Entrevista (Of the Twilight - EUA) - Maio/2010

Entrevista para o blog Of the Twilight (EUA) feita por Edward Ruff, respondida em 23 de Maio de 2010.

http://ofthetwilight.blogspot.com/2010/05/lebenessenz.html

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1 - Quando você criou o Lebensessenz, foi algo planejado ou algo instantâneo?

Ah, aquela época! Certamente não foi algo planejado. Eu lembro que estava sozinho em casa e decidi improvisar algumas melodias. Minha idéia, a princípio, era apenas criar algo para mim mesmo naquela noite. Digamos que fui guiado por um impulso, sem nunca ter pensado que "Lebensessenz" poderia realmente corresponder ao seu significado, etimologicamente falando, ou seja, na essência da minha vida. Escrevi um texto a esse respeito, dizendo que, na verdade, eu nunca fui músico. Nunca toquei em minha infância e nunca sonhei ou senti qualquer atração pela música, em outros tempos. Uma história curiosa.

Este é um fragmento do texto:

"Diferentemente de outros compositores, comecei tarde. Não apenas isso. Tarde e por si só. Mesmo tendo um pai músico, segui com meus próprios recursos. E aos poucos, bem aos poucos, eu me descobri com o piano. E hoje não há um só dia que eu não deixe de tocá-lo, quando me encontro em casa. Não há uma só ocasião em que eu não peça a alguém que me visita: 'Posso tocar para você uma nova composição minha?' (...). E como fruto desta indecisão. E da necessidade de encontrar algo onde eu pudesse expressar aquela longínqua inquietude jovial minha, cresci enquanto compositor".

2 - Você contava com apenas 17 anos quando criou seu projeto musical. Antes disto, você havia tido algum tipo de aula musical?

Percebo que a arte é forte em sua família. Você foi encorajado? Ou usou a música como forma de rebelião, através de uma mensagem criativa?

Nunca tomei qualquer tipo de lição e mesmo atualmente eu não a tomo. Aprendi a tocar com a intenção de criar a minha própria música. Quando as pessoas me incentivam a começar a ler partituras, eu gosto da idéia e me sinto encorajado, ao mesmo tempo em que digo a mim mesmo: "Ah, sim... Talvez um dia!". Sei que seria melhor se eu pudesse ler, mas atualmente isso não é um grande problema para mim. Minha prioridade está relacionada com o instrumento. Enquanto eu puder, estarei criando. E compactuo com a mesma fidelidade exposta em uma entrevista dada em 2007, com as mesmas palavras:

"Eu nunca darei fim ao projeto, tendo todas as condições para [criar e] gravar. Se um dia eu acabar com ele, será certamente porque estou em uma prisão (porque é este o destino de muitos inimigos do sistema, como Wagner o foi em seu tempo), em um sanatório (nunca se esqueçam que Heidegger, Hamsun e Pound foram considerados 'loucos' por causa do que pensavam, com a vitória dos Aliados), em um hospital (há momentos em que a vida é incerta) ou em um cemitério (se eu morrer). Minha música [representa] os passos da minha vida".

Esta sua segunda pergunta é muito interessante. Meu pai não mostrou nenhum entusiasmo e nem gostou quando eu comecei a tocar (na verdade, eu toquei por uma ou duas vezes na minha infância, porque meu pai queria ser meu professor), pelo fato de que em seus olhos, era exatamente o que você descreveu: uma rebeldia. Ele era da concepção de que consistia em até mesmo uma agressão desejar "compor" sem nenhuma formação clássica ou capacidade para tal. "Você deveria aprender 'música de bolinha'", era o que ele costumava me dizer – no caso, ironicamente se referindo a partituras. Mas com a prática e principalmente com sentimento, comecei a ficar melhor no piano – para mim, isso é tudo o que eu realmente precisei/preciso/irei precisar. Tive meu próprio começo. Muitas pessoas se recusaram a distribuir meus trabalhos em outros tempos. Talvez eles tivessem razão. Lembro que certa vez, Jorge Luis Borges disse que seu pai nunca dizia nada em relação aos seus poemas, e então Borges acreditou que seu pai estava certo, dando a ele a possibilidade de cometer seus próprios erros. Então sou muito paciente e sempre penso que estou apenas no começo de tudo, "cometendo meus próprios erros". Mesmo que eu estivesse com 1, 5 ou 10 álbuns, eu iria compreender quando as pessoas dissessem que eu preciso melhorar. Rilke estava certo:

