A escritora Socorro Cardoso Xavier entrevista Cristina Guedes

A escritora Socorro Cardoso Xavier entrevista Cristina Guedes

Cristina de Fátima Guedes Borges, é Cristina Guedes, poeta, jornalista, taróloga, que foi escolhida pelo SESC na figura do dinâmico-jornalista e diretor de cultura, Chico Noronha, produtor do evento, para figurar brilhantemente na “Exposição Parede Poética do 2010 SESC”!

Não poderia haver escolha melhor. Autora de “Quando riem as maçãs,” e “No Coração da Serpente”, “Calendário Íntimo”, que a consagrou no mundo da literatura, ganhadora de vários prêmios a nível nacional e até internacional tais quais Menção Especial no II Concurso Internacional de Poesia do Jornal Mulheres Emergentes. De Portugal recebeu o primeiro prêmio como ensaísta de cultura e uma Menção Honrosa com o texto “As mulheres na sociedade dos homens”.

Enfim, escritora de ensaios e crônicas igualmente reverenciados pela crítica. Seus Artigos intitulados “Afroditequemquiser” singram mundos nunca dantes navegados por uma brasileira de porte e evidência. No prelo pelas Edições Sebo Cultural, exalando vanguarda ela mostra as renascentistas e florentinas figuras polêmicas do Tarô de Marselha e, ao mesmo tempo, o traz mágico compêndio em versos intitulado de “A Casa do Mundo no Reino dos Arcanos”, no qual a autora tece letras inusitadas para cada movimento e canção do arcano, de forma enigmática, impressionante!

Não obstante através dos 22 arcanos, procura humanizar naqueles ícones os conflitos intersticiais do mundo de hoje, lições sábias e de furor sagrado! Mas Cristina leva muito as mulheres repensarem e se libertarem com mais altivez no emaranhado do cotidiano que se divide e se multiplica entre tarefas profissionais, pendores e amores da imortalidade. Transcendência e realidade se confundem nesta Exposição alquímica: luz e sombra, guerra e paz, amargura e doçura, construção e desconstrução.

A Exposição traz o bonito trabalho do artista de filiação grega, o Petraios, também estudioso do Tarô Mitológico para que esta parede concretize-se no SESC dentro de uma coroação de nuances arquetípicas a se cumprir substancialmente. As infogravuras e fotografias mergulham em símbolos, descobertas de segredos, revoluteando fábulas muito antigas do caráter espiritual e filosófico que possui a Tarologia. Trabalho muito bem-vindo à praia visual brasileira.

Cristina Guedes não é exclusivista com sua arte, mas uma reconciliadora que pondera as relações entre os sexos de forma equilibrada, entrelaçada, nem tanto a montanha, nem tanto ao mar. Enfim uma mulher termômetro de seu tempo! De percepção aguda em eterna expansão ela transpira, expira e inspira a mulher moderna, embora ela trace profundamente segredos da mulher milenar que sabe abrir os canais do inconsciente dos tempos pretéritos.

Salve Cristina Guedes (pelas pérolas do deus Hermes concentradas em ti) uma mulher incentivadora e original para o universo feminino do século XXI sem fronteiras. Vamos brindar sua independência de espírito, e, sobretudo sua sensibilidade e versatilidade de quem sabe degustar, rezar e amar.

Ei-la no resumo desta entrevista, onde busquei chegar até a sua casa e num bate-papo aromatizado por xícaras de chá inevitavelmente relacionadas à nossa conversa, tentei chegar às regiões do seu universo, me aproximando das substâncias e dos exercícios singulares de uma autora que pensa o seu tempo. Desde então, desvendar um pouco uma alma desta única, misteriosa, singular mulher das artes. Ao chegar a sua sala, Cristina já brinca comigo, me chamando de Coquita e afirmando graciosamente que:”...Coquita, não vamos falar de poções mágicas e nem dos mundos sobrenaturais hoje...porque tá difícil conseguir perninhas de salamandras...agora se você quiser poderemos imaginar berinjelas temíveis ou coelhos ao vinho” Caímos na risada virtuosa de quem eleva as almas para o divino. Ela me olha, me pede pra sentar, tem uma voz particular e uma intenção refinada nos gestos. Levanta uma xícara com íntima cumplicidade e me serve com igual delicadeza. Este é o momento dela se deter por alguns segundos e para mim foi uma ocasião inesquecível.

