Sobre Judaísmo Anussim

Respostas do Professor Carlos Maciel que foram embasadas junto com o também Judeu Odmar Pinheiro Braga: Professor, Dramaturgo, Escritor e Poeta Marrano.

- Gostaria de saber os principais pontos sobre a chegada dos judeus em Recife. Quando ocorreu, o que motivou, e como foi a adaptação das pessoas ao local?

A resposta para esta pergunta deve iniciar dizendo que Recife era porto de Olinda, era uma vila de pescadores, Século XVI. Logo precisamos pensar em algo mais amplo. As pessoas desembarcavam no porto de Recife e seguiam para Olinda, já que Recife não existia enquanto cidade. Século após Século, sempre existiram migrações de judeus Cristãos-Novos Hispano-Portugueses: Século XVI, XVII, XVIII, etc. Durante Séculos, estas pessoas continuaram sendo impelidas pelo bruto recrudescimento do processo de inquisição em Portugal. Na História dos Judeus que vieram a Pernambuco, então nominada por Portugal como Nova Lusitânia, há fatos que demonstram que a História do Brasil e a História de Pernambuco se confundem de tão entranhadas que estão. Os Judeus procuram salvar suas peles, buscando salvaguardar-se neste grande espaço de oportunidades chamado de Novo Mundo, que era o Brasil. Os Primeiros Judeus que chegaram a Pernambuco eram Hispano-Portugueses. A primeira terra a ser ocupada foi Itamaracá, com a fundação de vila velha, em 1509. Igarassu, em 1535, com a Frota do Donatário Duarte Coelho Pereira que coloca o marco da fundação desta vila. Em 1537, ele desce o litoral e funda vila de Olinda que, depois, se torna Cidade, capital da capitania de Pernambuco. Duas Sinagogas existiram entre 1580 e 1595: uma no Alto da Ribeira, na própria casa de Ana Roiz e, a outra, no engenho Camaragibe que era de propriedade da mesma família. No século XVII, após a conquista de Pernambuco pela companhia das índias e graças a liberdade religiosa que esta favorecia, um grupo de homens Judeus remanescentes e filhos de remanescentes das Sinagogas do alto da Ribeira e de Camaragibe circuncidaram a se mesmos e fundaram a Sinagoga Maguén Abraham e, posteriormente, fundaram a Sinagoga Kahal Kadosh Tsur Israel. Não houve problemas com a adaptação porque todos eram de Olinda, todo se reconheciam. O Rabino, à época, era Rafael de Aguilar e o auxiliar dele era o seu sobrinho, chamado Izaac de Castro, que foi queimado vivo em Portugal pela Inquisição após ser preso em Salvador, tentando judaizar famílias judias na Bahia. O rabino Isaac Aboab da Fonseca, nascido e batizado em pia batismal em Castro d’Áire, em Portugal, cujo nome católico era Simão da Fonseca, após sua família fugir para Amsterdã, estudou para se tornar Rabino, adotando o nome de Isaac Aboab da Fonseca, vindo, depois, a assumir, em Recife, como Rabino da Kahal Kadosh Tsur Israel. Face à liberdade religiosa propiciada pela companhia das índias ocidentais, a quantidade de judeus professos em Pernambuco chega ao número 5.000 (cinco mil) pessoas, segundo o historiador Cecil Roth, sendo apenas 600 destas oriundas de Holanda, que deixam Pernambuco após a saída da companhia das índias ocidentais. No século XVIII, o Nordeste era Pernambuco, tudo era Pernambuco. Judeus continuaram fugindo para o Brasil, em especial para o Nordeste brasileiro, com o recrudescimento da Inquisição em Portugal que tinha seus braços atrozes alcançando pessoas nos interiores do Estado. Judeus eram perseguidos também nestes interiores e levados a Portugal para serem presos, julgados e queimados vivos em praça pública. Havia uma cerimônia mensal para alimentar o medo nos Judeus para que estes lembrassem que não podiam manter suas práticas judaicas. No final do Século VXIII, por decreto régio, por iniciativa do Marques de Pombal, proíbe-se assinalar ou registrar o nome das pessoas com a sigla XN que era a forma que se nominava Judeus Cristãs-Novas ou marranos, assim como eram rotulados os Judeus Hispano-Portugueses. O Século XIV é chamado do século do silêncio. O medo se perpetuou, tanto que as pessoas continuaram com suas práticas judaicas em suas vidas privadas, práticas Cripto-Judaicas, Vide, Senhores de Engenho, Judeus do Brasil Colonial, de José Alexandre Rimbemboim, Z’’L – de saudosa memória. No século XX, surge um movimento de retorno às raízes judaicas. Famílias remanescentes da inquisição portuguesa, sejam estas famílias em Portugal ou no Recife, reassumem publicamente e sem medo, a sua identidade judaica diante do Estado de Israel e diante de seus pares, seus Irmãos. Posso citar, por exemplo, o Poeta e dramaturgo Odmar Pinheiro Braga como pioneiro deste processo de retorno às raízes judaicas, cujas obras em Ladino podem são citadas e reconhecidas pelo Professor Doutor Natan Wastel, Anita Novinsky e outros. Semana passada, a comunidade Judaica de Belmonte – Portugal e a comunidade de Judeus Anussim do Recife foram representadas pelo Doutor Daury Ximenes, Eminente Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil em Pernambuco, que estava em companhia da Professora Anita Novinsky, em um congresso em Miami - USA, tratando sobre o tema dos Judeus Anussim, ou seja, os Judeus Hispano-Portugueses. Sobre Ladino, vide obras: Odmar Braga em Rekodro de mis Rekodros e, outro livro: Viduy, obras reconhecidas pelos Instituto Cervantes e pela Autoridad Nacionala Del Ladino de Israel.