"Ser artista significa: não calcular nem contar; amadurecer como uma árvore que não apressa a sua seiva e permanece confiante durante as tempestades da primavera, sem o temor de que o verão não possa vir depois. Ele vem apesar de tudo. Mas só chega para os pacientes, para os que estão ali como se a eternidade se encontrasse diante deles, com toda a amplidão e a serenidade, sem preocupação alguma. Aprendo isto diariamente, em meio a dores às quais sou grato: paciência é tudo".

3 - Você menciona que após o seu primeiro trabalho, tristemente uma fita com gravações foi perdida, em uma noite de insônia. O que você se lembra desse episódio? Você chegou a se sentar e tentar recriá-la?

Na verdade, este foi um trabalho feito no mesmo processo da minha primeira demo. Honestamente, creio que não seria necessário regravá-la, porque as melodias e a estrutura musical eram completamente diferentes. O leitor/ouvinte poderá checar por si só, a fim de compreender o que digo, comparando, por exemplo, meu primeiro trabalho com o que faço nos dias de hoje. Se eu fosse talentoso como Agnes Miegel o fora, eu poderia recriá-las tal como se fizesse com poemas da minha infância (Possuo uma música sobre o seu "Frühe Gesichte" - Rostos felizes), mas não o sou e minha memória também é insuficiente para coisas como essas.

4 - O que o inspirou a tocar piano e atualmente criar uma forma de música clássica? Você acredita que seu pai é como uma referência espiritual para o que você faz, em relação aos sentimentos expressos nas suas composições?

Como já foi dito, eu comecei a tocar sendo movido por um impulso, mas lentamente ele se conectou a um sentido de dever, de necessidade. Somente ela, em sua verdadeira essência, fez de mim um compositor. A necessidade de me abrir com o que eu não consideraria simplesmente um instrumento, mas um livro aberto, repleto de coisas que às vezes não são ditas nem aos meus melhores amigos. Uma necessidade de expressar meus medos, bons e péssimos dias, perdas, sensações após as leituras de um bom livro ou um bom filme. Em meu novo álbum, há uma composição que foi criada automaticamente, quando retornei do funeral do meu pai; outro, depois de ter voltado do hospital, quando minha filha nasceu. Eu me aplico ao trabalho com os mesmos princípios que as escolhidas castas hindus faziam-no através de suas especificidades biológicas. No caso, vejo meu dever como escrever e fazer música.

A vida do meu pai é realmente uma inspiração para mim. Sei que posso estar atuando exatamente como Mel Gibson, mas é verdade: ele foi um exemplo. Certamente ele teve seus erros, mas a meu ver ele representa justamente essa idéia de trabalho devocional: seu dever foi o de curar. Foi para isto que ele foi escolhido. E estou lhe dizendo honestamente. Não tome minhas palavras como meras "palavras de filho". Onde quer que eu ande em minha cidade, pessoas – em sua maioria mais velhas – costumam perguntar ou começar a falar: "Ah, Schner... Eu me lembro do seu pai! Quando ninguém podia me curar, ele me salvou!". Quando estive ao seu lado nos seus últimos dias, em sua mente ele ainda estava trabalhando e tentando curar pessoas. E ele sempre manteve sua fidelidade à medicina, até os últimos dias. E justamente por causa de sua fidelidade e coragem na luta contra o sistema de medicina atual, ele sofreu boicotes, humilhações e outras coisas. Ele foi realmente uma grande pessoa e estou feliz por fazer algo em sua memória, apenas um grão de areia perto de tudo o que ele merece. Sou da opinião de que podemos chegar à imortalidade através da arte.

5 - Você sente que atualmente necessitaria a aceitação do seu pai ou acredita que ele estaria satisfeito com o que você faz? O Lebensessenz é a forma mais absoluta da sua alma, expressa na música?