Bem, esta é a sua entrevista, leitor, desfrute-a e comece a relembrar com maravilhosa facilidade do tempo em que você se converteu em felicidade.

Quando e qual sua motivação inicial para o mundo da ficção quer na poesia, quer na prosa? E como define seu estilo literário?

Foi o interesse pelo inconsciente e a busca de aprendizagem no observar que deu origem a esse ato. A poesia e a ficção trabalham proporções muito mais cósmicas. Sobre estilo, eu não penso muito sobre isso, apenas escrevo e desconstruo tudo depois, depois escrevo de novo. Um sonho de olhos bem abertos. Fui quase um caramelo quando comecei a escrever, depois virei salsa difusa em água e manteiga. Hoje ando escrevendo como uma paisagem de campos abertos. Isso parece champagne.(risos)

É do conhecimento de todos que há muito tempo transita pelo mundo da literatura de forma vanguardista, bem criativa e própria, quer como poeta de poemas sensuais, escritora da prosa, da crônica social, do jornalismo e até participou como autora de peças de teatro. Como se sente mais a vontade para produzir, que gênero (os) lhe trouxe mais realização?

Cada um me traz um sentir diferente, um benefício incomum, eu entro e saio diferente em cada uma dessas portas, essa é a minha curiosidade de não ignorar o que imprimo, talvez a minha desculpa para escrever sobre as coisas do mundo. E as coisas falam tanto, né Coquita. As coisas me passam, mas capto o núcleo delas, mas não concordo sempre com elas. É uma sorte imensa essa de iniciar o mistério dos sentidos e se realizar. Sou muito concentrada pelas regiões da memória e tudo pode surgir a qualquer momento. Na minha lentidão de taurina há uma disciplina escondida. Digamos que gêneros são poções sobrenaturais. Você pode sentir o elixir ou não. (risos)

Para escrever como vem sua inspiração, depende do estado de espírito, da emoção do momento? O que é mais gratificante na arte de escrever?

Numa agonia, (risos) como se eu fosse entrar em extinção, mas com menos calorias de palavras e menos colesterol no preparo. (risos) Sim, depende disso tudo que você foi em cima. Não vejo como escapar dessa refeição. Mas prometo que não vou soltar receitas truculentas. Prometo salvar os textos mais cozidos no forno da alma. Gratificante mesmo, esta é outra história, é meditar em tudo que se faz. Gratificante é ter uma amiga como você e contar inocentemente o que provem da fonte maior.

Que dificuldades maiores apontaria no mister de escritor (a) de jornalista e taróloga ontem e hoje? Como é sua convivência com polissêmicas atividades, já que os arcanos possuem falas secretas, não acessível à grande maioria?

Não vejo dificuldades, vejo um aprendizado constante de saber desfrutar de cada mister com tranqüilidade, sem misturar os símbolos de cada um, ou quem sabe fazer uma alquimia divina, participar de tudo sem altos apegos, mas com respeito, ver a medida de cada um, a dosagem de vida e a possibilidade de refletir em tudo com carinho. O jornalismo é uma rica filtragem, a Literatura uma câmera de Luz, o Tarô o sentido dessas jornadas. Mas em tudo é bom ver, ouvir e refletir para que tudo nos tire dos pensamentos da deriva e nos mostre a nossa montanha sagrada que é estar no mundo e enxergar tudo no presente e lá na frente. Agora os Arcanos são ferramentas grandiosas e levantam analogias profundas da psique de quem escreve. Para tratar deles e bem, você tem de chocar sua sombra. Você tem de iluminar cada pedaço seu, trabalhar para chegar a acariciar a sua totalidade.

Vê-se pelos seus escritos que é uma escritora um tanto hermética e metafísica, principalmente no tocante aos seus estudos no reino dos Arcanos. Em que medida a escritora utiliza estes conhecimentos, esta visão holística para melhorar e conscientizar as mulheres e os homens?

