Belvedere Bruno entrevista Irene Serra

Irene Serra, editora de uma das mais prestigiadas revistas digitais - Rio Total - exerce a profissão de psicóloga e foniatra. Com a simpatia que lhe é peculiar, concede uma interessante entrevista à Literacia.

- Quando e como surgiu a inspiração para o Rio Total?

Há 17 anos, a internet estava iniciando seus primeiros passos mais concretos. O jornalista Luiz Carlos Guedes - nosso editor chefe - ficou entusiasmado com as possibilidades que esta novidade apresentava e abrimos um site que se chamava Catálogo do Rio; era um site de propaganda, visando à divulgação de serviços médicos e que, em aproximadamente um ano, se estendeu a outras áreas.

As pessoas - principalmente o comércio e a indústria - ainda não entendiam bem o que era internet e como ela iria ajudar em seus negócios, sendo que a maioria nem tinha acesso àquela novidade. Muitas vezes, quando íamos fazer uma proposta, confundiam internet com NET, que também estava se consolidando na época.

Dois anos depois resolvemos criar o Rio Total, com o objetivo de divulgar o Rio. À medida que expandíamos, sentimos que não éramos só Rio e começamos a convidar escritores de outros estados e países, que passaram a colaborar com magníficos artigos, fortalecendo cada vez mais o CooJornal, nossa seção de literatura.

A partir daí, já passamos por 8 reformas de lay-out e ampliação de conteúdo. Ganhamos prêmios e destaque em jornais e isso é muito gratificante.

- Através de seu trabalho muitos escritores são amplamente divulgados. Qual o diferencial em meio a tantos sites literários?

Talvez a maior diferença seja o fato de termos registro no ISSN, o que dá certa segurança aos escritores na preservação de seus direitos autorais. Outro diferencial é a preocupação com a revisão de textos de todo o material publicado, principalmente dos artigos, contos e crônicas. Não usamos aquele sistema em que autores postam o que querem a qualquer hora. Selecionamos alguns e os editamos, atualizando o site às sextas-feiras.

- Pode nos falar como é elaborada a revista e quantos fazem parte da equipe com as referidas funções?

Nossa edição é semanal, portanto, não precisamos de muitas pessoas para a elaboração do site. São só dois editores e média de 15 colaboradores que enviam seus textos. (Ah, como gostaríamos que os enviassem com mais antecedência!). Recebemos sugestões de matérias e releases de uma rede de jornalistas e assessorias de imprensa, além de fazermos muita pesquisa durante a semana. Tudo é analisado e escolhido até quarta-feira. Aí, é madrugada a dentro para estar no ar na sexta logo cedo.

- Sente-se realizada como editora, ou tem planos para ampliar seu projeto?

Planos, sonhos e desejos existem. O problema é ter tempo e disponibilidade financeira para colocá-los na prática. Só o fato de estarmos há 17 anos ininterruptos com o site no ar, sem nenhum patrocínio efetivo, já é uma realização. Mas o maior sonho é, sem dúvida, lançar a versão impressa do Rio Total.

- Como concilia seu tempo atuando como psicóloga, foniatra e editora cultural?

Agora já estou aposentada do consultório e me dedico integralmente ao site. Mas há alguns anos era bem complicado. Após a tensa labuta do dia, trabalhava no site do final da tarde até de noite. Luiz dava aulas na faculdade e, quando voltou ao rádio, tive de assumir o site com mais intensidade. Mas fazíamos com prazer. Hoje, ainda é a mesma sensação de descoberta e alegria, o mesmo prazer. Nem sei qual a época melhor.

- Sabemos que é também escritora. Fale um pouco sobre esse dom.

Não me considero uma escritora! Sempre gostei e tive facilidade em escrever, tanto que meu pai achava que eu devia seguir a carreira de jornalista. Eu, ainda muito imatura e jovem, apesar do apoio paterno, queria ser da “geração de psicólogos”. Escrevo o que sinto e como sinto. O Luiz diz que meus textos agradam porque não têm a fria linguagem jornalística, têm a linguagem da alma e do coração. Fico sempre na dúvida se é por este viés mesmo ou se ele está apenas querendo me agradar para que eu continue fazendo o site...

- Como vê o avanço dos livros digitais?

Como disse Umberto Eco e Jean-Claude Carrière, não contem com o fim do livro. Há coisas que não podem ser substituídas depois de inventadas. A roda, por exemplo. Roda é roda até hoje no mesmo formato de quando foi inventada. Foram melhoradas tecnicamente, mas seu formato original é o mesmo. A tecnologia digital vai facilitar em muitas situações, mas não vai substituir o livro de papel. O formato digital de hoje não será mais o formato digital de amanhã. A velocidade com que as tecnologias se desenvolvem é muito rápida, o que se usa hoje não serve mais amanhã. Para se preservar o que tinha, tem de se substituir pela nova tecnologia, tem de gastar mais uma vez para se manter atualizado. E se der um vírus no computador, adeus biblioteca. Já o livro de papel não. Está ali na estante, velho, amarelado, mas está ali a seu dispor a qualquer hora.

