Entrevista com um vagabundo

Como foi o seu contato inicial com a literatura e o que te faz escrever?

A primeira vez que me interessei por literatura, após a minha fase "turma da Mônica e paradidáticos", foi no ensino médio, em meio a uma aula de química geral. Meu coração estava estraçalhado por um amor platônico pela irmã de um amigo, eu sofria com o transtorno bipolar e estava folheando minha apostila nos fundos da sala quando esbarrei no movimento romântico brasileiro. Após ler uns versos de Gonçalves Dias e Castro Alves, me deparei com o texto " ideias íntimas" do Álvarez de Azevedo. A percepção melancólica, azeda e satânica da vida que escorria daquilo foi um êxtase, foi como atravessar um abismo dançando e com os olhos vendados. Desde então, algo morreu e ao mesmo tempo nasceu dentro de mim. O que me faz escrever? Estar vivo, pensar mais do deveria, beber mais do que o necessário mas nunca o bastante para uma vida. Isso já é o suficiente para pôr umas baboseiras no papel. Se eu executo isso da maneira correta, e se me faz bem ou não, já não sei dizer ao certo.

Hum, sobre a bebida, qual a pior parte dela?

Quando o efeito passa e tudo volta a ser o que era antes de ter aberto a garrafa. O mesmo vale para as drogas ilícitas e para as mulheres. Eu sei, não passo de um covarde.

E as mulheres, qual a pior parte delas?

São mais do que olhares, são mais do que a maneira como balançam as bundas e os cabelos e sorriem ou não sorriem. Elas sabem que sou uma vítima fácil, sabem me derreter e me foder fisicamente, mentalmente e espiritualmente, mas nem sempre na mesma ordem. São como um bom poema que você nunca consegue escrever.

E sobre os poetas, o que há de pior neles?

Estão sempre resmungando, se drogando ou falando mal de quem se droga e resmunga. Falando sobre o que é ou não é alegria, o que é ou não é dor e sofrimento, o que é ou não é amor... São seres estigmatizados por querer demais, por sentir e pensar demais, por falar demais. Querem mudanças, revoluções artísticas, sociais, querem o mesmo sexo ou o sexo oposto, querem tudo, mas não querem largar o conforto do papel, da caneta e das palavras, nós somos assim. E ainda há os que se acham mitos e fodas demais para os seus leitores e não leitores. Quer deixar um poeta puto? Faça algo que chame mais atenção do que os textos dele.

Falando em deuses, o que você diz sobre religião?

A religião sempre será um refúgio. Uma maneira de se sentir melhor. É apenas um conforto. É como transar e gozar enquanto tudo ao seu redor está desmoronando e queimando. É como escolher uma camisa ou refrigerante. Você escolhe aquela que mais lhe agrada. É só perfilar. Não gosta de adorar imagens? Quer usar brincos? Ama Jesus mas quer transar antes do casamento? Quer salvar a própria alma mas não quer deixar de ser um hipócrita fodido? Quer acreditar que seu filho amado que foi brutalmente assassinado cumpriu sua missão e agora está bem ao lado de seres espirituais evoluídos? Sempre haverá algum tipo de interpretação de Deus lhe aguardando. Sempre haverão rebanhos onde os piores seres poderão se encaixar. Mas há os que preferem se auto proclamar deuses, há as estrelas que brilham com uma luz própria. Essas raras criaturas são como brasas solitárias que arderão até o fim sob a inveja e o ódio dos cordeiros. E é também para eles que viro tantos copos de cerveja e wyski por semana.

Algo sobre a política nacional e mundial?

Hahahahahahhaha!!

Últimas considerações?

Fodam-se. Fodam... Enfim, falando sério agora, se o que você acredita é forte demais para te manter de pé, persista. Não se importe com o que eu digo, com o que você mesmo diz nos momentos ruins. Você e a maneira como anda através de toda essa merda chamada civilização é tudo o que importa. E nunca se esqueça, deixai o próximo em paz, isso é o que há de mais humilde e sagrado. Amém?!

Ok, obrigado.

Demorou, agora me passa esse colírio alucinógeno aí, seu sacana!

O Bêbado
Enviado por O Bêbado em 02/04/2020
Código do texto: T6904791
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