Busco usar em quase tudo, Coquita. Com medidas temperadas no coração e na razão. Não consigo separar tanto o material do espiritual, o cientifico do holístico. São imagens de beleza magnética, mas que transitam por labirínticos caminhos. Agora o não-amor da humanidade me preocupa muito. As pessoas estão com medo de se conhecerem, de poder apreciar o que já são e renovar o que sonham ser. Vivem, mas não convivem. Amam, mas não reamam. È preciso um pouco da natureza mística para que elas se desprendam da bagagem, saiam do domínio, do medo em que se encontram. As mulheres e os homens foram jogados na periferia das ditaduras sobre eles. Estão precisando tentar de novo sair das políticas, das economias, das sistematizações sobre eles. Precisam encontrar a música deles, o filme deles, a poesia deles. Se o riso deles for mutilado, as lágrimas também serão. Uma pessoa que pode chorar e rir bem, é uma pessoa que sempre estará viva. Agora quando a verdade acontece, é não-verbal, é silenciosa, é hermética. Não pode ser expressa de modo tão fácil com palavras. Mas aí o que você chama de hermético eu chamo de silêncio não manipulado. E o que você chama de holístico, eu chamo de música dedicada.

Por que a escritora enveredou pelo mundo da Tarologia neste trabalho? O que mais conta para conceber este trabalho: a intuição, o inconsciente, o sensitivo, a espiritualidade, o cognitivo ainda desconhecido, nos ignotos escaninhos da mente?

Foi tudo isso junto e bem correspondido, apenas uma percepção para uma fala que queria falar, para uma voz que queria começar, para uma fonte que queria se expressar em forma de Poesia. Aliás, Coquita, o conjunto dos 21 Arcanos Maiores são muito poéticos para mim. Como quase tudo é.

E você fala que quase tudo é, mas você é uma poeta que utiliza uma linguagem inventiva, experiência rica com a palavra, percebe-se nos seus escritos uma influência marcante das culturas antigas e clássica (greco-romana). A que se deve este fenômeno?

Foram as leituras mesmo, adoro Mitologias, Antigas Civilizações e a intenção das Divindades sobre nós. Acho que essa busca costuma estabelecer em meu trabalho uma conexão, uma espécie de júbilo dos símbolos. Sempre levei à sério os símbolos.

Muitos a lêem e elogiam seus textos bem escritos e que denotam uma cultura considerável, sente-se nas entrelinhas sua sensibilidade Considera-se uma escritora e poeta surreal?

Que nada, podem me apontar uma espingarda de caça ao se aproximar de meus escritos. (risos) Mas eu ainda irei me debater. Agora, por favor, não amassem uma alface... eu dou a outra face sim e sem o al. (risos) Tenham piedade dos canários. Eu não me considero nada. Sou só uma espécie em extinção. Limito-me apenas a escrever o que sinto.

Cristina Guedes, estandarte qual uma tocha acesa de um fogo sagrado do riso em meditação. Perscrutadora dos gestos humanos, captadora de sutil percepção mental acha isto uma faculdade da sua própria mente racional ou tem alguma dimensão espiritual?

Ô, minha cara Coquita, participamos todos ativamente desse universo, em todas as suas dimensões. Se eu ficar na posição de Lótus por muito tempo, será uma forma de meditação. Mas se eu unir o lótus com a eficácia da mente ganharei em percepção. No caso, o melhor que faço é acolher o que eu puder perceber.

Autora, jornalista, com experiências significativas em TV e diversos jornais, documentários, cadernos de cultura, suplementos literários e agências de publicidade. Acompanho-te desde o jornal A União, então qual a melhor modalidade de abordagem que prefere nas suas colunas e publicações? A ideologia ajuda ou prejudica a atuação do jornalista? Pode-se fazer um jornalismo independente?

Bem, sobre a melhor modalidade de abordagem não tenho o que dizer, pois algumas dessas já me atraíram mais antes e hoje menos. Agora hoje prefiro lidar mais com Artigos, mas dentro de uma prosa com cortes textuais mais vibrantes. Certamente, que toda ideologia trabalha sem cessar dentro dos campos da informação. Não temos como escapar. Quem opina e sabe associar fato e ficção, certamente saberá fazer um jornalismo independente, é só observar como anda a internet, os blogs profissionais, os portais criativos etc...Tudo continua para entender os absurdos sociais. As redes sociais já entenderam tanto disso, que agora contratam profissionais para estes serviços independentes. Tudo organizado mesmo e isso vai ser uma virada nos costumes jornalísticos.

Apesar de ser chamada de mulher intelectual não é intelectualizante, pois sente com alma as pessoas com as quais convive no dia a dia, tratando-as com suavidade e acolhimento, a que se deve esta singularidade da sua personalidade?