E eu não preciso de energia para ler, posso fazê-lo a qualquer momento, até mesmo sob uma vela.

- É difícil para um escritor lançar-se no mercado editorial?

É. As editoras recebem centenas de originais diariamente. Têm de ler, classificar por publico alvo, ver a viabilidade econômica e comercial, etc. Não é só imprimir e colocar nas livrarias. Alguém tem de pagar a conta. Se não for uma boa estória que dê para investir em uma ampla divulgação, não serve.

Uma dica para os escritores: as editoras não lêem o original todo na primeira análise. Se os dois primeiros capítulos já derem ao editor a noção completa do enredo e seu final óbvio, é colocado no arquivo do "um dia talvez" ou no "muito interessante, mas no momento estamos sem condições de publicar". Para que o livro tenha alguma possibilidade de ser publicado, a trama tem de ser interessante, intrigante e provocativa, deixando o leitor com muitas dúvidas quanto à ação de seus personagens. Cada capítulo deve levar o leitor a querer ler o próximo, e o próximo, e o próximo. Parodiando o ditado popular, "você tem de matar um leão a cada capítulo".

Hoje em dia, o livro não deve ter uma narrativa muito longa e detalhada do ambiente em que passa cada episódio. Os diálogos têm de ser coloquiais e objetivos. Não podemos esquecer que os leitores de hoje estão envolvidos em um mundo de muita agitação e informação. A TV tem o recurso da imagem, que em poucos segundos dá a idéia do ambiente, e os diálogos são curtos. Nos filmes acontece a mesma coisa, pois conseguem contar a história da vida de um ‘Alexandre, o Grande’, por exemplo, em 3 horas de duração. O público já se acostumou com isso, não tem mais paciência para livros dissertativos de 500 ou 600 páginas. Este tipo de livro se compatibiliza bem no segmento acadêmico.

O importante é lembrar que um bom escritor deve ser primeiro um bom leitor.

- Falta aos nossos governantes sensibilidade para a promoção da cultura?

Acho que não. Há leis de incentivo cultural e diversos estados promovem as várias vertentes da cultura gratuitamente para o público. Talvez, o que falte, seja maior facilidade e agilidade na análise dos projetos, diminuir algumas exigências desnecessárias e aumentar um pouco mais os benefícios de quem patrocina, a fim de atingir empresas de médio porte.

Acho que a falta de sensibilidade maior é de quem faz o projeto para ser beneficiado com as leis de incentivo, não conhecendo profundamente todas as possibilidades que elas oferecem; além do que, não sabem vender esse projeto aos seus mecenas. A estes também falta sensibilidade e desconhecimento dos benefícios que estas leis trazem. Tanto no que se refere à questão fiscal, à questão de sua imagem perante a sociedade, e também - e esta a mais importante - nos benefícios sociais que a cultura leva ao seu público consumidor. Infelizmente, a mentalidade do mecenas de hoje é o retorno rápido do seu investimento. A doação com o simples objetivo de ajudar a melhorar culturalmente seu próximo não existe.

- Se tivesse poderes, o que faria em prol da cultura?

Eu poderia dizer que é revitalizar, manter, promover e até criar novos museus, salas de cinema, salas de exposições e arte, bibliotecas, teatros, etc. Mas nada disso adianta se não há público com capacidade intelectual para isso. Então, o melhor para cultura é a educação e começando pela básica. Eu criaria uma disciplina obrigatória do curso elementar ao superior: cultura.

Assim, alguns deixariam de achar que cultura é saber ler, escrever, fazer as 4 operações e ter lampejos de algum fato histórico, além, evidentemente, de saber contar o final da última novela...

Deixe-nos um poema de sua autoria.

AQUARELA

Ouvi dizer que, no alto desta serra,

Vive um pintor que é renomado artista.

Lá o vejo no trabalho, sobre a crista

De um desnudo rochedo à flor da terra.

O tom cinzento do painel contrista.

Rasga-o nervoso, reconhece que erra

E, enquanto os olhos molemente cerra,

Espera a inspiração vaga e imprevista.

Finalmente, o pintor descobre a tinta,

Experimenta, delicia, pinta

E abre um sorriso ao ver de longe a tela.

Como tu, meu amor, que principias

A pôr no quadro inútil dos meus dias

Um céu azul de pálida aquarela.