Isto é muito subjetivo. Mas com base no que pessoas próximas a ele me dizem, ele certamente estaria contente com o que estou fazendo, mesmo que eu não esteja lendo as tão recomendadas "músicas de bolinha", ou, melhor dizendo, as "partituras sagradas".

Sim, o Lebensessenz é realmente uma parte da minha alma, ao lado do que tento escrever. Marquês de Maricá, um importante escritor brasileiro, certa vez escreveu em seu epitáfio: "Aqui descansa o corpo de Maricá. Se você procura sua alma, nos seus livros a encontrará". A arte é certamente um sinônimo de imortalidade, quando sua mensagem é tão universal quanto imortal. Há casos em que apenas após dez, cinqüenta, cem ou centenas de anos a alma de um artista pode ser descoberta. Neste caso, considero uma grande sorte ver a atenção que as pessoas destinam ao que faço, valorizando meu trabalho ainda enquanto estou vivo –muitos outros nunca tiveram esse privilégio!

6 - Quando você está criando, você segue um método particular? Ou o faz de modo espontâneo? Busca eventos?

Como sempre aprendi a tocar piano por conta própria, meu método é bastante particular. Compor assemelha-se ao mesmo processo de um escritor que deseja relatar sua própria visão sobre determinado tema: ele deseja fazer isso sozinho. Há possibilidade de tocar junto com alguém em uma música em específico, mas minha essência não pode ser mudada. Há momentos em que as pessoas gostam de "entrar" no que faço e propor como e o que eu deveria fazer, mas devo dizer: tenho meu próprio caminho e como Keating propõe em "Sociedade dos poetas mortos", desejo manter o meu próprio passo e seguir com minha própria voz, mesmo que isso me traga em certas dificuldades. Aceito sugestões de coração aberto; interferências não. O mesmo seria válido para um escritor. Não consigo imaginar alguém que procurasse remover a crise existencial de um Dostoievsky, dizendo: "Por que você não tenta escrever de outro modo?".

No que diz respeito a eventos, estou atualmente procurando mais oportunidades para poder me apresentar. Até o presente momento, fiz uma única apresentação e tudo correu de modo incrível, simplesmente incrível. Estou procurando enviar materiais promocionais a determinados lugares. Eu realmente espero novas oportunidades para tocar e promover o que faço. Ouvi comentários muito positivos na minha primeira apresentação, então quero acreditar que estou fazendo algo bom.

7 - Você alguma vez pensou em escrever letras que acompanhassem suas criações? E você já chegou a trabalhar com outros músicos?

Digamos que existe uma ponte entre o que compus e o que escrevi. Há coisas sobre as quais eu não estou apto para criar nas teclas, bem como sentimentos e situações que não me é possível descrever com palavras. Existe uma completude. Mas também escrevo algo que possui relação com músicas e o texto. "Über die Brücke der Träume" (Sobre a ponte dos sonhos) e "Traum und Schuld" (Sonho e culpa) foram duas composições que criei em conexão com o meu primeiro romance escrito. O mesmo é válido para outros textos. Se você me perguntar sobre qualquer uma das minhas músicas, eu poderei descrever em detalhes as circunstâncias que me fez criá-las.

Sim, trabalhei com outros músicos. Não era algo relacionado ao piano (Tive muitos projetos de diferentes estilos e toquei outros instrumentos e até mesmo atuei como vocalista em alguns deles). Mas mesmo no tempo dessas atividades, eu mantinha o piano como um instrumento pessoal meu. Certa vez, alguém disse: "Hmm... Apenas um piano? Mas que som vazio!", mas eu realmente não tenho planos de tocar com outras pessoas. Participações com voz ou outros instrumentos em músicas específicas sim, e nada mais.

Um dos meus sonhos é escrever uma música que se assemelhe ao que Nicolai Gedda fez em "Porqoui me réveiller", na qual ele escreveu sobre Werther. Se eu pudesse encontrar alguém que se habilitasse a fazer uma participação como cantor, certamente eu criaria minha primeira Ópera.

8 - Na medida em que você se torna adulto, você se surpreende com o rumo que sua música toma ano a ano?