- Desde o começo, havia liberdade para a prática religiosa? Ela era feita de que forma e em quais locais?

Os Judeus Cristãos-Novos (ou cripto-judeus), não firmaram ou fundaram comunidades e nem tão pouco faziam reuniões públicas em virtude da perseguição a eles imposta. Tudo funcionava da forma mais secreta e discreta possível. Aqui e ali existam pouquíssimas famílias que se arriscavam esporadicamente para algum ajuntamento discreto; estas pessoas se reconheciam como Judeus entre si. Vide: Nossos avós eram judeus, de Marcos Antônio Filgueira. Porém, na maioria do tempo – ou em quase todo o tempo – as práticas e ritualísticas eram feitas no seio familiar, tudo discretamente, sem chamar a atenção. Desta forma, não havia uma necessidade efervescente. Afinal, o Santo ofício ainda estava vivo. Assim, a formação da vida religiosa de um Judeu tem toda a sua base inicial e contínua no Lar, em Família, de onde as tradições são passadas de geração a geração, deixando a memória viva. No Brasil de antes, as tradições, as histórias e o “saber-fazer” de um Judeu tinha sua base na sua intimidade, na sua vida privada. Hoje em dia, tudo continua da mesma forma. No entanto, temos a possibilidade de irmos às Sinagogas e abrirmos as nossas próprias Sinagogas, fato este que só passa a ocorrer no final do século XX. Vide: La fois de Suvenir, de Natan Wastel, com a contribuição do Poeta Odmar Braga e o Livro Memoires Marranes, do mesmo autor. Ainda vide: Fragile Branches, de James R. Ross, que dedica o quinto capítulo deste seu livro para a presença Judaica em Pernambuco, desde o início da ocupação, tendo por foco a família do Poeta Odmar Braga e o ajuntamento de Judeus Anussim na Sinagoga da Rua Martin Junior, no Recife, com o apoio do Hazan (Cantor) o senhor Issac Essoudry. Fato este que culminou com visitas do Rabino Joseph Sebag do Grão Rabinato de Israel, que realizou o retorno religioso da comunidade judaica de Belmonte, Portugal.

- Direcionando agora para os dias atuais, a religião judaica é difundida pelo estado? Onde ela mais se concentra? Há estimativa do número de praticantes em PE?

A Religião judaica nunca foi adepta do proselitismo (empenho em converter uma ou várias pessoas a uma causa ou verdade). Esta é uma característica singular de quem é Judeu, igualmente. É preciso entender que o Judaísmo é uma religião de tradição familiar que tem por base uma herança, uma identidade: a memória. Uma herança que advém de valores familiares, do saber-fazer diário, da vida íntima de uma prática única, algo que vai além de um sobrenome, apenas. Claro que há a possibilidade de conversões. Mas, estas obedecem a critérios rígidos dos Rabinos. Não obstante, é bom que se diga que nunca houve proibições para quem deseja se aproximar do judaísmo. Porém, há critérios a serem observados e seguidos por quem deseja frequentar alguma Sinagoga. Hoje em dia, o Judaísmo é praticado livremente, diferente de outras épocas. Há comunidades em Pernambuco, Paraíba, Maceió, Bahia, Belém, São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus, Minas Gerais, que são Judeus, independentemente de suas origens. Não há um número oficial claro de famílias praticantes.

- Ao longo do ano quais tradições religiosas são seguidas pelos judeus (se possível, você poderia especificar a época do ano em que ocorrem)?

O Povo Judeu gosta de celebrar seus momentos e, durante o ano, temos várias celebrações e momentos de alegria, de reflexão, de introspecção e de celebração. Nosso calendário funciona de forma diferente. Obedecemos a um calendário que tem 355 dias e, a cada 3 anos, acrescenta-se um mês, que é o mês de Adar-Sheni (segundo mês de Adar), com a soma dos 10 dias de cada ano, na soma dos 3 anos para equilibar o calendário.

As principais celebrações que temos – para não ser muito extenso e prolixo – iniciam com o Rosh Hashaná – que é nosso Ano Novo, depois tempos o Yom Kippur, que é o dia do perdão, a festa de Sucot, Hanukah, Purim e Pessach embora o principal dia Santo para um Judeu seja o Shabat. Fora este dia, só o Yom Kippur se destaca.

- O que diferencia o judeu ortodoxo do judeu "convencional"?

Ambos são Judeus. Um é praticante e, o outro, é Laico.

- Sempre ouvi que os judeus saídos daqui fundaram Nova York, o que há de concreto nisso?

Há quem diga que foram 26 pessoas e há quem diga que foram 26 famílias que saíram daqui e fundaram a Nova Amsterdã. Mas, também, é dito que um grupo de Judeus saídos de Recife, fundou o bairro de Flores, que deu origem a Cidade de Buenos Aires, Argentina. Vide: Expansionismo Brasileiro, de Moniz Bandeira.

Carlos Maciel CJMaciel
Enviado por Carlos Maciel CJMaciel em 18/09/2016
Reeditado em 18/09/2016
Código do texto: T5764541
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