01) Em uma breve visão, qual é o panorama da educação brasileira hoje, na sua opinião?

Primeiramente, muito obrigado ao Portal CETEC pela proposição da entrevista.

Agora, sobre sua pergunta, percebo que estamos vivendo a fase pós-reformas educacionais, as quais incidiram, principalmente, no currículo, na formação de professores, na avaliação do material didático e no desempenho dos sujeitos que fazem o sistema educacional. Essas reformas aconteceram nos anos 1990, imediatamente após o fim da chamada Guerra Fria, cujo símbolo histórico maior foi a queda do muro de Berlim.

Pois bem, essas reformas foram realizadas sob o imperativo da centralização descentralizada, o qual orientou a centralização, pela via legal-oficial, do currículo e dos instrumentos avaliativos, e descentralizou a gestão, o oferecimento, o financiamento e a responsabilidade pela educação.

Esse norteamento geral possibilitou que o Estado continuasse a manter o controle de setores importantes da educação, paralelamente à criação de um mercado educacional, em que novos gestores tem entendido a educação como um empreendimento semelhante a qualquer outro no interior das sociedades de mercado.

A educação básica segue sob a orientação de parâmetros curriculares e avaliativos que tem sua flexibilidade enrijecida pelos instrumentos de avaliação. Isso é evidente porque, por mais que se diga que fizemos a flexibilização curricular, quando se sabe que ao fim de determinada etapa virá uma avaliação, todos os envolvidos com a educação buscam se orientar pelo que está preconizado nesses parâmetros. Eis aí a face mais visível da chamada centralização.

No que respeita à descentralização, o efeito mais destacado é a expansão da oferta de bens educacionais, sobretudo no ensino superior. Esse crescimento, muitas vezes, tem sido feito ao largo de fundamentos de qualidade que possam garantir a melhoria da educação que é oferecida, ainda que o MEC esteja fazendo o que pode para garantir qualidade a todo o sistema,

Afora esses aspectos gerais, na perspectiva da filosofia que sustenta a concepção pedagógica que atualmente se insere nos meandros da educação brasileira, o que noto é uma articulação dos pressupostos do escolanovismo aos do tecnicismo pedagógico. Os primeiros voltados à formação para a cidadania liberal. Os segundos, para a formação profissional, dando uma ênfase descomedida à formação para o mercado de trabalho.

O problema aí é que o cidadão e o trabalhador são, antes disso, um ser humano. Vejo, então, em todo o sistema que sustenta a educação brasileira, uma carência e uma ausência de aspectos humanísticos que possibilitem a formação do homem e da mulher que possam vir a ser cidadão ou trabalhador, mas que foram humanamente melhor preparados para a vida.

Assim, em que pesem os aspectos positivos quanto à descentralização da oferta da educação, a centralização dos fins educacionais da educação brasileira, a meu ver, está a merecer uma reflexão mais profunda, está a merecer revisão e, quiçá, sobretudo, de redimensionamento. Essa reorientação pode ser guiada com base em duas perguntas: que modelo de sociedade queremos como projeto de nação para o Brasil? Que ser humano queremos formar para sustentar esse modelo societário?

02) Quais os desafios enfrentados pelo profissional da educação, atualmente?

Vejo como principais os seguintes cinco desafios colocados ao profissional da educação nos dias atuais:

Um primeiro desafio diz respeito à conciliação entre trabalho e qualidade de vida. Sabemos que, na educação, esses elementos se apresentam como pólos antagônicos. O professor trabalha muito e não tem o reconhecimento social via salário que lhe garanta poder desfrutar de plena cidadania, entendida como participação e apropriação de bens materiais, sociais e simbólicos, necessários ao pleno desenvolvimento individual, profissional e social. Aí a questão é: como fazer para que o professor e a professora alcancem a valorização de que tanto necessitam para bem realizar a tarefa essencial que é a de formar as novas gerações?