Ao mesmo tempo em que olho para mim mesmo e digo: "Como as coisas mudaram ao longo desses anos!", tenho a sensação – talvez seja um aspecto perfeccionista – que sempre preciso melhorar. Posso criar um trabalho exatamente hoje, tendo feito o meu melhor, mas amanhã eu irei ouvi-lo e dizer: "Não... Acho que agora, eu poderia fazer algo melhor". Jorge Luis Borges certa vez disse que ele nunca passeou novamente os olhos sobre os livros que escreveu. Mais ou menos, o mesmo é válido para mim: olho para meus trabalhos antigos com nostalgia, mas procuro me concentrar em meu Norte, tendo a sensação de nunca ter feito nada. É um pouco estranho, confesso, mas, em minha opinião, é algo positivo. Nietzsche também costumava dizer que cada um dos seus novos livros recém-terminados, trazia-lhe uma sensação de adeus.

9 - Quais são suas principais influências? E você ouve outros estilos de música?

Particularmente, eu poderia dizer que minhas principais influências não estão necessariamente relacionadas com a música. Nenhum compositor pôde me inspirar da mesma forma com que as leituras de "Os sofrimentos do jovem Werther" de Goethe ou "Os bandoleiros", de Schiller.

Minha inspiração poderia ser dividida em três pontos: 1. Sentimentos e experiências pessoais; 2. Literatura, filmes, pinturas, etc.; 3. Música. Neste caso, existem alguns poucos nomes de compositores/projetos/bandas nos quais o leitor irá encontrar certo fundo para a influência das melodias que crio, como é o caso de: Yann Tiersen, Chopin, Alcest, Wigrid, Philip Glass, Beethoven e outros. Mas, falando honestamente, o processo de criação é até mesmo curioso, porque nunca tive uma influência principal nestes termos. Certa vez um amigo me enviou uma música de Yann Tiersen e eu me identifiquei com ela e respectivamente com seu trabalho, mas isso não significou que eu fosse um desses fanáticos que se senta ao piano para imitá-lo e copiá-lo. Creio ter ouvido menos de dez músicas suas e apenas um único álbum de Glass (The Hourglass), mas sei exatamente a importância que ambos compositores tiveram em relação ao que faço. O mesmo é válido para escritores que gosto, como Goethe ou Thoreau – não li todos os seus livros, mas sei bem os pontos que me leva a admirá-los, aplicando seus valores em minha vida pessoal.

Por certo que ouço diferentes estilos de música. Sou completamente movido pela nostalgia, então me é bastante comum ouvir Abba, por exemplo, a sentir o mesmo espírito da minha infância. Então me sento ao piano e crio melodias que em nada se assemelham ao grupo sueco. Há três diferentes categorias de música que ouço, em caso de inspiração: música clássica, de influência paterna; música mais comum, feita por bandas e grupos como Roxette, Pink Floyd, Brandi Carlie, The Cure e outros, que seriam de influência materna; e algumas poucas bandas de Black Metal melancólico ("Black", no caso, está relacionado com escuridão, não com um grupo racial específico), de nomes como: Alcest, Wigrid, Gris, Drudkh, Burzum, que vem a ser um segmento musical com o qual tive uma relação mais forte entre 2001 e 2008.

10 - Se você pudesse ressuscitar um compositor famoso em alguma época, quem seria?

Richard Wagner, sem sombra de dúvidas. Este é o primeiro nome que corre de encontro à minha mente. Ele não foi um simples compositor, mas, por assim se dizer, um compositor completo: músico, revolucionário perseguido, genuinamente nacionalista, escritor, herói, poeta, místico e porque não um deus, ainda que sua vida constantemente fosse tomada de dificuldades que eram "demasiado humanas", como a melancolia e problemas de ordem financeira. Todos estes elementos o colocam acima de toda a idéia da simples criação musical.

Concordo com as palavras de Ernst Newman: "Wagner foi uma dessas personalidades dinâmicas que depois de desaparecer, fazem com que o mundo não mais volte a ser o que era antes".

E com a ressurreição de Wagner, veríamos uma vez mais o triunfo da arte clássica sobre esses tempos obscuros que vivenciamos, onde "tudo é arte", onde "o conceito de arte é relativo"; onde a sensibilidade inexiste e se chega ao ponto de classificar um cão faminto e em agonia como "uma linda expressão do sofrimento". Um Ministro da Propaganda na Alemanha certa vez disse: "A arte sem delicadeza é alimento para os porcos". Eu diria o mesmo. E também ao reviver as virtudes wagnerianas, automaticamente valores da filosofia de Schopenhauer seriam mais compreendidas em nossa época, como é o caso de suas concepções em torno de heroísmo, vontade, tragédia, saúde, etc.