Aí é generosidade sua, Coquita. Não sou intelectual, nem pensar, nem pretendo ser, nunquinha, sou uma pessoa de atividades movidas pelo coração e precisamente só sei falar daquilo que se trata dentro de mim, gostos, preferências e distinções. Uma boa dose de humor e saber que qualquer charada social me deixa curiosa em deslindar. Gosto de conviver educadamente com minha sensibilidade e a sensibilidade das pessoas, aqui ou em qualquer lugar do mundo. O culto à grosserias não é comigo. Pra mim a verdadeira cortesia ou suavidade é deixar a outra pessoa se sentir especial e estender a mão com um sorriso. E lembrar que se duas pessoas querem passar por uma porta estreita, vai ser preciso que uma delas dê lugar à outra. Gosto de dar passagem.

A partir dos seus princípios filosóficos o ser é verdadeiramente livre?

Se este ser for em direção, com coragem e suavidade, ao seu coração. Este será um ser livre. Agora ser livre é algo muito delicado. Uma minoria vive assim. Uma minoria terá essa harmonia. Portanto, ser livre é aprender a se transformar sempre em Luz. Então, toda jornada se tornará linda.

Como coloca o humor na sua vida de escritora, de autora? Concorda com Rabelais que “rir é o melhor remédio”?

Concordo sim. De uma forma muito curiosa, Coquita. Eu prefiro dizer que quem tem humor tem boa saúde e uma vida criativa. Todos certamente possuem dramas para dizer ou outros para exaltar. Tem pessoas que preferem exaltar as tragédias, num processo sem fim. Mas acredito que a superação está na vida diária. Simplesmente nós deveríamos agir sempre para seguir em frente. Você só poderá compreender a vida melhor se for através de um riso acolhedor, que alcance Deus em você. O Homem inteligente é o Homem que sabe rir.

Somos herdeiras de uma sociedade preconceituosa e cheia de tabus, Como se sente como mulher de 40, em plena sensualidade e irreverência ante os tabus ainda vigentes na conservadora sociedade? Você acha que a mulher madura é discriminada pelo universo masculino?

Bem, não precisava espalhar Coquita. (risos) Mas também não vou soltar a velha frase de que sou melhor com essa cabecinha que quando tinha 20. Apenas isso é matemático. Sou duas de 20, com uma cabeça mais analista, engraçada, mas nem penso em restaurar o mundo. (risos) Coquita, tudo é metafísica, essa coisa de mulher madura é rótulo apenas. Quando alguém começar uma frase do tipo “...eu não sou preconceituosa com mulheres de 40 mas...”, você pode estar certa de que o que segue será a declaração mais preconceituosa que desmentirá espetacularmente o seu preâmbulo. Vivemos numa sociedade que mente a idade, que passa botox em tudo, uma espécie de salvo-conduto. Que mérito há em ter a mulher que se pediu a Deus se ela cai, literalmente, na cama do sujeito, sem nenhum mérito dela? Se ela não conquistou, apenas encomendou? Onde ficou o amor-próprio das mulheres? Ao deboche? Bem, esse universo masculino da discriminação já tá sendo jogado fora pelas mulheres inteligentes. Os rapazes que se cuidem, pois se um asteróide chocar com a Terra, não haverá nada a fazer. Por favor, não tribalizem a mulher de 40. (risos)

A seu ver a mulher está cumprindo o seu papel, qual é a missão da mulher hoje?

Continuar sendo ela mesma, amar, sorrir, criar seus filhos, trabalhar, pensar e sair dos velhos padrões com vontade. A mulher deve espalhar luminosidade. E esse é um dos pontos altos da beleza feminina. Luminosidade é a sua missão.

Esta sua obra inédita no prelo “A Casa do Mundo no Reino dos Arcanos” marca uma nova fase na sua vida de autora, que espera do mundo crítico a respeito dela?

Marca e muito uma nova etapa, pois estou terminando meu círculo da quinta sétupla. Agora acho que o mundo crítico deverá escrever em sânscrito para mim, assim eu irei compreender (risos). Assim dá gosto escrever. Tendo quem nos compreenda é tão bom.

maria do socorro cardoso xavier
Enviado por maria do socorro cardoso xavier em 19/10/2010
Código do texto: T2565744