Um segundo desafio tem a ver com a tarefa de conciliar formação para o magistério e profissionalização. A formação parece bem encaminhada, pois, hoje, não só os cursos de licenciatura estão sendo repensados, inclusive naquelas áreas de carência de pessoal bem formado, e que buscam transformar essa revisão em proposição de programas formativos que atendam às nossas necessidades – o que, de certa forma, já está sendo feito pelas instâncias oficiais. A educação a distância também parece contribuir para o aperfeiçoamento contínuo do professor, com algum problema de qualidade e de disponibilidade de tempo localizadas em setores que ainda não entenderam o quão importante é a formação inicial e continuada do professor.

O problema mais grave, penso, situa-se no âmbito da profissionalização: não temos um código de ética profissional docente, não temos o controle da formação e não desfrutamos do domínio do exercício profissional. Um código de ética haveria de preconizar que os próprios professores é que devem gerir sua formação e o exercício de sua profissão, contrariamente ao que ocorre hoje, em que a regulação da formação e do exercício docente encontram-se nas mãos de empresas, do Estado e de organizações que não respeitam a chamada liberdade de cátedra, não respeitam o patrimônio do saber específico da docência, não respeitam a autonomia relativa de que o professor e a professora devem lançar mão para bem executar as tarefas implicadas no magistério.

O terceiro desafio é o de conseguir articular escola e vida, evidenciando que a escola é socialmente referenciada e que sua especificidade centra-se no oferecimento dos bens simbólicos da área da ciência, da filosofia e das artes. Fazendo perder essa especificidade e assoberbando a escola de tarefas que não lhe dizem respeito, acabamos por desfigurar o papel social da escola e do professor. O que estou querendo dizer é que, por exemplo, à família cabem as tarefas relativas ao cuidar; à escola cabe a responsabilidade do ensinar. Quando a sociedade quer que a escola ensine e cuide, então ela termina colocando sobre os ombros da escola e dos professores uma missão que eles não tem condições humanas, econômicas e institucionais de realizar. Porém, se a escola oferecer educação de qualidade, valendo-se do saber sistematizado, ela estará contribuindo para formar para a vida, para a existência de pessoas ativas na sociedade e na história. É essa especificidade que precisa ser recolocada como papel precípuo da instituição escolar.

O quarto desafio é o que se relaciona à necessidade que temos de construir um projeto de nação para o Brasil. Ora, isso passa, como já disse, por nossas escolhas quanto ao modelo societário que almejamos e quanto ao estilo existencial que queremos propor para as novas gerações. Queremos uma sociedade individualista ou uma sociedade mais solidária? Queremos um indivíduo centrado no próprio umbigo ou um sujeito social mais preocupado com a dimensão coletiva da vida? Que Brasil queremos deixar para as gerações que nos sucederão? Será que educar para o mercado é tudo o que podemos fazer? Na linha dessas indagações, mesmo sabendo que educação escolar não é tudo, que sem justiça econômica e democracia política profunda não poderemos ir muito longe, temos de nos ocupar com as contribuições que a educação nacional pode oferecer para o Brasil. Ela não poderá se responsabilizar sozinha pelo projeto de Brasil, pois, sozinha, a educação pode muito pouco. Mas ela, associada à rede de instituições sociais, poderá contribuir para que deixemos um Brasil mais justo, mais igualitário e mais humano para aqueles que nos sucederão.

Um quinto desafio diz respeito à revisão das atuais finalidades da educação. Basta formar para a cidadania liberal? Basta formar para o mercado? Basta formar para o consumo? Como já disse, antes disso há a realidade ontológica do homem e da mulher e ela não pode ser negada. É nessa dimensão antropológica que a educação escolar pode e deve prestar atenção, mas centrada na tarefa maior de oferecer acesso e aquisição do saber sistematizado da ciência, da filosofia e das artes, tal como se entende ser a sua especificidade, e da qual a instituição escolar não pode abrir mão.

03) Em sua análise, qual a relação existente entre o enfrentamento desses desafios e a formação continuada dos educadores?