11 - Através dos tempos, os compositores clássicos sempre pareceram excêntricos, que viveram grandes tragédias ou que tiveram algum tipo de atuação política. Você acredita que estes seriam os ingredientes chaves para um grande compositor?

Sim. Isso é valido para Wagner e até em relação a mim mesmo (mas, por favor, não estou tentando me comparar com Wagner; apenas eu o uso aqui como exemplo de situação comum à minha própria). Depois de situações que experienciei, criei músicas como que automaticamente. Do primeiro ao quarto trabalho, compus e gravei tudo ao mesmo tempo, sob efeito de diferentes circunstâncias pessoais. Contudo, ainda hoje, em alguns momentos, eu ainda o faço de modo improvisado, tomado por um momento específico. Todos esses momentos que vivencio atuam como se me desafiassem, a dizer: "Vamos, portanto, ver quão profunda é sua relação com a música. E agora, você pode criar, huh!? Se pode, expresse-se nesta situação!". Em "Cartas a um jovem poeta", Rilke compactua da mesma idéia: "... pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever?".

12 - Apenas recentemente me foi possível estar em contato com os seus trabalhos. Quais você recomendaria adquirir? E que álbum você acredita ser o melhor?

Eu lhe recomendo os trabalhos que foram feitos após "Der Abend des Abschieds" (O entardecer da despedida - 2005). São eles: "Le besoin perpetuel" (A carência incessante - 2006); "Das Drama der Einsamkeit" (O drama da solidão - 2006); "Die Räuber" (Os bandoleiros - 2007); "Die letzten Momente von Werther" (Os últimos momentos de Werther - 2007); "Introspective fragments II" (Fragmentos introspectivos - 2008); "Tu, deorum hominumque tyranne, Amor!" (Tu, amor, tirano de deuses e homens - 2008); e finalmente "Leben und Kunst" (Vida e arte - 2009).

Costumo dizer que o melhor é sempre o mais recente. Mas esta é uma opinião particular. Se, por exemplo, seu livro favorito é "Os sofrimentos do jovem Werther", inquestionavelmente "Die letzten Momente von Werther" será o seu favorito. O mesmo seria válido para "Leben und Kunst" se você deseja fazer uma jornada na vida do meu pai, ou "Tu, deorum hominumque tyranne, Amor!" se você deseja mergulhar em minhas experiências pessoais, tendo como pano de fundo a "Metafísica do amor" de Schopenhauer. Eu poderia ainda complementar e dizer que depois de "Le besoin perpetuel", tudo corre de forma similar. Todos os trabalhos possuem uma essência própria, sim, mas lentamente estou melhorando no que faço. Exemplo disso está em questão de técnicas e estruturas de melodias. A essência, no entanto, ainda é a mesma.

13 – O que o motivou a mover-se de sua nativa Europa para o Brasil? Certamente você esteve diante de um choque cultural. Você acredita que isso teve efeito na criação de suas composições?

Desculpe-me em dizê-lo, mas na verdade eu não me desloquei da Europa para o Brasil. Nasci no Brasil e até hoje, nunca senti o ar da divina Mãe Europa, digamos que por questões relacionadas a oportunidades. De qualquer modo, a Europa vive em meu coração (Assim como o faço em relação a outras partes do mundo. Mas, no caso da Europa há uma diferença significativa: minha ancestralidade é completamente européia, então, de algum modo, ouve-se a voz do sangue) – isto é o mais importante – e há aqui, na região onde vivo, até mesmo parte de um espírito da Europa que se perdeu nela própria. Para lhe dar um exemplo, existem muitos estudos sobre comunidades européias no Brasil que mantém dialetos que desapareceram por completo no continente europeu.

Sinceramente, há sim um efeito forte em relação ao que faço, pelo fato de manter a Europa em meu coração. Não somente como um continente, mas como um espírito. Mais específico ainda em relação à Alemanha. Criei músicas e álbuns sobre sua história, sobre seus lugares e sua cultura, sob efeito de muitos dos seus compositores, pintores e escritores, mas nunca meus pés tocaram o seu solo. Assim sendo, minha relação com a Europa e mais diretamente com a Alemanha, também compõe parte do meu romantismo - naturalmente, parte da minha inspiração.

Algumas pessoas poderiam dizer: "Ah, que piada! Como poderia alguém escrever a respeito de todas essas coisas, mesmo sem ter visitado a Alemanha?". Contudo, creio que um romantismo como o meu – mesmo que soe estúpido a alguns – é, no meu ver, muito mais positivo que a invasão que se faz na Europa e na Alemanha, quando sujeitos com más intenções buscam impor seus valores culturais e religiosos; roubam, vendem corpos e drogas e lutam pela dissolução dos nacionalismos, em qualquer país europeu que seja.

14 - Como é viver no Brasil? E qual é a sua opinião sobre o seu cenário musical?

É bastante complexo "introduzi-lo" em relação ao Brasil, tendo em conta sua vastidão. Primeiramente, esqueça a idéia que você tem de Brasil em relação ao que se assiste na televisão. É falsa e não o representa em sua essência.

Resido em uma região que em sua grande parte foi colonizada por europeus e seus valores e contribuições podem ser vistos em diversos aspectos: arquitetura, culinária, religião, etc. Estes imigrantes foram substitutos dos escravos africanos, quando a Inglaterra e sua Revolução Industrial impôs ao Brasil a necessidade de se abolir a escravatura e fez dos negros escravos não mais de seus senhores, mas das fábricas. De ambos os lados – pai e mãe – meus ancestrais tiveram uma vida muito pobre, trabalhando no campo.

Um dos grandes problemas do Brasil se assemelha ao que se passa em outros lugares do mundo: tem-se a idéia de converter um "multiculturalismo positivo" em negativo. Bem o que eu considero como positivo ou negativo? Em minha região, por exemplo, havia etnias das mais diversas partes do mundo. As pessoas realmente aprendiam umas com as outras em diversos aspectos. Meu pai, por exemplo, um descendente de alemães da Rússia, tornou-se um grande médico não apenas por seu esforço próprio, mas pelo que aprendeu com os nativos indígenas; e meu avô os ensinava a tocar violino. Comumente aqui, as pessoas mais velhas – com ancestralidade européia ou não – costumam ainda a falar algumas palavras em dialetos europeus, ao mesmo tempo em que podem dizer frases em tupi guarani. Este, portanto, seria um lado positivo. Mas nos dias de hoje, traz-se a idéia de se implementar um governo internacional. Esta é uma tentativa de dissolução das especificidades em seus mais diversos aspectos, através de uma imposição silenciosa e "democrática". Aqui, no Brasil, os órgãos influentes defendem que você realmente precisa seguir este ou aquele modelo cultural, tornando-o quase que um dever. Um exemplo disso está relacionado com raça. Os marxistas colaboraram com a idéia de um governo internacional e converteram a questão da raça em uma "construção social". Ao mesmo tempo em que eles lutam arduamente contra todos aqueles que tentam dizer que há aqui, de fato, uma forte comunidade euro-brasileira, que deixou notáveis contribuições (e que deveriam ser respeitadas como parte do país), procura-se aplicar as teorias de Hobsbawm para se afirmar que identidades inexistem e que "tudo foi criado pela burguesia, com objetivos específicos" e assim por diante. Mas ao mesmo tempo, são os mesmos a defender indígenas e negros, dizendo que eles são os verdadeiros brasileiros e que devem, portanto, "orgulhar-se de sua raça". A dança de um ucraniano, neste sentido, não é mais que uma "criação da burguesia" ou simplesmente inadequada para ser cultuada no Brasil; em contrapartida, uma dança africana é "completamente brasileira e deve ser admirada e praticada por todos". Nada contra as danças destes. Eu realmente concordo que eles precisam manter sua cultura. Mas o resultado desta categoria de multiculturalismo tão buscado, é que as pessoas estão perdendo suas identidades e buscando seguir como robôs "o que é certo" para o sistema. Recentemente, celebraram-se os 100 anos de imigração japonesa no Brasil. O que a televisão mostrou? Um japonês jogando capoeira, como se dissesse: "Este é o 'bom japonês'. Alguém que biologicamente, culturalmente e espiritualmente não possui qualquer relação com a África, mas, pelo fato de estar aqui, procura esquecer tudo a seu próprio respeito e aceitar a silenciosa imposição cultural". As pessoas deveriam compreender que se o Brasil é um país multicultural, automaticamente isto não significa que estejamos em um país africano ou que somos a "segunda África". Não. Na verdade, somos tudo o que desejarmos ser, pelo fato de termos aqui uma infinidade de etnias e comunidades. Podemos ser a África, mas também podemos ser a Europa, a Ásia ou outro continente. Digo-o honestamente e espero não sendo confundido ou interpretado precipitadamente por pessoas que dirão que sou racista. Sou a favor de todas as culturas neste país. Ao mesmo tempo em que não me agrada ver brasileiros de sangue polonês a perder sua identidade, lágrimas vêm ao meu encontro quando vejo nativos indígenas orando para Cristo e aceitando imposições "humanitárias" (como no que diz respeito à Eugenia, quando na verdade os nativos deveriam manter seu espírito espartano que, no fundo, é parte de sua essência). As pessoas deveriam contemplar isso tudo como uma riqueza da qual dispomos, sem ser voluntários de um processo de auto-anulação. Dever-se-ia pensar que é possível aprender com os outros povos e, ao mesmo tempo, continuar a ser o que somos, preservando a identidade. Mas bem, como eu havia dito, isto é um assunto completo e não faz parte de minha intenção expor tudo o que penso a respeito, por não ser um espaço apropriado.