A formação continuada de professores tem a potencialidade que é a de oferecer vivências e experiências com os saberes docentes de modo duradouro. A formação continuada é necessária porque os saberes estão continuamente renovados pela pesquisa, essa que alimenta o ensino e a mobilização de conhecimentos para a resolução dos problemas humanos. Logo, estar em programas de formação continuada pressupõe essa disposição por parte do professor de estar atualizado, aprofundando no domínio específico da área em que atua e possibilitando que aquelas vivências e experiências epistêmicas possam renovar-lhe a teoria, a prática, a metodologia e a visão sobre para que serve a educação que ele pratica, na qual acredita e com a qual pode contribuir para uma sociedade melhor, para a formação de um ser humano eticamente qualificado e preparado para buscar a realização pessoal, profissional e social.

04) A EAD é a modalidade de ensino que mais cresce no país; o senhor acredita que há profissionais suficientes preparados para atuar nesta modalidade? Quais os reflexos da EAD no ensino em geral?

Pelo que tenho visto, estamos necessitando de pessoal preparado para atuar no campo da EAD. Há, aí, a necessidade de reorientação da prática docente, que, agora, não está mais centrada apenas na transmissão de conhecimento, mas no oferecimento de vivências e experiências epistêmicas que cumpram o papel formativo.

Entendo que o profissional da educação pode e deve apresentar bom domínio teórico da área em que atua; deve, ainda, demonstrar amplo domínio metodológico de seu fazer; e, por fim, aguda consciência ética, aqui entendida com o para que formar, qual sociedade preconizar, qual estilo existencial propor como finalidades à educação. A teoria é saber; a metodologia é o saber fazer e a ética é o saber estar entre os humanos. Porém, mesmo tendo tudo isso, o profissional da educação pode entender que ele não é mais o agente social que detém o monopólio da transmissão de conhecimentos. Hoje, o conhecimento está em toda parte, inclusive nos meios possibilitados pelas tecnologias que são utilizadas na educação. Então, esse profissional da EAD precisa ser formado para saber se valer desses recursos, visando a criar aquelas vivências e experiências pedagógicas de que falei anteriormente.

Quanto aos reflexos da EAD na educação, eu entendo que do estado atual da tecnologia nós não podemos fugir. A EAD, se usada com profissionalismo e consciência ética, poderá contribuir, e já tem contribuído, para ampliar a democratização ao acesso e à permanência na educação formal. Se contar com profissionais adequadamente preparados, então essa abertura poderá contribuir para termos um maior contingente de pessoas qualificadas para nos ajudar a fazer desse nosso Brasil uma grande nação, humana, social e historicamente marcada pela igualdade, solidariedade e pela justiça. Bom, é o que desejo para a e espero da EAD.

05) No mundo tecnológico e midiático de hoje, que relação o senhor estabelece entre a mídia e os indivíduos?

Parece-me que a mídia tem sido tratada como o grande veiculador da cultura contemporânea. A educação escolar, por lidar com bens simbólicos que integram essa cultura, não está à margem da mídia. Como tudo na vida, a mídia também se mobiliza para construir, mas pode ser destrutiva. Porém, se ela utilizar a informação, o conhecimento e o saber humanos com aquela postura ética aventada anteriormente, a mídia poderá auxiliar, imensamente, para a formação de um sujeito humano mais crítico, mais autodeterminado, mas ativo na vida e na história. O que não é tolerável é a aceitação acrítica, pelo indivíduo, de tudo o que a mídia apresenta. Por isso a mídia pode ser utilizada para fazer a crítica da própria mídia e contribuir para a formação de um sujeito social mais seletivo naquilo de que se serve para se formar e buscar a realização pessoal, no trabalho e na sociedade. Nisso, creio, reside uma boa razão de ser para todos quantos fazem e sofrem a educação em nosso país, importando não a mídia em si, mas, sim, o que dela podemos fazer. E que a usemos para construir!"