O cenário musical aqui me é como um novo universo. Estive imerso no underground por anos. Com a música erudita, tudo é diferente. Certamente que existem pontos bons e ruins, mas busco estar próximo das minhas pretensões, como alguém que realmente ama tocar e criar.

15 - Quais são os melhores lugares para adquirir seus lançamentos? Houve interesse em seu trabalho por parte de pessoas fora da Europa?

Creio que na Alemanha existem muitas distribuidoras onde se é possível adquiri-los, como é o caso da Dunkelheit Produktionen.

A Internet quebrou todas as barreiras possíveis, então posso dizer que meus ouvintes vêm das mais diversas partes do mundo. Eu lembro, por exemplo, quando vendi minha discografia completa para uma pessoa do Japão. Existem muitos ouvintes no México, Estados Unidos, Brasil, Chile, Rússia, Alemanha, etc., e certamente estou muito contente com isso tudo. Honestamente, minha música sempre me abriu novas oportunidades de conhecer novas pessoas e culturas. Alguém no México descobre minha música e automaticamente isto me traz a possibilidade de falar sobre meus interesses sobre registros arqueológicos nesse país; alguém nos Estados Unidos me traz a chance de falar sobre Emerson ou Thoreau, e assim por diante. Outro ponto está relacionado com o grande significado que vejo ao conhecer o humano por trás do ouvinte. O ouvinte, para mim, é tão importante quanto a música que faço, da mesma forma com que o Zaratustra de Nietzsche falava sobre o significado do sol. Conheci muitas pessoas especiais através dessa ponte chamada música.

16 - E por último, eu gostaria de agradecê-lo por sua disponibilidade e perguntar o que se pode esperar de você em 2010.

Muito obrigado por sua atenção, suas questões ótimas e sua paciência. Sabe, é um pecado meu ter levado tanto tempo para lhe responder, mas eu realmente precisei esperar um momento ideal para me sentar e respondê-la com calma.

Em 2010, certamente será gravado e lançado um novo álbum, depois de "Leben und Kunst". Talvez outro, embora eu não saiba como estarão as condições. Sei que haverá um novo evento no qual eu devo participar e, quem sabe, terei a oportunidade de tocar em um restaurante alemão e em uma festa de final de ano em uma colônia alemã. As coisas estão apenas no começo para mim, no que diz respeito a eventos.

Newton Schner Jr
Enviado por Newton Schner Jr em 07/07/2010
Reeditado em 07/07/2010
Código do texto: T2364657